Caiu nas graças do Almeida. Aproveitou bem a oportunidade que a vida lhe deu. Foi chamado para uma entrevista e comportou-se exemplarmente. Acertou tudo, além de solucionar um problema real da empresa. O problema vinha atormentando o Almeida há meses. Requeria uma solução intrincada e nem ele, ou alguém da equipe dele, tinha idéia de como agir. Já tinham tentado tanta coisa, feito tanta reunião, tanta equação, que resolveram expor para os candidatos à vaga de gerente. Pois não é que o Júnior foi lá, e resolveu.
Foram quatro, os candidatos. Um, cópia do outro. Mesmas idades, tamanhos, ternos, cortes de cabelo, cores, cursos superiores. Perfil traçado a dedo. Não faltou nenhum detalhe no Edital. Sim, pois com aquela complexidade toda, o que fora publicado, não podia ser chamado simplesmente de anuncio. Tempo de prova na etapa final do teste de admissão, no cronômetro. Desde as oito da manhã até cinco e meia da tarde havia empate total. Todos iguais. Quando faltava meia hora, três deles levantaram-se e entregaram vagas sugestões, primários conceitos. Junior não, ele ficou na sala com a folha em branco sobre a mesa, que todos viram, não era segredo. Estava olhando pela janela, observando os prédios vizinhos, os pássaros e as nuvens. Vez por outra coçava-se, irrequieto. Faltando um único minuto para o final da disputa apareceu com toda a equação, a demonstração, o “modus operandi” e o resultado, de modo que todos, examinadores e colegas, ficaram boquiabertos. Imediatamente acusado de fraude, foi revistado de cima em baixo, de cabo a rabo, literalmente. Nada. Nenhuma escuta eletrônica, nem outra coisa qualquer. Ficou para o Almeida decidir. Sacou do coldre, com uma rapidez impressionante, não à toa era o Presidente. “Se foi você mesmo que fez isso, é capaz de refazer igual, agora”! Júnior, na pressão insuportável, falhou. Não bastava todo aquele “stress” por que passara, desde a acusação em si até a revista pessoal, ainda tinha de fazer em frente àquelas pessoas iradas, vibrando negativo, vingativas. Todas olhando olhares de tonelada.
Almeida encerrou o assunto declarando que mandaria publicar novo anuncio, na semana seguinte. Não preencheu a vaga. Foram-se todos, cabisbaixos e murmurando, candidatos e diretores, menos o Júnior. Ficou ali sentado, respirando e pensando. Analisando a situação. O Almeida viu aquilo e perguntou: “agora que estamos sós, eu e você, me diga, como você fez para aparecer com aquela solução?”. Entreolharam-se. Viram-se sinceros. Com a maior calma do mundo, Júnior iniciou do começo, ponto por ponto, todos os prós e os contras, de cada movimento a ser feito. O Almeida foi se curvando e lentamente sentou ao seu lado, era todo ouvidos. Ao final, depois de tomar fôlego, o Almeida, mais uma vez, insistiu: “Como?... Meia hora antes de sair da sala não tinha nada no papel. Você há de convir que é inacreditável”. “Mas pode confiar” ouviu como resposta, e mais: “é que para este tipo de coisa não pode ter ninguém olhando”. “Como assim?...” “Para as melhores coisas da vida, certamente não temos testemunhas, não é!?”
Estupefato, Almeida gritou: “Admitido”!
PS: originalmente publicado AQUI
Foto: terráqueo / Estátua do Escritor desconhecido em Budapest
Muito bom. Para as melhores coisas da vida não temos testemunhas, apenas parceiros.
ResponderExcluirGostei muito da foto.
Grande abraço,
Terráqueo
Acredito que a foto é sua, mas não tenho muita certeza... se for confirme.
ResponderExcluirTarde, excelente e inesperado final. Uma situação de sinceridade absoluta.
ResponderExcluirSim, essa foto é minha e fico muito contente que tenhas utilizado.
ResponderExcluirAbraço,
Terráqueo
Muito bom!!!
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