Minha avó tinha uma cristaleira repleta de louças lindas. Passei minha infância e metade da adolescência perguntando a ela quando usaria a louça, e ela sempre me respondia: em alguma ocasião especial. Essa ocasião especial nunca chegou, e minha avó morreu repentinamente. Como única neta, fiz questão de levar o que pude, para ter perto de mim um pouco dela. Algumas louças tinham selinhos ainda. Alguns meses depois de sua morte, resolvi preparar um jantar para algumas amigas. Ao secar um copo de cristal, o quebrei na mão. Uma ponta em lança enterrou-se em meu antebraço, e o restante do copo foi ao chão. Vó, desculpa, quebrei o teu copo - foi o meu primeiro pensamento. O jantar foi cancelado, e meu braço, suturado com nove pontos. As coisas quebram. A dor existe. Mas nem por isso podemos guardá-las para sempre. Nem que a ocasião não seja especial. Especial é o dia de hoje. Amanhã, não sabemos se existirá.
Nunca examinei o porquê de eu ter fascínio por louça. Pratos, xícaras, sopeiras etc. me encantam profundamente. Talvez, sejam símbolos da minha avó, que tinha uma coberta de mesa especial, presente de meu avô, com o nome dela gravado em cada peça. Talvez, tenha a ver com as poucas histórias bonitas vindas do meu pai, como o primeiro pagamento que recebeu quando começou a clinicar: um par de xícaras estimadas por uma velha senhora, e que, hoje, estão aqui na minha cristaleira tão rústica quanto amada. Sei lá. Anyway, gostei muito de ler o seu post. :)
ResponderExcluirAdoro objetos recheados de lembranças, Bípede.
ResponderExcluirleitura gostosa mesmo....sabor de lembrança
ResponderExcluirRenata... Tive a mesma conversa com minha sogra ontem. O marido faleceu em Novembro do ano passado, nunca a deixou usar as loiças ou cristais...Ficavam lindos, a ganhar pó na cristaleira... Um móvel ritualístico da geração dela e um móvel tenebroso para a actual geração por aqui...aquela mobília de carvalho, escuro...que dá um ar fúnebre a toda casa, Se fores ao meu orkut ou Facebook verá... Mas chega de devaneios... No sábado passado, que meu namorido (meio namorado, meio marido) fez aniversário...ela alegremente e finalmente pode usar aquilo que sempre foi dela. Ontem voltamos lá, e ela não encontra um dos copos de cristal, não quebrou, não está em lado nenhum... Não sei mas acho que lá do além meu sogro escondeu o dele rs rs rs rs... O que temos é pra ser usado enquanto estamos vivos. É como aquelas pessoas que passam uma vida a guardar dinheiro e a viver uma vida cheia de restricções, sem se permitir nenhum prazer... eu sempre pergunto a essas pessoas...Olha, por acaso, está a poupar tanto, quando morreres quer que te passe um cheque em seu nome com esse dinheiro todo, para levares? (humor negro, eu sei...uma faceta minha)Beijos
ResponderExcluirPois é... Li o post e os comentários e é como se vocês estivessem falando da minha mãe e do meu falecido pai. Minha mãe, então, ainda conseguiu façanha maior: arrumou uns arames especiais de pendurar prato na parede e pendurou a louça lá, como se quadros fossem... Para o que faltou parede ela arrumou um móvel com chave. Os cristais e as demais peças sequer podem ver a luz... kkkkkkkkkk
ResponderExcluirEu concordo que se deve viver o hoje e bem vivido e aproveitado.
Gostei imenso deste texto, sobretudo do final, cada vez mais acredito nisso e tento viver assim os meus dias, porque o ontem já passou e o amanhã não sabemos se chegará...
ResponderExcluirBj
Gostei muito do texto. Há dois tipos de pessoas: os que sentem prazer em guardar e apreciam sem usar seus tesouros, e os que sentem prazer usando. Entendo ambos e respeito ambos.
ResponderExcluirExistem utilitários objetos...que ganham tanto afeto e atenção...que se transformam em verdadeiras coleções...que são adoradas e perdem sua função...claro...que a minha avó tinha uma cristaleira também...e eu meus primos morríamos de medo de esbarrar nela...corríamos até mais devagar...uma verdadeira tortura...hoje uso as taças diariamente...o suco desce até mais gostoso...depois de pertencer a tão maravilhoso invólucro...
ResponderExcluirbeijos
e continuem usufruindo de seus belos objetos...
Verdade! O presente é a única certeza que temos. O simples fato de estarmos vivas já é uma ocasião mais do que especial. Confesso que já tive essa fase de guardar as coisas para ocasiões especiais. Hoje em dia, aproveito cada momento e faço dele a ocasião especial.
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