sábado, 31 de agosto de 2013

Se


"Se" - Rudyard Kipling - 

"Se és capaz de manter tua calma quando
todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa.
De crer em ti quando estão todos duvidando,
e para esses no entanto achar uma desculpa.

Se és capaz de esperar sem te desesperares,
ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
e não parecer bom demais, nem pretensioso.

Se és capaz de esperar - sem que a isso só te atires,
de sonhar - sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se, encontrando a Derrota e o Triunfo, conseguires,
tratar da mesma forma a esses dois impostores.

Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas,
em armadilhas as verdades que disseste
E as coisas, por que deste a vida estraçalhadas,
e refazê-las com o bem pouco que te reste.

Se és capaz de arriscar numa única parada
tudo quanto ganhaste em toda a tua vida.
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
resignado, tornar ao ponto de partida.

De forçar coração, nervos, músculos, tudo,
a dar seja o que for que neles ainda existe.
E a persistir assim quando, exaustos, contudo,
resta a vontade em ti, que ainda te ordena: Persiste!

Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes,
e, entre Reis, não perder a naturalidade.
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
se a todos podes ser de alguma utilidade.

E se és capaz de dar, segundo por segundo,
ao minuto fatal todo valor e brilho.
Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo,
e - o que ainda é muito mais - és um Homem, meu filho!"

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Segredos - Frejat

Para se salvar...

Um, dois, três, vou contando os passos pelo caminho.
Uma, duas, três, vão molhando-me o rosto as gotas da chuva.
Uma, duas, três lembranças vão aguando-me a pele, os olhos e o que antes era um sorriso.
Um, dois, três batimentos e já quase não respiro.
Um, dois, três silêncios afinados como um dó, ré, mi e padeço de uma fome  de marré de si.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Coisinhas da vida



Taí o mundo, um jogo armado na mídia: vilões, mocinhos, princesas, bandidos, vítimas e algozes ficam nítidos e fáceis de entender, peças de game, todas com papéis definidos e objetivos simplificados. E as notícias mais pungentes das manchetes ganham um tom palatável, se a poltrona for boa.

***

Ser livre para mudar de ideia. Precisamos suspeitar das certezas que nos atormentam e nos afastam das pessoas. Não são certezas, são restos – melhor jogar fora.

***

Quase nunca analisamos as convicções pré-fabricadas, e no entanto elas são como um remédio, que é preciso agitar antes de usar, ver se está no prazo de validade e ter certeza de que é o mais indicado.

***

Amor e ódio são como dois rios que nascem juntos e correm muito próximos durante a maior parte de seus cursos; por serem líquidos, qualquer chuva forte ou movimento mais brusco faz com que suas águas se misturem.

domingo, 25 de agosto de 2013

Para pensar

"Algumas pessoas ficam felizes por poderem importar carros, bolsas, iphones, computadores, eletrônicos, perfumes, etc.
Mas não aceitam importar médicos para cobrir médicos que não se importam com a população que não tem convênio com boas oportunidades."

Sergio Vaz

terça-feira, 20 de agosto de 2013

O que você deve saber antes de uma cirurgia :)

 


Uma frase

" Uns vêm vestidos de feridas,
  outros expõem ventres inchados"

A Escolha - De Jorge de Lima

Começaras escolhendo e te proibindo
entre os frutos misteriosos,
e escolhendo o que deves dar como Abel ou Caim;
e escolhendo a casa de Jacó ou a casa de Esaú;
e escolhendo o alimento para não te envenenares;
e escolhendo o amigo, o anjo, o guia, o rei, o verdadeiro
                                                                     mendigo,
o bem disfarçado no mal, a mão que deve ser decepada
e a virgem que deves violar;
e  sem escolheres o ventre intacto de onde podias nascer,
nascerás maculado;
e se os pais de que nasceres não te satisfizerem,
escolherás outros pais;
e da tua companheira retirarás seres que te não
                                                        elegeram pai;
e os descendentes dos teus filhos e dos teus netos
continuarão a escolher
desde o seio que nem sempre há de ser materno
até o galho próprio para se pendurar.

Lugar - De Iacyr Anderson Freitas

" Nunca tivemos lugar nesse mundo.

  Ontem amávamos tanto
  o que agora esquecemos.

  Amanhã venderemos a qualquer preço
  o que nos faz hoje
  mudar de endereço.

