domingo, 9 de maio de 2010

Beijos gentis à todas as mães e pessoas que acolhem...amam e se dedicam...


"A mãe é sempre boa? Todas as mães são boas?

Estas perguntas devem pautar o existir de todo o ser humano nascido de uma mãe… pois ainda não vimos alguém nascer de um útero artificial.

Sabemos que uma mãe não é sempre boa, pois se assim for, estará incorrendo na tentação do amor perfeito ou do mito do amor materno. Ser bom e ser mau, é condição humana, assim como é condição de todo ser vivo. Assim como o sol é bom quando em uma manhã de verão podemos fazer um delicioso lazer na praia; o mesmo sol poderá ser mau, na medida que queima e castiga plantações em períodos longos de seca. Por que não, a mãe ser boa e ser má?

Porém, a mãe boa, dentro de uma perspectiva de estabilidade do vínculo materno/filial, é aquela que consegue estabelecer critérios de um permanente estado de vínculo com o filho em relação à manutenção do afeto. É o que Winnicott, psicanalista inglês na qual pauto meu trabalho em ludoterapia, estabelece como “mãe suficientemente boa”, em que proporciona o encontro do vínculo afetivo pelas necessidades fisiológicas desde a amamentação até os processos de seperação, gerando confiança na criança que o peito que está sendo oferecido pela mãe é um gesto de querer, do desejo de nutrir. Também, já nas fases de independência do crescimento infantil, a motivação da mãe para ver o filho andar, e se desapegar na conquista do mundo, é uma motivação movida pela vontade de ver o filho crescer. É o processo de desapego para que o bebê passe à criança versátil e autônoma. Assim, quando uma criança consegue sentir que aquela mãe que o nutre e que posteriormente o estimula provida de um profundo amor, levará a criança a não temer a sua própria solidão.

A “mãe suficientemente boa” cria condições de separação gradual, oferecendo elementos de suporte ao filho em processo de crescimento. Outro elemento forte na teoria e Winnicott, é o “objeto transicional” utilizado pela criança como um mecanismo utilizado no processo de separação, em que nomeia um objeto externo ao vínculo, para aos poucos reparar as perdas na separação com a mãe. Consideramos “objeto transicional”: chupeta; fraudinha; bichos de estimação, etc., que são colocados no mundo da criança, de forma sábia, para que a mesma vá elaborando os lutos da separação. “Luto” ou “melancolia” são conceitos muito bem traçados pela psicanalista Melanie Klein, a qual também utilizamos em nosso processo estruturante para a terapia infantil.

Para o leitor visualizar melhor o que estou elaborando como mãe boa, trago uma cena muito comum para as mães em processo de amamentação do filho: - o recém nascido, absorto em seu sono profundo, cujas principais atividades é mamar e dormir, aos berros, acorda pedindo peito (leite). A “mãe suficientemente boa”, ao despertar-se com os berros do bebê, imediatamente prepara seus seios, higieniza-os para oferecer ao filho ganancioso pelo alimento, sugando desesperadamente os seios. Nos primeiros meses, para o bebê, os seios é como se fosse parte do corpo dele, onde mãe e filho se fundem como se fosse um, estabelecendo uma relação de plena simbiose materno/filial. Após ser gratificada, a criança ainda no peito, volta a dormir para uma nova empreitada quando a fome lhe bater. A mãe, por sua vez, aguarda o próximo turno nutricional, plenamente satisfeita pelo papel de nutrir e ver seu filho crescer saudável e sereno.

Entre perdas de sonos, trabalhos domésticos ou profissionais, cotidiano corrido, etc.; a mãe suficientemente boa assume seu papel, não se estressa e ao contrário, fica feliz por vivenciar esta fase magnífica de pleno vínculo de amor.

Com o passar dos meses, a criança já descobre que aqueles seios pertencem a outra pessoa – sua mãe –. Inicia a fase onde além de buscar alimento, brinca com os seios da mãe. Morde-os, finge que está mamando mas só está brincando – sorri –, a mãe boa observa, intui e entende este movimento e no processo de separação, beija, abraça, fala, canta e sorri ao filho. Na sua sabedoria materna (pois isto é vivido quase que intuitamente), oferece como elemento de suporte de separação, bico, fraudas, bichinhos, etc. De forma afetiva e complementar leva a criança a ir se apegando a brinquedos para superar a ausência do peito, do não afeto. Promove em seu filho a potencialização para o brincar – nasce aqui a grande capacidade criativa – onde a criança precisa elaborar o seu mundo por ela mesma. O filho, ao observar e constatar a seguridade de afeto e proteção da mãe suficientemente boa, vai se entregar aos seus brinquedos sabendo que dentre em breve terá a presença afetiva e vitalizante da mãe. Assim estará protegido dos sintomas de angustias e ansiedades prevalecidas pela ausência real da mãe, pois nomeará nos brinquedos, seu campo de proteção. Como Winnicott bem esboçou: mãe – objeto transicional – filho. A mãe suficientemente boa torna-se a primeira e principal agente promotora da linguagem infantil – o brincar-.

Voltando à segunda pergunta inicial do texto – todas as mães são boas? Não, pois muitas não conseguem se estabelecer na condição materna, porque ao gerarem um filho, ainda estão na posição de espera pelo colo perdido delas mesmas, dificultando a maior vocação do exercício materno que é ser fonte de vida e amor – um amar sem distinção -, sem necessidade de ser retribuída, um amor gratuito.

