quarta-feira, 10 de março de 2010

Want to buy some illusions?…

(titulo gamado a uma canção da Ute Lemper, que por sinal estava a ouvir, então, quando editei este texto no Impressões Digitais… mas atenção, não levar "isto" demasiado a sério, porque não fico descansado enquanto o Murakami não levar a medalha para casa!)


Ele há dias, e com certeza que todos os havemos por garantidos de quando em vez, que uma súbita e indisciplinada desilusão nos sobe por aquela parte da coluna vertical, deixando-nos de rastos sem motivo aparente… o de ontem, e que sorte na rifa, calhou-me o Haruki Murakami, e o gajo está lá longe e eventualmente nem saberá que há neste lado da fronteira malta desiludida pelo santo ter feito milagres lá em casa e se calhar muitos mais, cá deste lado do mundo, nos tempos em que nem sonhava escrever romances de amor à vida e ao que de estranho ela contém, quanto mais com a fama, qual meretriz, que teima em oferecer aos seus préstimos a quem não a sabe usar… mas vamos à menos interessante parte da prosa, se desta algo se aproveitar!

Nem sei bem há quanto tempo que ouvi pela primeira vez o nome Haruki Murakami, aqui pelos meus bem encerados ouvidos, mas muito bem abertos, por sinal… mas recordo-me dum programa que, (e agora seguem-se uma série de salvo erros, porque nunca fui muito do género de agendas e a memória é de tal forma de ferro, que por dá cá aquela chuva, logo enferruja…) salvo o erro, se apresentava na SIC Noticias, elegantemente guiado pela B. Guimarães, naquele tempo em que eu assistia sempre que podia, nos tempos em que tinha dinheiro para ter televisão por cabo (agora está off…), quando numa das suas conversas com a então, salvo erro, Srª Embaixadora Ana Gomes, sobre um livro que tinha comprado num terminal de aeroporto que a tinha deliciado pela simplicidade e elegância de escrita, um tal Kafka on the Shore, dum salvo erro e por uma decepcionante minha falha de atenção, dum tal baruka muracama, ou bacuna mikami, sei lá, de uma coisa assim parecida… então, o que retive foi o titulo do livro em questão, que me pareceu tão familiar, como inevitavelmente e por aquelas coisas a que chamamos de coincidências, não muito depois li um critica literária num site (ou sitio soará melhor?...) não me recordo, se salvo o erro, na bookforum ou times literary suplement, et voilá, quais baruka, quais muracama, o tipo com ar de vendedor de loja do chinês chamava-se Haruki Murakami, difícil de reter no córtex, pelo menos muito mais que agora, mas por aquele sentido que não saberei muito bem se apelidar de sétimo ou décimo quarto, senti que havia ali boas páginas para ler e não me enganei, não senhora… que sensação de frescura e solidez de escrita, que me fizeram ir à casinha muito mais vezes que o necessário, que é sitio muito bom para nos deixarem em paz com os nossos amigos mais íntimos, aqueles a quem dedicamos uma devoção estranha sem pedir nada em troca, senão que estejam ali connosco, um frente a frente improvável, silencioso, mas o mais das vezes quão inesquecíveis encontros; foi assim o meu primeiro Murakami, Kafka on the Shore! Não se passou muito tempo até ler a versão em português, um Kafka à Beira Mar, que embora não me tenha “agarrado da mesma forma”, foi com redobrada alegria que acolhi de imediato, e ao primeiro livro, sublinhe-se, o Murakami como uma das boas promessas a seguir de perto, e de tão próxima distância, (isto muito antes de descobrir uma prolifera obra…), dou de caras com as Wind-Up Bird Chronicles, a um preço tão convidativo, que parecia feito à medida para o que se assinará lá em baixo, mas agora escreve aqui; dez euros e qualquer coisa para o livrinho acrescido de cinco para portes, e não nos podemos queixar aqui no interior do país pelo facto de termos que adquirir estas delicias sempre a um preço muito superior, mas lá nos vamos