domingo, 21 de março de 2010

Tudo vale a pena, enquanto a alma… não se empena!

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Mais do que um impulso literário legítimo, se existe,
o que me movia era o desejo de vã glória entre as raparigas magalhânicas”.

Francisco Coloane, Os Passos do Homem


Descobri, quase por acidente mas por intuito quase precoce, que escrever poesia (ou lá como lhe chamam na adolescência!), dá óptimos resultados no curto prazo e alguns deles, muito para além do seu objectivo inicial, distendem-se pelo tempo fora, sempre com a glória e a fama adiada mas apesar de tudo, garantida, ou quase; dava trabalho, é certo, mas o resultado sempre foi proporcional á sua compensação. Ou assim ousei crer.

Com um pouco de engenho e paciência nas práticas miraculosas da manipulação das palavras, sempre se conseguem angariar meia dúzia de admiradoras fiéis na escola secundária, ferozes na concorrência da novidade, as últimas linhas do trovador improvisado, mas genuíno, nada de cópias, ainda que permitidos os lugares comuns, que no ramo bastante exigente que é o acto criativo da poesia, são tolerados, senão insubstituíveis. Claro que fórmulas que recorrem ao “sol do meu olhar”, “até á eternidade”, “amor ardente, para sempre”, “sem ti jamais serei alguém”, estão de imediato excluídas, dado o pouco impacto na plateia das pretendentes, além de que qualquer eterno candidato ao Nobel já as utilizou exaustivamente., quem sabe com a mesma motivação.

De entre algumas e motivantes tentativas, consegui sabe-se lá por que artes uma das minhas pequenas pérolas que me rendeu uma namorada a titulo provisório e umas quantas pretendentes em fila de espera:

Gosto de ver
E desfolhar o amor
Como se fosse o processo do dia
Visto ao contrário.
Ver a sombra, o mar,
A luz fugidia,
Que é ver o pôr-do-sol
Como se ele fosse nascer.
Ver a sombra
O mar e sentir
Que o penar não é nunca renascer
Mas só tarde descobrir
Que o Sol, esta terra e tu
São a parte mais discreta do Ser
E que amar-te,
Como se olha o fim do dia,
É ter-te completamente
Sem nada em ti me pertencer.

Et voilá, simples e eficaz. Uma boa parte dos poetas no seu estado mais primitivo, recolhem benefícios a torto e a direito, inclusive nas notas da disciplina de Português, se fizerem passar uns quantos rascunhos “só para professora ver”, pois que nunca saberão as pobres coitadas se não passarão ao lado dum promissor (sempre promissor) Pessoa ou dum Régio, sem que se tenham apercebido, e vai daí que puxam sempre dumas notas mais benevolentes que o pobre trovador não poderá negar, não vá o diabo tecê-las e o ajudante embrulha-las. Mas neste particular, o conteúdo será inevitavelmente mais ambicioso, mais estruturado, sem plágios mais uma vez, mas com verve, com dramatismo, com um pouco de solidão e loucura, a tal destinada a todos os aspirantes desse circulo feroz e que só pode ser inconfundível;

“Curiosa a escrita do Sol
Onda de fogo, sombra das Estrelas.
Murmúrio enquanto Luz
Esta presença inscrita entre Deus e os homens.”[1], ou

“Pintadas todas as cores e compostas todas as palavras,
Pouco mais me resta senão escutar o canto rouco dos pássaros
E observar as ondas que não repousam o seu ritmo.
Observar pacientemente todas as naturezas quase mortas,
Que é possivelmente o mais antigo ritual do mundo
Que te habita.” [2]

Com sorte até professoras de outras áreas menos atraentes poderão beneficiar o criativo que não belisca nada de biologia ou física, pois de tal modo ofuscado nas suas artes que valerá sempre beneficiar dum pouco de estado de graça.

