segunda-feira, 19 de abril de 2010

Inútil paisagem

Comemorou seus quarenta anos almoçando com os colegas de trabalho, alheio às brincadeiras e às conversas inflamadas, cabeça longe, absorto em lembranças do último encontro com a morena de olhos de jaboticaba.

De volta ao escritório recebeu das mãos da recepcionista o presente que deixaram para ele ("foi uma mulher bonita, senhor, disse a moça. não quis deixar o nome...") Em seu gabinete desfez o elegante embrulho. Era a coletânea de crônicas "O óbvio ululante", de Nélson Rodrigues - autor que ele adorava. Na segunda página, leu a dedicatória feita em letra bem talhada:

"Sabe qual é o óbvio?
É que eu sou sua amiga de e para sempre.
Beijos"

Ali estava tudo.

Fechou o livro, colocou-o em cima da mesa e, através do painel envidraçado do 29º andar, fitou com o olhar perdido a paisagem urbana: inútil e sem significado.

5 comentários:

  1. Boa literatura carioca. Quando a gente pensa que vem a sacanagem ou o amor, entra em cena o estranhamento, o inesperado da inútil paisagem urbana do Rio e de todas as outras especiais cidades, entram em cena o desinteresse e o desacordo com que a gente nunca sonha.
    Muito bom, Storino. Alegra-me muito te ler aqui.

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  2. Este talvez seja o grande paradoxo do homem de meia idade, o choque entre o amor (com ou sem sacanagem) e a amizade.

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  3. Muito bom. Foge do óbvio e surpreende, gostei!
    E estou na cola, te seguindo! rs

    Abraços

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  4. Bípede, Maia, Tânia e Edu,
    Obrigado pelos comentários.

    Bípede,
    Foi um prazer escrever aqui :)

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