Era uma vez um sobrado. Um sobrado em Moema. Geminado de um dos lados e com um corredor de metro e meio do outro. Amarelo claro. Duas quadras do Shopping. Fachada discreta, um pequeno jardim e vaga para um carro. Uma pequena placa, perto da porta, denotava ser o local de uso comercial. Um segurança. Um escritório, uma clínica ou outra coisa qualquer. De tanta mulher bonita que entrava e saia, podia ser um estúdio de foto, um casting ou mesmo um ginecologista. Luzia trabalhava lá. Morena clara, bonita, sempre sem maquiagem ou perfume, com os cabelos como que sempre saída do banho. Uma graça. Na esquina um bar. Jorge trabalhava lá. Lavava pratos, servia no balcão. Todo dia, não via a hora da Luzia vir tomar uma média com pão e manteiga (na chapa). Era a melhor hora do dia. Sempre um sorriso, uma palavra amiga. Cabelos cacheados, longos e esvoaçantes balançando ao ritmo do andar. E que corpo! Seios fartos, bundinha arrebitada, cochas torneadas, sandália de salto alto, de ínfimas tiras. Pés bem cuidados, mãos idem, 1,68m bem distribuídos. Às vezes, quando de blusinha curta, podia-se ver um piercing brilhar no umbigo. Tatuagem de dragão no tornozelo, dando a volta discretamente, linda. Um rosto angelical, pequenas e muito bem alocadas sardas. Franjinha. Jorge ficava lá, sem fala. Boquiaberto, atendia os pedidos da moça que sempre agradecia com um sorriso e voz levemente rouca. Um dia, enquanto Luzia tomava sua média e sorria para Jorge, escutaram sirenes e brecadas bruscas. O bar inteiro saiu para a calçada e viu três viaturas de Polícia trancando a rua em frente ao sobrado. Aquele. Num primeiro instante Luzia fez menção de correr mas quedou-se paralisada. Atônita, qual estátua. O segurança já tinha dobrado a esquina, feito raio, e desapareceu na tarde. Juntou gente de todo lado, das casas vizinhas, transeuntes e desocupados. Após um breve intervalo, de alguns minutos, começaram a sair da casa os seus ocupantes, uns caras cobrindo a cara, outros esperneando, meninas de “robe de chambre”, outras de Jeans e camiseta, descabeladas. Uma senhora elegante e de meia idade. Todos algemados. Um a um foram sendo colocados nas viaturas. Homens em uma, mulheres nas outras duas. Sairam em disparada, cantando pneu. Na frente da casa ficou um PM. Luzia continuava feito estátua, mas notou um peso nos ombros. Era o braço do Jorge. Ficaram assim uma eternidade. Sensação agradável, de proteção. Jorge falou: “fica comigo”. Luzia tremeu, sentiu um frio na espinha e os pelos do corpo arrepiados. Os bicos dos seios ficaram duros, molhou-se todinha. Voltaram todos para os seus afazeres com uma nova estória para contar: “você não sabe o que eu vi!”, “Cê não sabe o que aconteceu!”, “Você viu?!” e assim por diante. Luzia e Jorge voltaram para o bar, cada qual para a sua posição, ela sentou e ele atrás do balcão. O dono não saiu do caixa um segundo sequer. “Não caio mais nessa”, disse emendando, “vamos trabalhar minha gente, vamo, vamo, já acabou!” Quando menos esperavam deu cinco horas e o substituto do Jorge chegou. Jorge se trocou e pegou Luzia pela mão, que continuava sentada, catatônica, boquiaberta, as costas curvadas, os olhos no infinito. Foram andando em direção ao ponto de ônibus da avenida Ibirapuera. Passaram pelo sobrado sem olhar, abraçados. Entraram na busanga e Luzia ia conduzida, calada, sem saber para onde. Uma hora depois desceram no Largo Treze. Jorge parou para comprar dois sandubas de churrasco grego, “põe mais cebola”, “obrigado”, “até amanhã”. Outro ônibus com destino a Parelheiros. Chegando lá, rolava um forró no buteco em frente. For all. Jorge espantou o cachorro que insistia em pular. Entraram e fizeram amôôôôr. Coisa rápida, de tesão reprimido. Luzia feito boneca de circo, daquelas de pano. Jorge virava e revirava e ela nada. Nem um gemido. Quase uma masturbação assistida. No dia seguinte foram até a casa da Luzia em Itaquera, e pegaram as coisinhas dela. Arrasta mala, Metrô, arrasta mala, Rodoviária Tietê. Descobriram-se, ambos, filhos de Alagoas. Embarcaram para Maceió. Viagem longa, desconfortável, quase custou as economias de ambos. Lá chegando, sairam atrás de emprego que não tinha. “Por isso fomos até Sumpaulo”, pensou Jorge. Determinados a não voltar atrás, insistiram, dois dias, uma semana, um mês. A grana acabou. Luzia foi para a orla da praia do Francês. Começou a fazer dinheiro farto, em dolar, e Jorge, sempre por perto, providenciava uma segurança discreta e efetiva. Chamou a atenção de outras meninas e logo tinha três para cuidar. Luzia era a festa, a mais bela e com um “know How” do sul, encantava os turistas e começou a chamar a atenção dos políticos locais. Caiu nas graças de um Deputado. Compraram uma casa, de muro alto e cerca elétrica. Contrataram mais meninas, mandaram vir de São Paulo. Jorge passou a chefe dos seguranças e Luzia virou Madame, sócios. Ficaram ricos. Carro do ano, Paris, Cancun, Aruba. Envelheceram felizes ao lado dos filhos e dos netos.
IMAGEM: FLAVIO ROSSI, óleo s/ tela
Quase garantindo que não sobrou infelicidade prá ninguém no caso.
ResponderExcluirFins justificam sim.
gostei. e da imagem também.
ResponderExcluirUm filme!
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