Mas, existem, contudo alguns revezes, sobretudo quando a fama já ultrapassa somente a expectativa. Durante esse período conturbado do pequeno poeta tenta algumas revistas da especialidade, um ou outro suplemento dito jovem, e vai daí que os tipos bombardeiam-nos com grosseiros comentários de mau gosto, num incompreensível jogo de gato e do rato, do qual este que se preza só desistiu do DN Jovem, quando aqueles se renderam a publicar umas quantas linhas no estilo “worst of” tão apreciado pelos ratos escondidos de serviço que me pediam (como ao resto da prole que esforça que nem danados, para ter um pequeno momento de glória), sem me ter conseguido ao valente prémio das “criticas” indigestas, mais non-sense que o que enviava para o dito suplemento. Entretanto sempre me interroguei sobre o que é que estes iluminados não diriam do precoce Salman Rushdie, do jovem Murakami, dos Tolentino Mendonça ou dos Jacintos Pires, enquanto adolescentes borbulhentos? Na pior das hipóteses, “olha, escreve às carradas tipo Lobo Antunes ou Paulo Coelho, ‘tás a ver, e terás mais visibilidade, notabilidade, mesmo que a tua escrita pareça um amontoado aleatório de recortes de jornal, etecetera”. O poeta jubila em entrar no jogo e sair dele, com duplo cartão amarelo, que nem sempre é o mesmo que um vermelho. Dói mais quando as Dulcineias desta vida nem sabem o que é uma declaração de amor, senão pelas telenovelas híbridas, fingidas, que não têm de longe a deliciosa beleza que fingir com um poema um amor que pode existir. Sem limites.

Quando o jogo perde o sentido, começam os poemas incompletos a ser guardados nas gavetas, nas pastas esquecidas, entre os amigos que com benevolências nos incentivam, nos impelem a procurar uma editora, mas a sinceridade, quando se solta pelo corpo fora, exige mais e mais, vorazmente percorre o argumento omnipresente: Valerá a pena?

Tal como o caro Coloane, “nem sequer sei explicar como aprendi a ler e a escrever, tal como me acontece quando escrevo (…). Por vezes, faço-o com alegria e entusiasmo e outras com esforço e tédio, mas penso que se me aborreço assim com o que escrevo, mais se devem aborrecer os leitores. E então ponho tudo de lado.”, e recomeço, adiando o momento em que a minha satisfação da escrita possa ser do tamanho da quem me recordará, porventura. Até lá, também as palavras têm medo de existir, de se deixarem descobrir, porque já não fingem, já não aceitam o simples jogo da aventura, não se pretendem escondidas num amontoado indistinto duma estante incógnita. Resguardadas nos nossos lugares incógnitos, essas palavras sobreviverão ás fogueiras do tempo, pois que o que se sabe dói menos depois de se saber do que enquanto se não sabe.”[3] E então, enquanto não têm vida própria, as minhas palavras, ponho tudo de lado e vivo por aí, mas isso é outra conversa…


Bizarril, 2009


[1] Para professoras de Português do Oitavo Ano
[2] Estilo muito indicado para professoras do Décimo Ano ou outros.
[3] Ferreira, Vergilio, Em nome da terra

|nota breve ao texto longo como um raio: este, foi inicialmente editado no Impressões Digitais, e recuperado, pretende tão somente homenagear os "imberbes e colossais poetas", enquanto jovens! Calha a todos...|

4 comentários:

  1. =), escrever é sempre um prazer e quando o deixar de ser não mais é do qualquer outra obrigação cinzenta, sem asas, sem brilho. A caçar meninas com a proeza, olha que lindo =)

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  2. [que dê um pontapé na pedra, o "poeta de borbulha na cara", que não utilizou esse estratagema da aranha!!!! :) ]

    um imenso abraço
    com beijo e sorriso incluído, Lou

    Leonardo B.

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  3. Muito bom o texto franco, as dúvidas, a história em si.

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  4. Leonardo, o processo de escrever me parece ser tão particular quanto as impressões de quem escreve. Por isso, mesmo, para muitos, deve ser mais sofrido. Não por falta de talento e técnica e sim por uma questão de sensibilidade, pontos de vista e até mesmo estrutura pessoal para conviver com o que se revela e se constrói. Eu, particularmente, costumo gostar mais dos autores que vão fundo, que quase confundem criatividade com loucura e que duvidam de si mesmos e das palavras, que as temem e por respeito. Adorei o seu texto! Beijo. Bípede.

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