sexta-feira, 30 de abril de 2010

Sempre Talvez


Ela não sabe o meu nome. Eu não sei o nome dela. Talvez ela nem tenha notado a minha presença, apesar de todos esses anos. E estamos sob o mesmo teto, na mesma sala imensa, recebendo as mesmas ordens. Enquanto ela fala e explica para os clientes as complexidades das faturas da companhia, eu faço a checagem das ligações. Pois eu tenho esse poder absoluto de escolher quem deve falar com quem. E ela nem sabe disso, não é sua tarefa saber, nem a minha divulgar a todos o que sei. Muitas vezes eu transfiro as ligações mais complicadas para outras atendentes como a R5, J6 ou a B9. Com isso eu a poupo dos infortúnios, das chatices, da aporrinhação. Por que faço isso? Não sei. Até gostaria de saber. Geralmente nos levantamos na mesma hora. Passamos na cantina, tomamos nossa água, café, comemos o nosso lanche e voltamos. Nunca conversamos. Aqui pouco se conversa. Pouco se diz. Pouco se sabe. Não é nossa função. Hoje - quando tudo isso acabar - penso em falar com ela. Tenho vontade de perguntar seu nome, comentar sobre o dia, dizer qualquer coisa. Não sei como ela poderia agir ou reagir. Se vai responder ou não. Eu nunca sei. Ontem não consegui. Hoje talvez eu consiga. Talvez.

9 comentários:

  1. dificil se houver vontande... não acha?
    bela postagem.

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  2. Intermináveis diálogos mudos ou monólogos dialogados - existem aos montes! Bom se falasse com e para ela. Bom também se ela ouvisse, mesmo sem você falar, que quando isso acontece é o máximo do máximo!!! rs

    Abraços

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  3. Fantástico título. "Sempre Talvez". A repetiçao da esperança, a repetiçao do adiamento - que a nega, negando o futuro. Quantas vezes esquecemos isso, nos muitos "talvez amanha" que repetimos, sem termos bem noçao do perigo de se poderem repetir sempre. Gostei imenso.

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  4. Estou com a Tânia: bom seria se ela ouvisse sem você falar.
    Se ela não ouve é porque não tem boa escuta para o tum tum de um outro coração ou então é mesmo uma tonta :)
    De qualquer forma, voltando ao texto, ele é ótimo! Um miniconto doce e amargo como são também os desejos do amor.

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  5. Mais uma ótima captura do ser humano e suas idiossincrasias. Sempre muito bom.

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  6. Obrigado pessoal, escrevi esse texto depois que desliguei o telefone para resolver um problema crônico que tinha com a minha tv por assinatura. Naquele dia, a atendente do call center - surpreendentemente - foi muito gentil e solícita.

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