quinta-feira, 22 de abril de 2010

Continuando... (17)



A notícia do casamento de Afonso e Judite caiu que nem um petardo no coração de Jerónimo.

Depois da morte de Cândida, tinha acalentado a secreta esperança que o pai ainda pudesse vir a reconhecê-lo publicamente.
Dedicou-se, fiel e solícito, a fazer todas as suas vontades e foi ele, que tomou a seu cargo a educação do pequeno fedelho, pálido e chorão, que era o meio irmão, o legítimo, o herdeiro, o filho preferido e reconhecido, enquanto que ele, o primogénito, não passava de um bastardo, transformado num capataz de confiança…
Tantos anos depois daquela tarde em que recebeu o telegrama com a notícia, agora já velho e cansado, todo ele estremecia ainda, perante a evocação da “puta judia”, como lhe chamava.
Odiava-a hoje, tanto ou mais do que então, quando ela se tornou senhora daquela casa e de todos os homens que nela moravam.

Perdido a remoer raivas antigas, o velho Jerónimo, esqueceu a chave na fechadura e deixou o saco com a farinha por espalhar, encostado à porta. Ele distraiu-se, mas ela não.
Naquela casa, em que habitavam como dois inimigos em permanente vigia, um só esperava um passo em vão do outro.
Um dia caça, outro dia caçador, era assim desde que ela se lembrava.
Naquela noite, em que o velho baixou a guarda, ela não iria desperdiçar o tiro… e a porta seria aberta.



(continua)

3 comentários:

  1. São tantas possibilidades, mas sinto que nenhuma corresponde ao final dessa hitória... Ansiosa pela continuação!

    Abraços.

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  2. Quando começam as mortes, chega a me dar um arrepio no braço. Que ela não erre o tiro!

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  3. O suspense para o próximo foi de mestre. Vc está revivendo o folhetim, nascedouro de grandes romances.

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