habituando a esse banquete só pelo do desejo das letras juntinhas, em forma de livro, a tão despropositado preço, inversamente proporcional à paixão que a donos do botequim lá em baixo na capital querem fazer crer, que a cultura é o melhor motor de busca para o desenvolvimento do país, como tão alto sonha o Mário Dorminsky, mas isso fica para outra conversa, que esta é do Murakami, e estava eu nas Wind-Up Bird Chronicles, que definitivamente conquistaram um lugar entre os brilhos, lá da pobre estante! Ah, esse Murakami que na minha pilha de livros, passou duma promissora carica de refrigerante brilhante, a um lugar cativo nos brilhos mais inebriantes, daqueles diamantes que não empresto a ninguém, porque vão tão sublinhados, não vá alguém entrar nas minhas pedras preciosas. tão bem lapidadas, ainda que o caricato tenha vindo um pouco mais tarde… Não muito tempo depois, e note-se que o meu sofrível inglês não só padece de revisão geral, como circula por aí sem seguro de vida, depara-se com a tradução para português (?), como As Crónicas do Pássaro de Corda! Mau, meu caro Murakami, aqui há gato, não o do Kafka, mas um gato parecido com uma lebre de mau gosto, mas deixa deambular lá por casa o benefício da dúvida!... Ora, tão somente, a tradução de Wind-Up Bird, num página de tradução qualquer, dessas que circulam livres na net e que também utilizo bastas vezes, traduzem a palavra, em flagrante delito e efectivamente, como pássaro de corda, daqueles que ainda me lembro de brincar enquanto criança, mas agora só se conseguem ver por ai pintados por bravos artesãos portugueses sobre peças de fraca madeira, importadas directamente da loja do chinês (atenção, que não tenho nada contra, até já fui aldrabado uma montanha de vezes e acabo sempre por lá voltar… só não compro produtos à base de melamina, porque essa fase de comer madeira e papel, já me passou há muitos anos…), e ei, onde ia, no pássaro de corda, voilá! A bendita madame que traduziu aquele calhamaço não se deve ter apercebido dum pássaro que atravessava o livro duma ponta à outra e que inevitavelmente, não poderia, nem deveria ser um pássaro de corda, nem um papagaio de vento ou coisa que Deus lhe valha; lido assim o livro e as tamanhas discrepâncias, que até um leigo como o que abaixo se assina, cometeria, vasculhei nets e mundos, porque quando se mete uma coisa aqui na fraca mioleira, nem um a promessa dumas tapes raras dos cocteau twins me conseguem demover… até que, e por coincidência de tempos e espaços, um amigo, mesmo aqui ao lado, ornitologista de horas vagas na minha questão, mas um especialista em Abutres do Egipto, entre outras raridades, me ajudou na árdua tarefa, não de descobrir as causas da lentidão dos alentejanos, mas antes da argolada da tradutora (penso e continuo a acreditar…) que Wind-Up Bird, não é mais que a Pega Azul, também conhecida por Pica-Pica, cujo o nome cientifico me recuso a denunciar, para evitar a acusação de “pretensiosismo pseudo-rural”. Ora, elementar meu caro Leonardo, a Pega Azul (que por acaso vejo quase diariamente a caminho do Bizarril) é a mesma a que se referia o Murakami, uma vez que esta belíssima ave, só se encontra nesta nossa zona da península ibérica e no Japão, embora entre as duas, as semelhanças sejam pautadas por ligeiras diferenças, por vezes: a “nossa” é descarada e deixa-se mostrar, embora a minha máquina fotográfica ainda não tenha conseguido acompanhar o voo duma só que fosse, enquanto a sua prima gémea, mas muito afastada, Japonesa e tudo, tem o hábito de se esconder e ao que consta, do pouco que consegui recolher, trata-se duma ave cujo o piar tem muito a haver com aquelas coisas que apelidamos de “agouro”… mas todavia, esta não passava duma minudência, que tal como os labirintos, de tanto querermos encontrar uma saída, mais nos embrenhamos em soluções fantasiosas.


