domingo, 30 de maio de 2010

Luis Dill, Lâmina cega


Pressão imaginária

Ele tem uma ducha adorável. Esquenta de verdade, mesmo com grande volume de água. A de Beatriz faz o banho parecer uma sessão de tortura. Lembro de ter mencionado o fato uma única vez e a resposta foi seca, objetiva, lógica.Água fria faz bem para a circulação, guri. Não percebi nenhuma melhora em minha circulação sanguínea tomando banhos mornos no inverno.

Ele tem tipos diferentes de xampu. Coisas como neutro, anticaspa, três em um, algas, condicionador,creme não sei do quê. Não entendo tanta variedade, não para um sujeito com tão poucos cabelos. Também não entendo minha burrice. Como consegui ser idiota a ponto de aceitar o convite do cara? Como é que não percebi logo qual era a jogada? Vontade de falar? Mesmo a um anônimo? Homossexualismo? Talvez eu seja homossexual e não saiba. Deixa eu ver o teu, Carlos. Pra quê? O teu é menor que o meu, aposto. (...)

(...) Olho pela janela. A cidade parece incrivelmente bonita e distante de mim. Estou no oitavo andar de um prédio, as mãos sujas de sangue, bebendo Pepsi sem medo de que algum vizinho bisbilhoteiro esteja me olhando.

Sou invencível.

O telefone toca. Experimento um breve susto. É rápido. Facilmente controlável. Num impulso que quase me faz rir, atendo.

–Alô?- a voz de um homem.

_ Sim?

_ O Júlio está?

Olho para o homem estrangulado. Atirado, nu, morto. Chega a ser divertido.

_ Está.

_ Gostaria de falar com ele.

_ Ele não pode atender agora.

_ e não

- e não

_ Como não?

_ Bom, ele simplesmente não tem condições de atender no momento

_Mas-

_ Quer deixar recado?

_Quem está no aparelho?

_ Carlos.

_ Carlos do quê?

_Carlos Alberto.

_Pois diz pro Júlio que é importante. Aqui quem fala é o Dirnei. E ele sabe muito em quem é.

_Aposto que sabe, sim.

_ Então. Agora me bota ele na linha, por obséquio.

_ Já disse. Ele não pode atender.

Estos son algunos trechos del cuarto capítulo de Lâmina cega, una atrapante novela de Luis Dill, editada por Walmor Santos. Los comparto porque el autor, que es sobradamente conocido, merece seguir siéndolo. A veces hay tal sobreabundancia de experimentación narrativa, que miramos, con renovado amor, a Dickens, a Balzac, a Tolstoy, a Castelo Branco. Luis Dill comparte con ellos un requisito que el lector común agradece: que nos cuenten una historia.

¿Será mucho pedir?

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