quarta-feira, 5 de maio de 2010

Continuando… (19)


De pé, ao fundo da escadaria imponente, mal iluminado pelo candelabro que Jerónimo segurava, a mirá-lo com aquele misto repugnante de temor e adoração, o General parecia imenso, invencível, todo-poderoso.
Era o Adamastor encarnado, era a fábula tornada em sangue e carne e ossos…
Parecia mais jovem. Não, não era isso… antes parecia não ter idade.
Envolto no negro capote de viagem, da farta cabeleira branca emanava um estranho brilho fantasmagórico, como uma coroa de luz no meio da escuridão da entrada, realçada pelos reflexos dourados da chama tremeluzente das velas.

De pé, ao cimo da escadaria imponente, mal iluminada pelo luar escasso que entrava pela janela, ela parecia tão frágil e delicada.
Na nudez transparente da camisa de noite era uma aparição, um fantasma ressuscitado, tornado em sangue e carne e ossos…

Separados por mais de trinta degraus, miraram-se lentamente como dois velhos inimigos antes da liça. Os olhos negros dela mergulhados no azul intenso dos olhos dele. Silêncio. Um silêncio pesado, num combate mudo do qual ela saiu derrotada.
Foi derrotada porque no fundo era ainda a menina que buscava aprovação, a mesma que toda a vida viveu entre perguntas e segredos.
Quando as lágrimas que tentava segurar lhe saltaram pelos olhos, gordas, quentes, salgadas, desceu as escadas a correr e abraçou-o.
O General tremeu ligeiramente e, por instantes, ela percebeu que ele era apenas um velho frágil.
Por instantes só, porque ele não a abraçou de volta e, ao fim de mais de meio ano ausente, tudo o que teve para lhe oferecer foi uma voz seca e mais fria que a madrugada.

“Tenha compostura. Sabe perfeitamente que não gosto dessas manifestações.”

Na penumbra, o velho Jerónimo, sorriu satisfeito e sentiu-se vingado.





(continua )

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