Dona Aurora estava exultante. Após meses de economia finalmente iria a Porto Alegre comprar a pintura a “Cigana e o Sheike”, exposta no Grande Hotel. Ficaria perfeita na sua casa.
Talvez o quadro fosse um pouco ousado para a pequena cidade dos anos 40, mas era lindo. A cigana com um batom vermelho, lenço na cabeça e um seio de fora, enquanto segurava um cigarro na mão, era agarrada por trás pelo vigoroso Sheik árabe. Que erotismo, que imaginação. Sem falar na perfeição do céu que se avistava ao fundo, do mais puro azul celeste.
As suas colegas do grupo escolar provavelmente não entendessem, mas sem dúvida ela era vanguarda e, seguramente, uma mecenas que sabia reconhecer uma grande obra de arte. Seu marido, talvez reclamasse, mas ela sabia como convencê-lo. Além do mais, o quadro ficaria soberbo junto à sala de estar, cujos móveis comprados na capital, eram em estilo colonial e com os acentos em veludo vermelho.
Sua cunhada que estava aprendendo pintura, também o achara uma maravilha, tanto que antes mesmo da compra, já o havia pedido emprestado para que pudesse realizar uma cópia.
Sim, o quadro ficaria magnífico em sua casa. Adoraria exibi-lo. Decidiu que tão logo retornasse faria um chá para suas colegas, onde discretamente mostraria a obra de arte.
Já na capital, colocou seu melhor vestido, par de luvas e chapéu, e rumou à galeria de arte. Tentou pechinchar, argumentando que era cliente antiga. Que já havia lhe comprado uma “Santa Ceia”, mas o marchand foi irredutível. Tratava-se de uma obra prima, feita em pequena quantidade e vendida somente para quem pudesse de fato valorizar o talento do artista. Nossa amante das artes não conseguiu resistir aos encantos da cigana, comprando a tão sonhada pintura sem pestanejar.
De volta a cidade, convidou sua colegas mais íntimas para o café da tarde no Sábado.
Colocou sua melhor toalha, bordada toda em ponto cruz, sua melhor louça, e pôs-se a fazer um delicioso bolo. Como se não bastasse, ofereceria rosquinhas, queijos, geléias, e deliciosos pãezinhos. O evento seria um sucesso.
Como a casa deveria estar impecável, pediu a Siá Maria, contratada apenas para grandes ocasiões, que viesse cedo lustrar o assoalho, limpar os vidros, tirar o pó dos móveis e lavar a calçada.
Siá Maria, pessoa de poucas luzes, ao deparar com a cigana ficou boquiaberta olhando fixamente para o quadro. Dona Aurora percebeu, ficando realizada pela reação da criada. Imagine o efeito que faria em suas colegas. Valera a pena.
Muito curiosa, Siá Maria perguntou:
- É gente sua?
Atônita nossa personagem respondeu:
- Não isso é uma obra de arte. Um nú artístico. A pintura de uma Cigana e um Sheike árabe.
- Ah...! Logo vi. Tão pelados!
Porto Alegre, 07 de outubro de 1998.
Por que será que para muita gente tudo o que a arte retrata tem de ser a mais pura realidade?
ResponderExcluir