domingo, 9 de maio de 2010

O ELEVADOR DE DEUS ( cap. II )

- Meu caro Jeremias, o Patrão mandou-me aqui para te receber, e por Sua ordem, estou ao teu inteiro dispor. A única coisa que tens de fazer é ser tu próprio, por um tempo indeterminado, até que Ele decida parar.
Afinal, o velho não é tão mau como isso. Estes testes começam bem. Aqui estou no meu ambiente e vou dar tudo por tudo. Também, esta gaja tem um cabedal espectacular, e a minha fama em Luanda já não precisa de publicidade. Aqui vou marcar pontos.
- Muito bem meu anjo, a primeira coisa que tens de fazer, é dar-me de comer, que o teu patrão esqueceu-se disso. Depois, logo conversaremos melhor, mas vais ver que vamos passar uns dias porreiros. E já agora diz-me o teu nome, uma vez que por obra do demónio, sabes o meu sem que eu te tenha dito nada.
- Bem, isto não é própriamente obra do demónio (rápidamente vais-te aperceber disso), e eu chamo-me Silvia de Deus.

Com enorme surpresa, depois de um bom banho, deparou-se com um almoço tipicamente tradicional, uma muamba fumegante e de aspecto delicioso, liberalmente temperada com gindungo.
Comeu e bebeu até se fartar, que a fome era muita, e depois como é hábito após estas duras batalhas, o sono venceu-o e recostou-se no sofá e adormeceu. Acordou, já noite dentro, despido, deitado numa cama com lençóis de cetim negro, e viu deitada a seu lado Silvia completamente nua, que o fitava com um sorriso que interpretou como sendo de desejo contido. Pela segunda vez, reparou na perfeição do seu corpo e recordou-se de tudo o que lhe tinha acontecido.
Bom, está na hora de mostrar ao velho com quem se meteu. Aqui vai ser só somar pontos. Há-de ir informar os gajos do partido que eu não sou uma pessoa qualquer. Vão descobrir com quem se meteram.
- Silvia, meu amor, lembro-me que a primeira coisa que disseste, foi que estavas ao meu dispor. O que é que isso quer dizer de facto?
- Estou ao teu dispor para o que quiseres. O Velho assim mandou, e com Ele não se discute.
È esquisito, que o partido queira saber, como é que me porto em termos sexuais. Do meu ponto de vista, não tem muita relevância em termos políticos. Além do mais, é ponto assente entre todos os meus amigos, que estas gajas de ocasião são para usar e deitar fora. Vá-se lá saber os meandros com que o partido se cose. Seja como for, vou aplicar-me. Não me custa nada, dá-me prazer, e pelo aspecto dela vão ser dias inesquecíveis, para mais tarde recordar.
- Tu és uma mulher muito bonita, e aqui deitada ao meu lado, incendeias-me o espírito e o corpo. Vem para junto de mim. Vamos dar um passeio pelas estrelas e ver de que matéria é feito o universo.
Que corpo incrivel, mal sabe o que a espera. Além do mais esta conversa resulta sempre. Ver o universo, dá uma dimensão que excita logo as fulanas mesmo antes dos preliminares. Além disso sei o Kama-Sutra de cor, e ainda lhe acrescentei alguns melhoramentos. Nunca mais se vai esquecer desta noite. Tenho que reconhecer que esta mulher é uma máquina e está em grande forma. Já folheamos o livro quase todo, e ela mantem-se fresca e com um ar muito feliz. Também não é para me gabar, mas tenho créditos absolutamente inquestionáveis nesta área. De qualquer modo são já cinco da manhã, e o resto do livro pode esperar. Propositadamente deixei para o fim as posições mais simples. Assim tive oportunidade de mostrar todas as minhas capacidades. Além do mais, ela não vai refilar. Já viu de que cepa eu sou feito, e pela expressão está totalmente saciada. E o sacana do velho, não vai ter como pôr defeito.

Adormeceu serenamente, com o sentimento de ter cumprido para além do dever. Sonhou com toda a sua vida, com o velho, com o partido, com a Sílvia e sempre com uma voz de fundo, que lhe dizia, que se calhar o seu comportamento tinha defeitos que era preciso eliminar. O crescimento entre o seu povo e a missão tinham feito dele uma boa pessoa, com bons princípios, mas a guerra e o período posterior, já no partido, tinham feito dele o que era hoje. Vale a pena dizer, que embora houvesse algo que lhe parecia errado, ele não tinha consciência disso.
Às dez horas acordou, e naquele espaço entre o sonho e o despertar, sentiu ao seu lado o corpo morno da sua parceira da noite passada.
Faço-lhe uma festa que ela fica toda contente. Mas que diabo, ela agora tem barba?!!!
- Velho, pensas que eu sou algum paneleiro, para estar enfiado na cama contigo? O que é feito da Silvia?
- Cala-te preto ordinário. Não te esqueças nunca que estás em fase de testes, e que quem manda sou Eu.
- Tens que reconhecer, que tive um bom desempenho.
- Bom desempenho? Chegas aqui, comes, levas a mulher para a cama, contas-lhe a história do universo, como se tu soubesses realmente tudo o que o universo contém, estás toda a noite a fazer inacreditáveis exercicios de ginástica e ainda achas que é um bom desempenho? Onde está o amor metido nisso? No meio de duas cambalhotas e de um mortal encarpado e para tentares satisfazer os teus apetites, ainda tiveste tempo para dizer à Silvia, que sexo oral não provoca cárie, tens de reconhecer que é uma imbecilidade digna de ti.
Ainda por cima, utilizas técnicas que Eu não subscrevo. O Kama-Sutra, não é Meu. Foi inventado por um gajo, que dizem que é Meu sócio.
Aqui, a pontuação é negativa. A Silvia não gostou nem um pouco, e Tive de lhe pedir desculpa, pela tua pouca vergonha. Baza para o elevador, meu cabrão e se Me continuas a chatear, mando-te para baixo em queda livre. Com o nome que tens, é provável que mesmo assim consigas sobreviver à queda.

Um comentário:

  1. Este dedo de deus aperta sempre os botões errados, pouco importa a queda livre de quem nele vive preso. Gostei muito do conto, tem rico subtexto, ironiza o sonho e, alguns sonhos merecem mesmo ser repensados.

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