domingo, 21 de fevereiro de 2010

Líquido

Perguntaram-me há dias se eu me metia na água nas praias aqui do Norte. Disse que não, claro que não, há anos que não. Meu Deus, que gelo, que martírio para os ossos, que desuso, que Inverno no corpo. Não, claro que não, Meu Deus que não. Agora, o corpo clama por águas mornas, menos vigorosas. Um caldo de azul transparente e à falta do mesmo, então a pontinha dos meus pés, mergulhados do Centro para baixo, em direcção a um Sul, que tem ainda assim (queixei-me) águas cada vez mais frias. Depois parei. Lembrei-me. Tive saudades. Tantas. Tive quase pena de mim, dos meus ossos e da minha alma, que gela por dentro, dentro de águas mais mornas que o corpo. Tive saudades. Dez anos de vida, onze, nove, doze, oito, treze, sete. Depois, não mais. Não menos. As águas geladas de uma praia chamada Árvore. Um areal que não terminava, como os dias que não terminavam, como as ferias que não terminavam. Tudo, num tempo que não tinha fim e que já se findou. Uma barraca azul num areal. Nortada às vezes até às duas da tarde. Um frio. A mãe, sentada no areal, recusando-se a abandonar a praia. Tínhamos feito uns 30 Km para ali estarmos e aguentaríamos. Agora, rimos desse tempo, tão insensata, diz ela. O pai de mão dada comigo pelo areal sem fim. Da nossa praia, até à outra praia, tão longe, havia ainda dunas e cactos que se camuflavam na areia. O pai avisava, mas deixava. Era herói o pai nesses tempos. Herói e forte e sábio e eterno. A água do mar era gelada, já se sabe e ainda assim, abeirávamo-nos, molhávamos primeiro os pés. Uma gritaria infernal. A água a chegar às coxas…um gelo a subir pela barriga, lábio roxos de frio…ás vezes, um sol bom, a arder pelos ombros e ainda assim, tanto frio, tanto medo, tanta vida, tanto riso, tanto de tanto e tudo e tudo. Não me apetece ir ao esse tempo outra vez, pelo menos, não hoje, que me lembrei de pintar os olhos e o rímel ainda está bom e ainda dará jeito para um café ao fim do dia. Depois, temos ainda tanto tempo, estamos todos vivos… (como se prende o tempo que foge?)
Não me apetece ir a esse tempo, porque sei que os que cá estão hoje, não estão já lá. Não irão lá. Porquê? Oh meu deus, porque a água é tão fria. Só por isso, ninguém me tira da cabeça que não é por isso. Só pode ser isso. Estamos mais sensatos e aquele frio todo faz mal, aquela esperança toda… aquela alegria toda (que saudade, meu Deus, tanta)… aquele frio, dizia. Culpa do frio.
Agora só praias de azul claro, menos vigorosas…e ainda assim, se um dia carregar um filho nos braços, será na praia da Árvore que mergulhará até os olhos rasarem de frio, de água, de amor. É o único lugar do Mundo, onde os pais serão pais até à eternidade que nesse tempo, dura simplesmente até ao entardecer das horas e basta para que tudo seja perfeito.

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