domingo, 28 de fevereiro de 2010

Continuando... (12)


Encostado à grande mesa da cozinha, o velho Jerónimo ficou a pensar no que estaria ela a conspirar para sair assim, quase todas as manhãs, tão cedo, sempre sozinha, a fazer questão de ser ela, e não um dos rapazes da estrebaria, a aparelhar o cavalo.
A sorte do demónio  - benzeu-se - é que naquele dia tinha coisas mais importantes para resolver.
Tinha a certeza que tinha sido ela a subir lá acima durante a madrugada.
A farinha varrida não deixava dúvidas, mas como não tinha nem uma única pegada não podia acusá-la.
E bastava uma, uma apenas, e aquela maldita criatura não poderia negar, ninguém tinha uma marca como a dela... O importante era que a porta permanecia bem trancada e, no que dependesse dele, continuaria assim até ao fim dos tempos.
Não deixava de ser curioso, reflectiu, como entre eles nunca se gerara nenhuma relação de empatia, não havia um laço de amizade, um toque de calor ou um minímo reconhecimento de afecto.
Toleravam-se, enquanto mediam forças, num combate surdo, mas nem por isso menos duro.
Ele já lá estava há muito tempo quando ela chegou. Mais uma, para lhe roubar o que era seu por direito.
Sim, porque era ele e nenhum dos outros quem devia ocupar o lugar.
Era ele o único que sempre fora fiel. Era ele o único em quem o General podia confiar.
Quando foi viver na mansão já sabia quem era, mas foi-lhe dito que nunca poderia aspirar a mais.
A ambição foi-lhe cortada no berço.
E, no entanto, a única coisa que toda a vida perseguiu foi um gesto de reconhecimento.
Era isso que continuava a movê-lo e era por isso que ela, que chegara tantos anos depois, se erguia como uma ameaça, uma afronta, um erro.
Disso não tinha o velho Jerónimo dúvidas, aquela mulher, que ele vira crescer, era a sua maior inimiga, uma sombra, uma ameaça, uma afronta...
Odiava-a.
Detestava-a na sua arrogância de fêmea, naquele modo independente e altivo, tão parecida com a mãe…Desprezava a herança que ela, sem saber, carregava.
Mas, em segredo, como um gato que se lambe, comprazia-se com as respostas que tinha.
As mesmas respostas pelas quais ela seria capaz de morrer… ou matar.



(continua)

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