Bom, meu Caro Murakami, é precisamente nesse momento que começaram as peripécias, tão semelhantes à burocracia aqui no botequim, no que toca a agradecer, com todo o orgulho de quem quer oferecer um disco raro da Maria Callas, a um apreciador que não sabemos em que banco de jardim encontrar… é, suponhamos, uma frustração… Mas arregaçadas as mangas, um telefonema aqui, uma pista ali, umas quantas buscas nos motores mais fiáveis da net, e só a Random House me conseguia oferecer uma pista e queira V. Exª conferir os ficheiros, se essa coisa existe e encontrará lá, meu Caro Haruki, uma mensagem, com a promessa quase solene de que lhe seria entregue em mãos, num envelope dourado e perfumado com os incensos do outro mundo, na condição de me tornar membro da mailing list, a qual me seriam dadas todas as informações sobre o autor em questão, desde os factos e matéria mais relevantes, até à mais pequenina e redondinha questiúncula, daquelas que por vezes se prendem aos direitos do autor, tornando-o refém não dos direitos, mas dos deveres… e ora vejamos, datará, esta coisa, de há salvo erro, dois anos e mais a metade de outro, mais coisas menos coisa… e desde já agradecido à Random House todas as diligências tomadas para manter informado, no conforto da sua casa, sobre a mais exclusiva novidade reservada para si, mas que foi enviada para mais duzentas mil pessoas, todas elas, meus caros burros como eu e você, que julgam que estas tretas de tratamento vip é para qualquer um?... Mas, nunca desistindo, e mesmo tendo comprado, tudo o que via pela frente e lendo até aos limites das minhas possibilidades, só queria encontrar um sitio onde pudesse dizer “obrigado pelos bons momentos”, como se faz aos bons amigos. Procurei uma falha na Homepage, que permitisse localizar o e-mail, uma mailing list que me assegurasse da entrega da minha mensagem, um pombo correio solitário e desempregado que aceitasse de bom grado um igualmente bom desafio, uma auto-estrada mais bonita e sem tanta informação que repetida à exaustão leva-nos a procurar a saída mais próxima, mesmo que a tarifa seja exorbitante, e nada – uma montanha de “preciosas” futilidades, e o meu caro Haruki, refugiado sabe-se lá onde, como se tivesse sido alvo duma Fatah, tal como o Caro Rushdie, mas como dizia a minha professora primária acerca dos meus esforços; debalde, meu bom Leonardo, debalde.

