segunda-feira, 24 de maio de 2010

Inseparáveis

A separação das pessoas é inevitável, mesmo que sigam cohabitando sob o mesmo teto por toda a vida. Por mais que se amem, em pouco tempo estarão vivendo com seres completamente diferentes, que tomarão o lugar dos antigos amantes sem qualquer pudor. Os corpos também serão outros e o desejo simplesmente dirá adeus. Ficar junto tornar-se-á um exercício, um esforço contínuo e inútil, e o cansaço final virá. As vezes, no entanto, o destino acorda romântico e tenta reunir esses seres tão diferentes, contrariando a teoria sarcástica e deprimente acima. Fernanda foi um dos seres abençoados com essa sorte. Era uma menina bonitinha, com voz delicada, estilo “mignon”, pele de pêssego, uma boca grande e carnuda. No seu primeiro dia de aula na faculdade de medicina conheceu Branca. A empatia entre as duas foi imediata. Passaram a estudar juntas e em pouco tempo confidenciavam tudo uma a outra. Estavam sempre coladas, falando baixinho, olho no olho, tratando-se com extremo carinho. Era mesmo impressionante, pareciam gêmeas siamesas. As duas desenvolveram os mesmos gostos, passaram a falar da mesma forma, vestir-se no mesmo estilo, e até a comer as mesmas comidas, em uma simbiose perfeita. Não havia aspecto algum da vida das moçoilas que não fosse compartilhado. Transformaram-se em amigas inseparáveis, quase em uma única pessoa dividida entre os dois corpos. Embora Fernanda fosse noiva, o “zum zum + zum” na faculdade era imenso. Algumas pessoas as achavam nojentas, outras as achavam chiques e modernas, e outras apenas diziam que as pessoas que faziam tais comentários eram muito más e frustradas, que como não conheciam o real valor da amizade, viam sexo e maldade em tudo. Bernardo, o noivo, era um rapaz formal e educado, e já estava concluindo a residência em cirúrgia geral. Embora não fosse bonito ou charmoso, era boa praça, sendo sem dúvida um bom partido. Tolerante, não se importava com a presença de Branca até mesmo quando iam jantar fora, dançar ou assistir um filme em casa ou no cinema. Não notava nada de estranho na relação das duas, até incentivava. Depois de dois anos, Fernanda foi surpreendida. Bernardo a procurou e lhe disse a queima roupa que a situação era insustentável, que não mais a amava, que havia se apaixonado por Branca. Fernanda não acreditou no que estava ouvindo. Sabia que sua amiga jamais teria interesse nele, pois mais de uma vez tecera críticas bem contundentes sobre Bernando. Ainda sob estado de choque, Fernanda procurou Branca para contar a loucura que havia ouvido. Foi quando Branca lhe disse que sentia muito, mas que iria se casar com Bernardo, que entre elas não havia mais nada a falar, que a relação das duas era finita e que, por favor, se afastasse. Havia quem dissesse que Fernanda sofreu mais ainda pela perda da amiga do que pelo noivo. Sua família ficou muito preocupada. A tristeza da moça era visível. Por dois anos chorou todos os dias, não conseguiu escutar uma música romântica sem desabar em frangalhos. Seu terapeuta não sabia mais o que fazer. Mas Fernanda era forte. Começou a refazer sua vida. Formou-se, foi aprovada na residência, e em pouco tempo passou a trabalhar integralmente no hospital em um cargo administrativo. Arrumou um outro noivo, também educado e gentil. Substituiu sua melhor amiga por outra, que pelo tipo físico e personalidade forte também era alvo de rumores. Refez enfim sua vida, e tudo foi muito bem para ela. Tipo final feliz mesmo, com um bom marido, uma nova melhor amiga, viagens para a Europa e um bebê lindo e saudável. Um certo dia lhe apresentaram no hospital o novo chefe do departamento de cirúrgias com quem ela deveria repartir a sala e trabalhar diariamente. Era o Bernardo que colocou sua esposa também a operar no mesmo hospital, e como na canção Gilbertiana foram todos para a lagoa ensaiar o tico-tico no fubá “qüém, qüém, qüém, qüém...”.

2 comentários:

  1. Só quero ver quando começarem a frigir os ovos!

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  2. Inseparável é uma palavra sem significado no mundo moderno. Poucas pessoas ainda acreditam em união. No primeiro, ou no segundo, problema, já debandam cada um para o seu lado.

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