terça-feira, 20 de abril de 2010

the gift

Waldo Jeffers alcançara seu limite. Era meio de agosto, o que significa que ele estava separado de Marsha por mais de dois meses. Dois meses, e tudo o que ele tinha pra mostrar eram três cartas com orelhas e duas ligações de longa distância extremamente caras.

Verdade, quando ela terminou o colegial e voltou para Wisconsin, e ele pra Locust, Pennsylvania, ela teve que jurar que manteria uma fidelidade incorruptível. Ela marcará encontros ocasionais, mas só por mera distração. Ela permanecerá fiel.

Mas, ultimamente, Waldo começou a se preocupar. Teve problemas para dormir à noite e quando conseguiu, teve sonhos horríveis. Ele fica acordado na cama à noite rodando e virando embaixo de sua colcha-protetora dobrada, lágrimas jorrando em seus olhos conforme ele imaginava Marsha, seu juramento entregue à bebida e ao afago tranqüilizador de algum retardado, finalmente submetendo-se aos carinhos finais de um sexo entorpecedor. Era mais do que a mente humana poderia suportar.

Visões da traição de Marsha assombrando-o. Fantasiando nas horas do dia, o abandono sexual permeando seus pensamentos. Não entenderiam como ela realmente é. Ele, Waldo, entendia isso sozinho. Ele intuitivamente captava cada canto e fenda de sua psique. Ele a fez sorrir. Ela precisava dele, e ele não estava lá (Ahwww...).

A idéia veio-lhe na quinta-feira antes do Desfile de Máscaras ser agendado para acontecer. Ele tinha acabado de aparar a grama dos Edelsons por um dólar e cinqüênta e tinha verificado a caixa postal para ver se havia ao menos uma palavra de Marsha. Não havia nada a não ser uma carta-circular da Companhia de Alumínio Fundido Da América inquirindo a respeito de suas causas. Ao menos importaram-se o bastante para escrever.

Era uma Companhia de Nova York. Pode-se chegar à qualquer lugar por correspondência. Então isso o fez perceber. Ele não tinha dinheiro suficiente para ir a Wisconsin numa roupa aceitável, é verdade, mas porque não enviar-se pelo correio? Seria incrivelmente simples. Se enviaria num embrulho pelo correio, entrega especial.

No dia seguinte Waldo foi ao supermercado para comprar o equipamento necessário. Comprou fita adesiva, uma pistola de grampo e uma caixa-cartão de tamanho médio apropriado para uma pessoa de seu porte. Ele descobriu que com o mínimo de bagagem poderia viajar perfeitamente confortável. Algumas aberturas, um pouco de água, talvez algum aperitivo pra de noite, e seria, provavelmente, tão bom quanto um passeio de turista.

Sexta-feira pela tarde, Waldo estava pronto. Estava perfeitamente empacotado e o carteiro concordou em apanhá-lo às três horas. Ele marcou o pacote como "Frágil" e enquanto ele estava lá dentro sentado enroscado descansando no forro de espuma de borracha, ele tinha tudo bem planejado, tentou visualizar o olhar espantado e feliz no rosto de Marsha quando ela abrise a porta, e visse o pacote, daria gorjeta ao entregador e então abriria e finalmente veria Waldo em pessoa. Ela o beijaria e então talvez eles pudessem assistir um filme. Se ele tivese pensado nisso antes. De repente mãos brutas seguraram seu pacote e ele sentiu ser carregado pra cima. Desembarcou com uma pancada num caminhão e foi.

Marsha Bronson tinha acabado de arrumar o cabelo. O final de semana tinha sido muito difícil. Ela teve que se lembrar pra não beber daquele jeito. Bill tinha sido gentil de qualquer forma. Depois que terminou ele teve que dizer que ainda a respeitava e, depois de tudo, era certamente a maneira natural, e mesmo assim, não, ele não a amava, sentiu uma afeição por ela. E depois, eles eram adultos crescidos. Ah, o que Bill poderia ensinar à Waldo - mas isso parecia muitos anos atrás.

Sheila Klein, sua melhor, melhor amiga, andou através da porta de tela da varanda e foi pra cozinha.
_"Meu Deus, lá fora está incrivelmente sentimental."
_"Sei o que quer dizer, me sinto repulsiva!"
Marsha apertou o cinto em seu robe de algodão com a borda exterior de seda. Sheila ficcionou o dedo sobre alguns grãos de sal na mesa da cozinha, lambeu o dedo e fez uma careta.
_"Creio que eu deveria pegar esses grãos de sal mas," ela enrrugou o nariz, "Eles me dão a sensação de um arremesso pra cima."
Marsha começou a dar tapinhas embaixo do queixo, uma prática que ela viu na televisão.
_"Deus, nem fale nisso."
Ela se levantou da mesa e foi até a pia onde pegou um frasco de vitaminas rosa e azul.
_"Quer um? Era pra ser melhor que bife,"
Então tentou tocar seus joelhos.
_"Acho que eu nunca mais vou tocar num daiquiri outra vez"