Até que ontem, uma centelha desproporcional de esperança me assolou, como se tratasse dum sucedâneo desse rafeiro e davastador Katrina, mas felizmente, o meu aparentemente sem vitimas… Pois bem, tendo resistido o que se assinará lá em baixo, até aos limites o meu login no Facebook, eis que o meu Caro Murakami, tem um perfil… um perfil, um mail, e desgraçada da vida que parece ter dedicado a muitas coisa, excepto ao que deve; outra vez nada, senão aquela foto de sempre (se alguma vez desejar uma outra, meu caro Haruki, terei todo o gosto…) e quarenta e tal mil… fans; fans? Meu caro Haruki, repito, fans? Queira desculpar, e não vou de todo subestimar as suas qualidades, uma vez que rendido fiquei pela sua escrita, pela sua escrita continuarei rendido, mas permita-me, meu Caro, essas coisas de ser e parecer são coisas que por vezes caem bem, mas é só em muito restritas áreas da vida… desculpe lá o lamento, mas parece-me que o seu editor fez a escola toda aqui no botequim, que na cadeira mestra, a de que defende na sua tese de mestrado que aos quinhentos exemplares vendidos e dois mil quinhentos oferecidos à família e parentes mais próximos, e já temos candidato ao Nobel… meu caro Haruki, não lhe vou dar conselhos, porque é coisa ruim, mas é meu dever como seu leitor batas vezes assíduo, apresentado que fui ao meu caro por um amigo comum, que é o livro, você devia de estar mais perto, porque para problemas de comunicação já temos as suficientes com Aquele que tudo observa; nós cá em baixo, os da terra, deveríamos ter outra forma de estar na vida, que é coisa tão vã e de tão efémeras glórias, que hoje, num dia pode o meu Caro Haruki ser candidato ao Nobel, como pode calhar-lhe na manhã seguinte estar a escrever um romance mais incompreensíveis e pseudo –pirosos que os do Lobo Antunes, o que duvido, mas pelo sim pelo não… meu caro, não se descuide; se Deus não está na Sua casa, bem como em todo o lado, que vão lá os devotos fazer? Nicles, não é verdade? Se o meu Caro Haruki quer vender para aí aos milhões, (o que será mérito inteiramente seu…) mas não se digna a receber a “mensagem na garrafa”, aos de aqui de baixo, então meu Caro… é provável que tarde ou cedo, as suas Elephant Vanishes, virem papel para as bonnes vivants das Traças; assim na escrita como na vida, assim na arte como no sonho, assim no estádio das glórias como entre os adeptos as festejar, se fazem “as gentes que valem a pena”; e dito isto, poderá até parecer caça ao autógrafo, mas isso é para o pessoal da piroseira, como disse uma vez a um amigo que em meu nome pedira para autografar o livro em edição dum músico que muito respeito, ao que respondeu que, assinar, até assinaria, dada a minha ausência, mas essa coisa de autógrafos é para os artistas pimba; toma lá e encaixa, Leonardo. Um dia, quando e se for grande, não quero páginas de fans (bom, também ainda não sou viciado no sucesso, nem ando para ai a espetar Ferraris nas curvas da Excomungada, mas já pensei em registar o meu nome também, não se vá dar o caso de…) no Facebook ou no Hi-Five, que é forma boa e bonita de transformar em amigo, o primeiro gajo que nos aparece pela frente, no melhor amigo de sempre, só para ver se o número aumenta… ele há formas e formas de prostituição, embora reconheça que não fui consultar o dicionário para desfazer as dúvidas etimológicas, e o vicio em “amigos” virtuais é tão intensa e tão… esvaziada de conteúdo, que não, não serei nunca “fan” do Haruki Murakami (se nem da Scarlett Johansson, quanto mais!…)!... familiar, leitor, companheiro de letras, tudo bem, e como um bom e reservado conselheiro anónimo, aqui neste lado do planeta, tão distante quanto poderia estar, mas tão próximo e tão orgulhoso de ser um “amigo” fiel de quem, eventualmente, prefere saber que vieram mais royalties de Portugal, se me permite: meu Caro Murakami, não se esconda atrás das pirosices com carradas de Web Design sem conteúdo, sítios bonitos, mas nem sei se mais inúteis, se mais a mandar para o pretensioso que para o verdadeiramente útil e funcional; esqueça de lá essas coisas sem importância e venha “até aqui à terra” saber não quantas, mas quais são as suas “ovelhas”, independentemente de serem negras ou claras… Eu, tu, eles, não pretendem passar a vida a comprar só ilusões; quem atrás delas se esconde, tarde ou cedo, meu Caro Murakami, terá muito pouco para oferecer, mas isso é outra conversa…

Leonardo B.

Reedição de texto postado no Impressões Digitais em 8 de Fevereiro de 2009

(nota: se quiserem podem tentar em: www.randomhouse.com/features/murakami/site.php, porque aqui o Leonardo, meus amigos, não teve sorte nenhuma...ah e as fotos são reproduções de Google Images para quem pesquisar o Murakami.)

3 comentários:

  1. Um dos meus grandes prazeres: ler Haruki Murakami.

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  2. Que vergonha, nunca li o HM. Não tenho nenhum livro dele. Isso precisa ser corrigido. Senhor bípede, se estiver me lendo, aceito um de presente de Páscoa.

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  3. Hum, estou completamente contigo nesta! Eu também me rendo na leitura do Murakami, tenho o hábito de me babar nas diante dos livros dele por não poder comprar-los a todos e devorá-los...mas cá vou acrescentado-os na prateleira vagarosamente.

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