  Por isso invejamos aquela árvore:
  porque soube
 qual era o lugar, porque nele soube
 deixar raízes

 e em silêncio
 levitar.


sábado, 17 de agosto de 2013

Dois poemas de Orides Fontela



 
Coruja
 
 
voo onde ninguém mais - vivo em luz
mínima
ouço o mínimo arfar - farejo o
sangue
 
e capturo
a presa
em pleno escuro
 

 

 
o fluxo obriga
qualquer flor
a abrigar-se de si mesma
sem memória

You Make It Easy.wmv

Stylistics - Betcha By Golly, Wow Lyrics

Revista Pessoa

http://www.revistapessoa.com/2013/08/tres-jardins/


Domicílio


 
 
O apartamento abria
janelas para o mundo. Crianças vinham
colher na maresia essas notícias
da vida por viver ou da inconsciente
 
saudade de nós mesmos. A pobreza
da terra era maior entre os metais
que a rua misturava a feios corpos,
duvidosos, na pressa. E do terraço
 
em solitude os ecos refluíam
e cada exílio em muitos se tornava
e outra cidade fora da cidade
 
na garra de um anzol ía subindo,
adunca pescaria, mal difuso.,
problema de existir, amor sem uso.
 
 
Carlos Drummond de Andrade, em Antologia Poética

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Tá frio



Encontrou-a assistindo à sessão da tarde com um saco de amendoins na mão.
— Ah, é você (olhar de desdém). Então, pensou no que eu te disse?
— Não.
— E veio aqui fazer o quê? Buscar o carro?
— Não. Estou de moto.
Curto silêncio.
— Vim olhar de novo essa casa. Vim...
— Você nunca se preocupou com a casa. Vivia dizendo que era apertada, que...
— Não exatamente – ele diz, voltando-se para ela. Não é pela casa.
— Então é o quê? Os móveis? Vai querer ficar com algum?
— Não. Por que não vamos ao cinema? Está passando um filme do Almodóvar ali no Estação.
— Já vi. Nem é tão bom assim – ela respondeu, mastigando sem tirar os olhos da TV.
Ele deu meia-volta e saiu sem fazer barulho. Nunca mais voltou.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

De Um copo de cólera



(...) já foi o tempo em que via a convivência como viável, só exigindo deste bem comum, piedosamente, o meu quinhão, já foi o tempo em que consentia num contrato, deixando muitas coisas de fora sem ceder contudo no que me era vital, já foi o tempo em que reconhecia a existência escandalosa de imaginados valores, coluna vertebral de toda ‘ordem’; mas não tive sequer o sopro necessário, e, negado o respiro, me foi imposto o sufoco; é esta consciência que me libera, é ela hoje que me empurra, são outras agora minhas preocupações, é hoje outro o meu universo de problemas; num mundo estapafúrdio _ definitivamente fora de foco _ cedo ou tarde tudo acaba se reduzindo a um ponto de vista, e você que vive paparicando as ciências humanas, nem suspeita que paparica uma piada: impossível ordenar o mundo dos valores, ninguém arruma a casa do capeta; me recuso pois a pensar naquilo em que não mais acredito, seja o amor, a amizade, a família, a igreja, a humanidade; me lixo com tudo isso! me apavora ainda a existência, mas não tenho medo de ficar sozinho, foi conscientemente que escolhi o exílio, me bastando hoje o cinismo dos grandes indiferentes (...)
(Trechos de "Um copo de cólera", de Raduan Nassar, pp. 54-55)

domingo, 11 de agosto de 2013

Nina Simone - The Look Of Love (Madison Park feat Lenny B Remix)

O retrato que eu te dei se ainda tens...!?



A arte de perder


 

 

A arte de perder não é nenhum mistério;
 Tantas coisas contêm em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério.
 
Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
A chave perdida, a hora gasta bestamente.
 A arte de perder não é nenhum mistério.
 
Depois perca mais rápido, com mais critério:
Lugares, nomes, a escala subsequente
 Da viagem não feita. Nada disso é sério.
 
Perdi o relógio de mamãe Ah! E nem quero
Lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
 
Perdi duas cidades lindas e um império
Que era meu, dois rios, e mais um continente.
 Tenho saudade deles.Mas não é nada sério.
 
– Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério
por muito que pareça (Escreve!) muito sério.


Elizabeth Bishop, Massachussets - 1911-1979
 
 Tradução de Paulo Henriques Britto

sábado, 10 de agosto de 2013

Encontros e despedidas

Questão de honra



Do  Caderno Cultura, do jornal Zero Hora:

 A honra, diz o filósofo, "pode nos ajudar a fazer um mundo melhor." Isso, porque a honra é um mecanismo movido pelo diálogo entre as nossas concepções e a consideração do outro, o diálogo que, enfim, pode impelir o homem a assumir, com seriedade, suas responsabilidades no mundo compartilhado. Este é o caminho apontado por Kwame Anthony Appiah: é a preocupação com o respeito, potente elo entre o viver bem e o nosso lugar no mundo social, o que significa também, "e não por acaso, viver uma vida de honra".