segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Do Poema em Desordem



Cruzo as mãos
Sobre as montanhas
Um rio esvai-se
Ao fogo do gesto
Que inflamo

In, Promessa de Uma Noite, Mia Couto


Para a Ana C. Quevedo




Em bom rigor, não me peçam
Para inventar mais uma árvore!
- Sabendo até, que na mão
Pode acontecer um rascunho
De vida, qualquer coisa de viva cor em tela,
Prefiro inventar uma estrela,
Um ou dois rios, uma pedra, ou quem sabe,
Apenas mais uma rosa de todo o mundo,
Uma montanha, só!

Em bom rigor, é inútil a invenção,
Da milonga, da mirácula poesia,
De súbito pela raiz, arrancada,
Até desistir da terra, da silhueta
Que haverá na minha mão…
Reiventar o mundo ou uma palavra?
Assim como assim, talvez, mas
- Árvores, não! Esta Oliveira,
Aquela Tamareira de Damasco
Que foi sombra de Omeya, é sombra em mim,
Dá-me fruto em luz, sombra em giz.
Árvore é meu santo em senha, a minha raiz,
Meu caule e seiva, quase mineral
Cedro de Amarelo, Cipreste animal,
Ébano de Brasil, das mil cores do Anis.
Árvore é meu Limão, Meio-irmão Limoeiro,
É Magnólia Palavra Macieira,
É a minha única ramada da terra inteira.
É inútil inventar, em bom rigor
A árvore derradeira!

Pode acontecer um rascunho,
Um afluente de fogo e fumo,
Ribeiro agreste em estrela adormecida.
Pode acontecer uma mão até, que se cruza
De letra em letra, de cinza em luz,
Um fogo sem história, no incêndio do fim
Do mundo.
Pode tudo acontecer de novo, mas não
Peçam da palavra, da árvore mais invenção!
- Esta escuridão não é suficiente, nem renovo
Novo poema da criação, me seduz.

Não me impeçam! Invento qualquer coisa,
Mas uma árvore não!


Leonardo B., in a Barca dos Amantes

imagem: reprodução de Snakes and Earth, do livro Night Life of Trees
[foram das primeiras palavras que encontrei. na blogosfera. e dizem-me cada vez mais. obrigada Leonardo]

4 comentários:

  1. Maravilhoso.
    Lindo mesmo. Marta, você é uma grande garimpeira.
    Marie

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  2. [este humilde bem que procura no dicionário, mais palavras auxiliares ao simples "agradecido", mas esgotadas que vão ficando, fico cada vez remetido ao "obrigado" por todo o afecto]

    um dez cem meus abraços, Marta

    Leonardo B.

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  3. Gostei tanto da imagem inventar um rascunho. Viver é rascunhar mesmo. A obra nunca está completa, nem mesmo quando chega a morte.

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  4. Agradecida fico eu, por ser objeto de tão belas imagens poéticas!
    Leonardo, voce é um amor de pessoa!

    =)

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