A conquista pelo perfil de mãe boa é um aprendizado que se polariza entre altos e baixos, bom e ruim, vida e morte. A mãe ao entender a polaridade do sentimento humano, saberá se superar e polarizar-se no amor quando perceber-se no ódio ou no desejo de fugir de sua vocação materna. Este exercício é nos dias de hoje, ainda mais exigente, pois a sociedade de consumo preconiza a idéia do dar para receber, e a mãe boa na sua essência, só recebe se primeiro der."

Gerson Abarca

É psicólogo. Especialista em Psicologia Clínica onde atua com ludoterapia. É Diretor do Instituto Pensamento.

3 comentários:

  1. Leca!

    Obrigada por trazeres este texto hoje. Mesmo antes de ser mãe, não conseguia entender o porquê dessa visão tendenciosa que as pessoas têm de dizer que "mães sabem", que o "amor de mãe é perfeito", que "mãe não erra". Nada disso. Somos seres humanos nos encontrando nessa nova condição, aprendendo todos os dias a sermos mães e pais, durante toda a vida. Um processo contínuo. Crescem os filhos e os pais.
    Espero que eu sempre consiga ser uma mãe "suficientemente boa". Porque o mais importante para mim é ensinar minha filha que a vida real não é um conto de fadas, e que quanto mais tentarmos fazer com que ela seja, mais infelizes seremos.

    Pronto. Falei demais!

    Um abraço para todas as mães.

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  2. Sem dúvida alguma, ninguém nasce sabendo ser mãe. A maternidade é um aprendizado movido a afeto, mas ainda assim um aprendizado.

    Bípede Falante

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  3. Leca,
    Desculpe-me, mas acho que me vou alongar. Nao concordo com metade do texto e assino por baixo da outra metade. Nao entendo nada de psicologia mas sou mae de um menino de 4 anos, que amo incondicionavelmente, por quem vivi quase em exclusivo desde antes de nascer e até aos seus 2 anos e meio. Sei que fiz já erros com ele, e certamente farei outros, porque sou humana e nao sou omnisciente. Sei que fiz e farei erros comigo própria de que ele sofre as consequências, mas também sei que o meu ser nao se esgota na condiçao de ser mae e, por vezes, tenho de me escolher a mim primeiro. Tenho as minhas dúvida sobre se serei uma mae “suficientemente boa” à luz das definiçoes de autores como os citados e isso, confesso, incomoda-me, porque faço o melhor que sei, o melhor que posso. Faço o possível para que o meu filho nao duvide do meu amor por ele, faço o possível para que seja feliz e capaz de crescer saudável e equilibrado, aprendendo a lidar com as separaçoes e contrariedades da vida. E nao é o facto de me ter faltado a mim um colo assim que impede ou diminui a minha capacidade de o amar. Muito pelo contrário. Tal como nao é o facto de nao o ter podido amamentar que impediu que estabelecesse um vínculo emocional e afectivo com ele que é muito forte. Que dirá Winnicott de uma mae que, depois de uma gravidez de risco sofrida e de um parto complicado que acabou numa cesariana de urgência, nao teve nunca leite suficiente para amamentar? Uma mae que, ao terceiro dia de vida do seu filho, muito debilitada, desesperava para convencer as enfermeiras que o seu filho berrava non-stop porque tinha fome? E elas a insistir que nao era possível, até uma enfermeira mais velha ter resolvido fazer o teste com um copinho de fórmula a que ele se agarrou literalmente sugando desajeitada e sofregamente o leite. Durante o primeiro mês, essa mae tirava o leite que tinha com bomba para ver de quanto precisava de suplemento. De 2 em 2 horas, a rotina nao era a tranquilidade mencionada no texto. Era uma correria com o bebé a chorar o tempo todo, a tentar tirar o máximo possível de leite e sofrer o sentimento de nao ser uma mae “suficiente boa” porque nunca chegava o que tinha, a dar um bieron, e depois o outro, assentar tudo no papel, e depois mudar a fralda e adormecê-lo, e depois tratar dos biberons e da bomba, e depois pensar que descansava meia hora apenas para ter de consolar e massajar mais uma cólica do bebé. E depois era hora de começar tudo de novo. Essa mae, certamente que nao “aguarda o próximo turno nutricional, plenamente satisfeita pelo papel de nutrir e ver seu filho crescer saudável e sereno.” E essa mae, que depois do 1º mês pesava já menos do que antes de engravidar, passa os 2 anos e tal seguintes sem dormir uma única noite seguida, sempre na cabeceira de um filho quase permanentemente doente. E vai trabalhar todos os dias, e volta para as tarefas domésticas, e ainda tem de dar mimo e brincar. E fá-lo, sem questionar, nao conseguiria mesmo ser de outra forma. Mas isso deixa-a, de facto, stressada, fá-la muitas vezes sentir a tristeza de nao poder poder ser “feliz por vivenciar esta fase magnífica de pleno vínculo de amor”. E, pelos vistos, pelo menos aos olhos de autores como o citado, esse sacrifício feito sem pedir nada em troca, nao faz dela uma mae “suficientemente boa”.
    Ser mae é uma descoberta, é um caminho, e nem sempre de felicidade e tranquilidade. Eu nao acredito no “instinto de mae” no sentido de que sabemos sempre o que fazer. Eu acredito que o instinto de mae apenas nos faz acordar ao primeiro gemido, e estar incondicional na cabeceira de um filho doente, saber que tem fome ou que está doente, mas nem sempre nos diz o que fazer. Isso aprende-se, muitas vezes a duras penas, com stress e angústia, cansaço e muitas dúvidas. Ser boa mae, para mim, é ir à procura das respostas, tentar fazer o melhor que se sabe e se pode. E é tanto fazer um filho feliz, como ser feliz para ele.

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