TER OU NÃO TER NAMORADO, EIS A QUESTÃO
Quem não tem namorado é alguém que tirou férias não remuneradas de si mesmo. Namorado é a mais difícil das conquistas. Difícil porque namorado de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, saliva, nuvem, quindim, brisa ou filosofia.
Paquera, gabiru, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão, é fácil. Mas namorado mesmo é muito difícil.
Namorado não precisa ser o mais bonito, mas ser aquele a quem se quer proteger e quando se chega ao lado dele a gente treme, sua frio e quase desmaia pedindo proteção. A proteção dele não precisa ser parruda, decidida ou bandoleira: basta um olhar de compreensão ou mesmo de aflição.
Quem não tem namorado não é quem não tem um amor: é quem não sabe o gosto de namorar. Se você tem três pretendentes, dois paqueras, um envolvimento e dois amantes, mesmo assim pode não ter nenhum namorado.
Não tem namorado quem não sabe o gosto da chuva, cinema, sessão das duas, medo do pai, sanduíche de padaria ou drible no trabalho. Não tem namorado quem transa sem carinho, quem se acaricia sem vontade de virar sorvete ou lagartixa e quem ama sem alegria. Não tem namorado quem faz pactos de amor apenas com a infelicidade. Namorar é fazer pactos com a felicidade ainda que rápida, escondida, fugida ou impossível de durar.
Não tem namorado quem não gosta de dormir agarrado, fazer sesta abraçado, fazer compra junto. Não tem namorado quem não gosta de falar do próprio amor, nem de ficar horas e horas olhando o mistério do outro dentro dos olhos dele, abobalhados de alegria pela lucidez do amor.
Não tem namorado quem não descobre a criança própria e a do amado e sai com ela pra parques, fliperamas, beiras d’água, show do Milton Nascimento, bosques aveludados, ruas de sonhos ou musical da Metro.
Não tem namorado quem não tem música secreta com ele; quem não dedica livros, quem não recorta artigos; quem não se chateia com o fato do seu bem ser paquerado. Não tem namorado quem ama sem gostar; quem gosta sem curtir; quem curte sem se aprofundar. Não tem namorado quem nunca sentiu o gosto de ser lembrado de repente no fim-de-semana, na madrugada ou meio-dia de sol em plena praia cheia de rivais. Não tem namorado quem ama sem se dedicar, quem namora sem brincar, quem vive cheio de obrigações. Não tem namorado quem confunde solidão com ficar sozinho e
Se você não tem namorado é porque não descobriu que o amor é alegre e você vive pesando duzentos quilos de grilos e medos. Ponha a saia mais leve, aquela de chita e passeie de mãos dadas com o ar. Enfeite-se com margaridas e ternuras e escove a alma com leves fricções de esperança. De alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de si mesmo e descubra o próprio jardim. Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para quem passe debaixo de sua janela.
Ponha intenções de quermesses em seus olhos e beba o licor dos contos de fada. Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse uma névoa de borboletas, cada qual trazendo uma pérola flutuante a dizer frases sutis e palavras de galanteria. Se você não tem namorado é porque não enlouqueceu aquele pouquinho necessário a fazer a vida parar e de repente parecer que faz sentido.
ENLOU-CRESÇA.
Artur da Távola.
Se for assim, acho que tive apenas um namorado entre os tantos que namorei.
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