Do que nos fica nas mãos...

Quando chega este tempo vens-me. Cheiras-me. Cheiras ao cheiro que te inventei, porque na verdade, numa me foste dado a cheirar. Inventei-te das palavras e colhi-te num princípio de um Verão. Quando chega este tempo vens até mim num cheiro a rio e a grilos. A esperança teve durante meses esse odor. Um dia, lembras-te? Disse-te que me cheiravas ao creme das mãos. E eu esfregava-as pela cara, como um bálsamo, uma pomada para curar as dores da alma. Enchi-me com o que quis e do que quis, vazia de olhos e repleta de quereres. Depois, depois não chegaste a vir. Não chegaste a trazer cheiro. Veio o Inverno. Depois veio a Primavera e eu à força a espalhar o creme pelas mãos e a tapar o rosto com elas. Num final de Outono, não disseste que ias embora, mas foste. Soube-te ido. Soube-te para onde. Meti as mãos aos bolsos e fechei a boca. Dias depois, lavei-as e continuei calada. Fiquei até hoje. Mesmo nos dias, em que me entra na vida, tão cobarde e ardiloso. Mesmo assim, permaneço calada.
Só me chegas assim, lá pelo meio das noites, quando o corpo adivinha a chegada do Verão e as mãos, traidoras e sorrateiras se enterram no nariz, plenas de rio e de grilos.