domingo, 23 de maio de 2010

Não sei se só gostamos muito um do outro...

Conhecemo-nos há 5 anos e lembro-me da roupa que trazias e do lugar onde me sentei, mas não sei se só gosto muito de ti. Lembro-me do filme que vimos dias depois quando, por convite teu, nos sentamos numa sala escura de cinema, mas não sei se, já nessa altura, gostavas só muito de mim.
Lembro-me que tinhas uma história de amor mal resolvida e eu, uma, mais uma, que não sabia se iria começar. Andávamos aos beijinhos pelo sofá, mas não sei se só gostávamos muito um do outro.
Nesse ano, em que nos conhecemos, jantaste em nossa casa (minha e dos amigos comuns que tanto amamos) sempre pelo menos duas vezes por semana e rimos e bebemos e dançamos e cantamos. Não sei se só gostávamos muito uns dos outros.
Sempre me deste a parte do bolo mais doce e me serviste o café primeiro, mas não sei se só por gostares muito de mim.
Sempre me levaste ao comboio, sempre me foste buscar ao autocarro e sempre te passei para as mãos a chave de casa e do carro, talvez porque gosto muito de ti.
Fomos juntos aos santos Populares. Durante três anos fizemos juntos as compras de Natal. Abrimos a época balnear. Viajamos juntos para festivais de música. Acampamos. Porque, talvez, gostemos muito um do outro.
Chorei-te nos braços sempre que tive medo e fizeste-me leite com mel quando estive doente, porque, acho, só gostas muito de mim. Conheço todos os teus amigos. Conheces todos os meus amigos. Nunca te falei dos amores que entretanto foram passando. Nunca me contaste das mulheres com quem foste dormindo, porque, se calhar gostamos só muito um do outro e isso, a mim, dá-me uma comichão esquisita pelo corpo.
Ajudaste-me quando mudei de casa e de cidade. Aconselhei-te formas de melhorares no emprego. Mandei-te postais das férias que não partilhamos. Vivemos hoje, a 500km de distância e telefonamo-nos pelo menos duas vezes por semana. Conto-te os meus dias por net e chamas-me bimba quando me queres pedir alguma coisa. Sabes que gosto de lamber o prato no final de comer gelado e ris tanto com essa falta de educação. Acho mesmo que gostas muito de mim.
Os estranhos julgam-nos casal e passamos o último dia dos namorados a ver filmes melosos na televisão. Nessa noite voltamos a dormir juntos na mesma cama e como acho que só gostamos muito um do outro, não dissemos palavra. Abraçamo-nos durante a noite e de manha tivemos dificuldade em olharmos um para o outro. Estranho, porque gostamos mesmo muito um do outro.
Sei-te organizado e sabes-me chorona. Sei-te metódico e sabes-me desenrascada. Irrito-me tanto, às vezes contigo e tu acusas-me de ser a senhora da razão. Ás vezes amuamos ás horas, mas fazes-me sempre rir e confio tanto em ti, quase, como em mim.
Nunca me dizes que estou bonita, mas quando me finjo menina, dizes-me: “sabes mesmo que sim”.
Acho que só gostamos mesmo um do outro.
Que vamos sempre gostar muito um do outro.
Que quando um de nós se perder de amores por outro, vamos ficar muito felizes…mas…
Acho que só gostamos mesmo muito um do outro, mas um dia deveríamos falar um bocadinho sobre isso. Penso eu.

2 comentários:

  1. Simone, que belo e profundo texto. Como escreveu o Leonardo B. em um poema, está carregado de uma extensa caligrafria de silêncios. Gosto muito muito do seu estilo.

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  2. Que lindo, Simone... Esses sentimentos misturados às coisas cotidianas, adoro isso!

    Abraço pra ti.

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