Ela levantou e sentou, dessa vez mais próxima da pequena mesa onde estava o telefone.
_"Talvez Bill ligue," ela disse para o olhar que Sheila deu. Sheila mordiscou uma cutícula.
_"Depois da noite passada, eu pensei que talvez você seria sincera com ele."
_"Sei o que quer dizer. Meu Deus, ele parecia um polvo. Mãos por toda parte."
Ela gesticulou, levantando os braços para cima em defesa.
_"A coisa é que, depois de um tempo, você se cansa de lutar com ele, entende, e depois de tudo, eu realmente não fiz nada sexta e sábado, então eu meio que devia isso à ele. Você sabe o que quero dizer.."
Ela começou a se coçar. Sheila estava rindo com a mão tampando a boca.
_"Vou te dizer, eu senti a mesma coisa e mesmo depois de um tempo.."
Aqui ela se curvou num sussuro,
_"Eu queria isso!"
Agora ela estava rindo bem alto.

Foi aí que o Sr. Jameson do Escritório Postal de Clarence Darrow tocou a campainha da ampla casa estruturada em estuque colorido. Quando Marsha Bronson abriu a porta ele a ajudou a carregar o pacote para dentro. Ele tinha esse papel-cupom amarelo e outro verde assinado e saiu com quinze centavos de gorjeta que Marsha havia conseguido na pequena carteira bege de sua mãe que estava num esconderijo.
_"O que você acha que é?" perguntou Sheila.
Marsha ficou de pé com os braços cruzados atrás das costas. Olhou fixamente para o cartão marrom que estava no meio do quarto.
_"Eu não sei."

Dentro do pacote, Waldo virava de exitação em ouvir as vozes abafadas. Sheila arranhou sua unha na fita adesiva que percorreu até o centro da caixa.
_"Porque você não olha o endereço do destinatário e vê de quem é?"
Waldo sentiu seu coração batendo. Ele podia sentir a vibração dos passos. Seria em breve.

Marsha andou em volta da caixa e leu a etiqueta com a tinta borrada.
_"Ah Deus, é de Waldo!"
_"Que babaca!" disse Sheila.
Waldo tremia com a expectativa.
_"Bem, talvez você deva abrir," disse Sheila.
Ambas tentaram erguer a aba do grampo.
_"Ah merda," disse Marsha, grunhindo,
_"Ele deve ter lacrado com pregos."
Elas puxaram o grampo de novo.
_"Meu Deus, precisa de uma broca pra abrir essa coisa!"
Elas puxaram de novo.
_"Não se pode apertar tanto."
As duas continuaram de pé, respirando pesadamente.

_"Porque você não pega uma tesoura?" disse Sheila.
Marsha correu pra cozinha, mas tudo o que conseguiu encontar foi uma pequena tesoura de costura. Então se lembrou que seu pai mantinha uma coleção de ferramentas no porão. Ela correu escada abaixo, e quando voltou carregava um enorme cortador com lâmina de metal na mão.
_"Isso foi o melhor que eu consegui encontrar."
Estava bastante ofegante.
_"Aqui, você corta. Eu vou morrer"
Ela afundou num grande sofá macio e expirou ruidosamente. Sheila tentou fazer uma brecha entre a fita adesiva e a extremidade do grampo do cartão, mas a lâmina era muito grande e não havia espaço suficiente no quarto.
_"Deus amaldiçoou essa coisa!" ela disse sentindo-de bastante irritada.
Depois sorrindo:
_"Tive uma idéia."
_"O que?" disse Marsha.
_"Apenas olhe," disse Sheila, tocando seu dedo em sua cabeça.

Dentro do pacote, Waldo estava tão transtornado com a excitação que mal conseguia respirar. Sua pele pinicava com o calor, e ele podia sentir seu coração batendo na garganta. Seria em breve. Sheila manteve-se completamente reta e deu a volta até o outro lado do pacote. Então dobrou os joelhos para baixo, agarrou o cortador por ambos os punhos, respirou profundamente, e mergulhou a longa lâmina através do meio do pacote, através da fita adesiva, através do cartão, através do forro e (thud!) bem no meio da cabeça de Waldo Jeffers, que rompeu rapidamente causando pequenos arcos harmoniosos em vermelho a pulsar gentilmente no sol da manhã.

Compositores: Lou Reed e John Cale

3 comentários:

  1. Raquel, no começo, eu estava rindo porque estava muito engraçada a história de se embrulhar para presente e se autodespachar pelo correio. Agora, estou rindo de nervosa com essa cabeça cortada ao meio feito uma laranja. Que conto incrível! Maduro, cômico, trágico, afetivo, frio, tudo ao mesmo tempo!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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