Continuando…(15)

A água caía como se nunca tivesse existido sol.
Aquele caudal imenso vindo do céu, abatia-se sobre o mar e era de tal forma denso que parecia que o líquido envolvia tudo como no início da Criação.
O navio do General seguia o rumo traçado, lento, como se a água fosse viscosa e o segurasse propositadamente para o atrasar.
Não soprava vento, não fazia frio, mas aquela chuva de chumbo tornava o mundo tão imensamente pesado que parecia que toda a alegria e esperança que alguma vez tivessem existido, tinham sido esmagadas pelo peso de uma tristeza imensa que subjugava toda a existência.
O comandante insistiu com o General, pediu, implorou, ousou até usar um tom de voz ligeiramente mais autoritário, mas nada o demoveu. O homem permaneceu no tombadilho, com os imensos olhos azuis perdidos algures num ponto que só ele vislumbrava, longe, mais longe que o horizonte…
Tinha chegado a Marrocos há poucos dias.
Andava ainda entontecido com o calor abrasador, com os cheiros e as cores, com a música das palavras que não entendia.
Era um homem poderoso, ainda jovem. Apesar de já ser viúvo há alguns anos, naquela época sentia-se capaz de conseguir tudo o que a sua ambição lhe ditava. E como era ambicioso…
Enviado a Marrocos numa missão de Estado, representava o Rei.Diplomacia apenas, nada militar, ainda…
Recebido nas famílias mais influentes e ilustres, abriram-se perante si portas que durante décadas não se tinham aberto para ninguém.
Foi atrás de uma daquelas portas, que a conheceu. A única mulher que amou na vida, a mesma que mais odiou.
Talvez fosse esse ódio que ainda o mantinha vivo, apesar de tudo.
- Judite… , murmurou o General e, não fora a chuva que o derretia, talvez se tivesse visto uma lágrima gorda, quente e salgada a sulcar-lhe a pele dura e enrugada da face esquerda. Uma lágrima solitária num deserto que há muito secara. Uma lágrima perdida numa pedra.

(continua)