terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

CENA 3, TAKE 4

Vicente já fazia teatro, como se diz, mas nunca tinha tido a oportunidade de participar de um filme. Esta era primeira vez.
Foi selecionado entre centenas de candidatos, sabe-se lá por que critério. De qualquer maneira um filme de baixo orçamento e feito por gente séria. Bom para qualquer curriculum. Ou seja, filma-se pouco e aproveita-se ao máximo na montagem.
Conseguiram uma casa de shows para fazer a locação da cena em que o Vicente ia participar. Podiam ficar com o local um dia inteiro mais uma madrugada. Entre todos chegarem, se arrumarem, montarem equipamentos, conferirem as marcações e os textos e, ao final, desmontarem a parafernália toda, sobrou pouco tempo para as filmagens em si. Todos os extras, uns sentados outros em pé ou circulando, imitando a vida em um bar. Quando chegou a vez do Vicente, a câmera fez um plano geral e depois fechou no Vicente que subiu na mesa e declamou: “Sacra! Louca! Vaca! Louca, Vaca sacra! Louca sacra, Vaca! Sacra vaca louca!” Neste instante levou um tiro na testa e caiu para trás, ficando de costas sobre a mesa, com a cabeça pendurada para fora. É claro que o tiro será posterior e digitalmente inserido. Acreditem, ficou muito bom. A partir daí, o papel do Vicente era ficar ali, imóvel, morto. Deram um close nele, estava ótimo, com os olhos ebugalhados e cara de espanto. O diretor adorou. O que ninguém viu foi o que o Vicente precisou ficar olhando enquanto não terminavam a cena. Pois é, lá no mezanino, tinha a garota que manipulava o microfone de som ambiente. Aquela coisa, com uma vareta incrívelmente comprida e um microfone com espuma na ponta. O detalhe é que a moça estava de microsaia e sua calcinha fio-dental resolveu se enrolar toda e invadir algumas dobrinhas. Se via quase tudo, pelo menos do ponto de vista do Vicente e o que ele não conseguiu ver, tratou de imaginar. Nem precisou de muito esforço. Posso garantir que os olhos dele deram até zoom.
Acontece que este tipo de coisa, além de não passar batido, costuma ter conseqüências. Não fica impune. Pronto, lá estava o Vicente, o morto, tendo uma ereção. Até hoje não se sabe se foi sorte ou azar, mas o fato é que ninguém viu. Montaram o filme, fizeram lançamento, distribuição e o diabo a quatro, inclusive um pequeno coquetel para a imprensa. Nem os críticos, que só falaram mal, perceberam. Mas, sempre tem um desocupado que vê. Depois que a ereção foi notada pela primeira vez, a notícia se espalhou e o filme se transformou na maior bilheteria do ano.


IMAGEM: MUSEU DO NEON

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