sábado, 27 de fevereiro de 2010

CRIMES -UM QUASE CORDEL

A noite ia alta, como os boêmios gostam, com lua plena e bebida a vontade. Festa grande, de gente bonita à beira de uma piscina decorada com dispositivos flutuantes e velas. Com a temperatura agradável, os vestidos estavam mais para aquela canção de Jorge Drexler em que se afirma que o vestidito violeta cabe todo dentro de uma noz. Muitos exibiam suas tatuagens em camisas abertas e o som ambiente, saído de caixas camufladas pelo jardim, era de um lounge agradável e dançante. Garçons impecáveis não deixavam faltar nada, quando um grito assustador chamou a atenção de todos. É claro que o grito foi agudo, oriundo de voz feminina, como não pode deixar de ser nestas ocasiões. Todos se voltaram na direção do mesmo e ninguém reparou na sombra que pulava o muro nos fundos do jardim. Casa grande, em condomínio fechado, de ruas sem iluminação, que propiciava a situação que se vai desenrolando. Qual? A do crime perfeito? Nem pensar, pois estes ou não existem ou deles ninguém sabe, o que pode não ser a mesma coisa, mas é. Seria a do crime insolúvel, ou será melhor ficarmos com aquele sem perdão? Decidiremos depois. Grupos de curiosos se formaram instantaneamente, alguns deles se movendo em bloco, de forma compacta, como a se protegerem de um mal maior. Pararam a música e logo apareceu o dono da casa, convenientemente instalado no último degrau do espaço externo contiguo à sala de estar, para pedir calma a todos e sugerir a continuidade daquele, antes alegre e descontraído, convescote. Credo, que palavra mais demodê, aff. Certo é que, ninguém estava disposto a dar continuidade à festa enquanto não se esclarecesse o ocorrido. Nestas horas, sempre, alguém chama as autoridades. Nem teria sido necessário, posto que se encontrava no local a mais fina flor do universo jurídico daquela comarca. Juízes, promotores e delegados, de ambos os sexos, comemoravam o aniversário de uma das filhas do proprietário daquela mansão. Aliás, universitária e ativista de causas sociais. Mas o que aconteceu? Cadê o corpo? Que corpo? Como assim? Não tem corpo? Foi atentado violento ao pudor, então? Atentado violento? Pode ser... É, não deixa de ser uma forma adequada de se colocar a coisa. Mas querida, o que te levou a gritar daquele jeito assustador? É que a Milena disse para a Maria trazer a pazinha... O quê?? Como assim? Repita exatamente o que ela disse! Não posso! Não pode? Não! Milena, venha já aqui! É uma ordem! Quê? Repita o que você disse para a Maria. Nada de mais, pai... eu disse apenas: “Maria... traz a pazinha para mim cortar o bolo...” Enquanto isso, o gato que havia pulado o muro, já estava de volta, trazendo na boca uma das carpas do vizinho.

Um comentário:

  1. Grandessíssimo Figura.
    Teus textos SÃO.
    Adoro seu jeito de perverter o mistério, subverter o humor e brincar com as idéias da língua escrita.
    Muito bom.
    Marie

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