sábado, 29 de junho de 2013

E os escritores...

" E os escritores criativos são aliados muito valiosos, cujo testemunho deve ser levado em alta conta, pois costumam conhecer toda uma vasta gama de coisas entre o céu e a terra com as quais a nossa filosofia ainda não nos deixou sonhar. Estão bem adiante de nós, gente comum, no conhecimento da mente, já que se nutrem em fontes que ainda não tornamos acessíveis à ciência."
Freud, Delírios e Sonhos de Gradiva, 1907.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Da série Infâncias


Na desordem das palavras
fica algo para trás
e aquém das mãos frias
aquecidas em uma xícara de chá.
No silêncio da desordem
é preciso sentir o frio e
os insetos da infância.
que  desconstruíram o jardim.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Sobre livros e livros

Onde se queimam livros cedo ou tarde se queimam homens. (Heinrich Heine)

Quanto tenho algum dinheiro, compro livros. Se ainda me sobrar algum, compro roupas e comida. (Erasmo)

É o que você lê quando não tem que fazê-lo que determinará o que você será quando não puder evitar. (Oscar Wilde)

Uns gostam de cavalos, outros de animais selvagens: eu, desde a infância, fui tomado por um prodigioso deseja de comprar, de possuir livros. (Imperador Juliano)

Ter livros sem lê-los é ter frutos em pintura. (Diógenes)


domingo, 23 de junho de 2013

As janelas das raízes

 
 
Eu sei que as paredes grossas
da casa onde nascemos
se começaram a construir
no tempo de outras gerações.
E ambos descobrimos isso
quando gatinhávamos
pelas primeiras letras
dos livros mais antigos
que lhe serviram de alicerce.
 
 
Ainda os vemos de páginas abertas
no chão húmido da memória,
como se fossem as janelas
das raízes que nos suportam.
 
 
 
Jorge Arrimar, nasceu em São Pedro da Chibia, Planalto da Huíla, em Angola - (1953)

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Parada na esquina


Nina Rizzi está parada na esquina. 
A esquina não fica entre duas ruas. 
As ruas estão desertas, 
porque toda a cidade saiu de casa ao mesmo tempo.
O tempo corre tão rápido quanto o espaço. 
O espaço não significa mais nada. 
Nada é tudo o que o mundo inteiro sabe agora. 
Agora ninguém tira os olhos da maldade. 
A maldade é doce e grudenta como melado.
O melado escorre dos corpos assolados pelo verão.
Um verão inclemente como a verdade. 
A verdade não passa de uma miragem. 
A miragem é Nina Rizzi, 
parada em todas as esquinas.

(Postado originalmente em O Grande Desfile de Pin-ups - V)  .  .

segunda-feira, 17 de junho de 2013

De distâncias levadas a cabo, de ressentimentos infiéis,
de hereditárias esperanças misturadas com sombra,
de assistências dilaceradoramente  doces
e dias de veio transparente e estátua floral,
o que subsiste no meu vocábulo escasso, no meu frágil produto?
 
 
 
Pablo Neruda,  Diurno doído

sexta-feira, 14 de junho de 2013

"I know not what tomorrow will bring" - Fernado Pessoa

XXXVI
 
 
E há poetas que são artistas
E trabalham nos seus versos
Como um carpinteiro nas tábuas!...
 
Que triste não saber florir!
Ter que pôr verso sobre verso, como quem
[constrói um muro
 
E ver se está bem, e tirar se não está!...
Quando a única casa artística é a Terra toda
Que varia e está sempre bem e é sempre
[mesma.
 
 
Penso nisto, não como quem pensa,
[mas como quem respira.
 
E olho para as flores e sorrio...
Não sei se elas me compreendem
Nem se eu as compreendo a elas,
Mas sei que a verdade está nelas e em mim
E na nossa comum divindade
De nos deixarmos ir e viver pela Terra
E levar ao colo pelas Estações contentes
E deixar que o vento cante para
[adormecermos
 
E não termos sonhos no nosso sono.
 
 
Obra Poética II - Poemas de Alberto Caeiro


terça-feira, 11 de junho de 2013

Ao lado da tarde


 
 
Quando naquela tarde
depois da chuva, ao lado da janela,
olhava o arco-íris, lembrei
que aqui dentro o escuro prevalecia
longamente perto do amor.
 
