Ajustes

Era um lindo vestido de cores primaveris. Experimentou e achou perfeito, as cores eram tão bonitas! Só de o vestir sentia-se logo mais alegre, mais confiante. Precisava apenas de um ajuste, aqui e ali. Nada de mais, leva o vestido, contente por saber que carrega no saco uma explosão de primavera que lhe solta o sorriso e lhe devolve cor à vida. Leva-o à costureira e, cercada de espelhos no provador, diz-lhe: “É perfeito, não é? Só precisa de um pequeno toque aqui de lado. Veja: é só alargar um bocadinho mesmo. Isso. Está óptimo! Mas agora acho que está comprido. Dá para subir mais um pouco? Ah, não. Curto de mais! Assim está muito melhor. Mas... e aqui? Não parece demasiado largo? Pois, é melhor apertar. Engraçado, agora vendo bem atrás, não parece favorecer-me. O que podemos fazer aí?”

Os espelhos à sua volta foram revelando cada vez mais os defeitos que via em si e pelos quais culpava o vestido. No fim, de ajuste em ajuste, transformou o vestido perfeito em algo onde só via as falhas, e onde mal se reconhecia o original. Já nem as cores a consolavam. O vestido nunca saiu do armário.

(Inspirado pelo nome deste blog, onde me estreio com esta pequena divagação metafórica, quase uma pequena alegoria. Gosto tanto de "figuras de estilo" – na gramática...)