sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Continuando...(11)


– Mas por que não desistes dessa porta? Porque insistes em saber o que ela guarda. Talvez não passe de uma sala vazia…


O tom suave com que ele disse aquilo só serviu para a irritar. Levantou-se e começou a vestir-se.

– Nunca vais entender, pois não? Ambos sabemos que aquela porta esconde um segredo e esse segredo pode dizer-me quem sou.
Não agora, em que todos naquela casa me julgam tão louca como o General e têm tanto medo de mim que, quando me pressentem chegar calam-se imediatamente.
Mas antes, quando eu era criança, e as criadas palravam à minha frente como se eu não fosse mais que um móvel ou um vaso, ouvi coisas que não era suposto saber.
Nunca estranhaste que não houvesse sequer um retrato naquela casa? Todos os quadros são de paisagens ou animais, não há um único retrato de família.
Não há uma única fotografia. E que raio, o Benoliel, frequentava aquela casa, o fotógrafo mais famoso do país nunca tirou uma fotografia a ninguém ali? Nem uma?
E espelhos? Não te parece bizarro que numa mansão daquele tamanho não exista um único espelho?
Sabes quando vi um espelho pela primeira vez? Foi quando tinha dez ou onze anos e a minha preceptora alemã me levou à aldeia.
Fiquei como um selvagem, muda de espanto a olhar para o meu reflexo…
Quando regressámos a casa ela foi despedida, entre os gritos dele e o choro dela, não teve sequer autorização para me dizer adeus.
E tu vens dizer-me para desistir?
Eu preciso de saber e, nem que morra a tentar, vou descobrir.

Não era a primeira vez que tinham  aquela discussão. De pé, sobre a manta onde se tinham amado, ele tentou abraçá-la, numa tentativa vã de a serenar.

– Tens uma vida que a maioria das pessoas nem sequer imagina. Vives num palácio, rodeada de todos os luxos, tiveste uma educação a que só os príncipes podem aspirar. Quantas mulheres julgas tu que têm acesso a uma biblioteca como a tua, onde nenhum saber te é vedado? Imaginas as filhas do presidente a lerem Voltaire ou Sade?

Riu, na esperança que ela percebesse a piada, mas ela não lhe devolveu o riso.

– Mas não sei quem sou. Tudo isso é verdade mas não passa de uma prisão, porque ele nunca me deixou sair daqui. Nunca vais entender, pois não? Eu vivo prisioneira, nunca gaiola de ouro, mas prisioneira…

Devagar soltou-se do abraço do amante, gelada, rígida, como se já não estivesse ali.
Debruçou-se para apanhar as luvas e saiu sem olhar para ele.
Nú, ele correu até à porta do barracão e disse-lhe:

– Amo-te!

Mas ela já não o ouviu, ou preferiu não ouvir.


(continua)

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