Daqueles dias recordo
as treze estrelas contadas
e a cada uma dizia:
aquela que cai infinitamente
é para lembrar de nossas alegrias.
 
Mas
se indagar pelas outras respondo:
o amor tem ponto.
 
Mário Alex Rosa, em Via férrea - COSACNAIFY


Revista Pessoa

                                   http://www.revistapessoa.com/2013/06/genealogia-2/


segunda-feira, 10 de junho de 2013

Trechos de A Condição Indestrutível de Ter Sido




"...Se há esperança para recordar, você segue em frente. Se você tem alguém para compartilhá-la e andar junto, para dizer, sim, essa é a nossa trincheira, essa é a nossa tábua a mar aberto, seja de um mar salgado ou de invisibilidades, você se ultrapassa e vai além da rotina complexa de uma relação virtual; você retorna às papelarias em busca de canetas e de papéis perfumados; você retoma a sua caligrafia substituída pela monotonia do teclado; você compra livros duplicados e corre ao correio; você aprende a formar um fundo para erguer um chão e um telhado para a sua futura casa; você muda e muda para potencializar o melhor de si..."


"... Então, como se pingassem cores em minha brancura e cantasse um arco-íris sob o chuveiro, ouvi Mauro batendo na porta quando eu estava ainda ensaboada. Sem lembrar ao menos de me enrolar em uma toalha e ainda com um pouco de óleo e água escorrendo pelo corpo, corri para abri-la. Ele ficou um instante paralisado, mirando-me de cima a baixo, e, depois de um tempo que me pareceu infindável, falou: tinha certeza de que você estaria nua, ou pensei ter ouvido tinha certeza de que você estaria nua em meio à sensação de familiaridade com aquele homem, em um sentido literal, ainda estranho. O meu desconhecido íntimo deveria estar chegando aos cinquenta anos, na curva perigosa dos cinquenta anos, de Drummond, derrapando charme..."


quinta-feira, 6 de junho de 2013

Jorge de Sena


A diferença que há
 
 
A diferença que há entre os estudiosos e os poetas
 É que aqueles passam a vida inteira com o nariz num assunto
A ver se conseguem decifrá-lo, e estes
Abrem o livro, leem três páginas, farejam as restantes
(nem sequer todas)
e sabem logo do assunto o que os outros não conseguem saber
. Por isso é que os estudiosos têm raiva dos poetas,
capazes de ler tudo sem
 ter lido nada
( e eles não leram nada tendo lido tudo).
O mal está em haver poetas que abusam do analfabetismo,
E desacreditam a gaya Scienza. 
 

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Fugindo aos rótulos




As pessoas têm quase sempre uma tendência a se deixar levar por antipatias, juízos precipitados, idiossincrasias das mais variadas origens que quase sempre nos empurram em alguma direção equivocada. Além disso, deixar-se guiar por esses diabinhos interiores acaba por nos fazer perder boas coisas da vida.
Acima de tudo, é preciso tentar entender a si mesmo para liberar a rota das mudanças. Não é muito fácil mudar. Condicionamentos, hábitos estabelecidos e uma série de crenças impensadas atravancam o caminho, emperram o espírito. Mas como tudo muda, é de supor que também nós, glória da criação ou ponto alto da evolução animal, também temos o dom abençoado de poder mudar.

Se joga NA Plataforma

sábado, 1 de junho de 2013

Três sílabas do meu nome

    
   Num canto qualquer da agenda preenchida por substantivos alheios, rabisco as letras do meu nome. Seis letras. Três sílabas. He le na. Helena, ele disse devagar, diminuindo a voz como se suas cordas vocais estivessem arrebentando uma a uma, antes de desligar o telefone. E fiquei ali sentada, com o aparelho preto e antigo comprado em uma feira de domingo, pesando sobre os meus dedos cansados de desenhar, de escrever, de acariciar a solidão desabada pela casa, o corpo dos meus móveis, da minha matéria, e a casa de minha alma colorida de fim de tarde e de expectativas. Fim de tarde, fim de linha, fim de um passado mais que imperfeito ordenado por época, olhares, perfumes e pela memória borrifada de gotas desencontradas e andarilhas no piso áspero do tabuão, nas paredes de tijolos, nos dias de risos e nas semanas, meses, anos descascados nas seis letras e  três sílabas do meu nome até então adormecido.