domingo, 27 de junho de 2010

Lição de Vida.

O pai de Eduardo era um moralista. Embora despejasse os piores palavrões quando estivesse com raiva (geralmente contra a própria família), não falava jamais em sexo com os filhos. Criticava tudo e a todos. Para ele tudo era pecado, vulgar e nojento. Bonito e viril, jamais demonstrou em público qualquer libido pela mulher. Tinha muita vergonha das duas irmãs serem separadas, e no que Eduardo percebeu isso começou a massacrá-lo. Dizia-lhe que elas não tinham culpa. Isso era uma maldição da família, já que sua mãe e sua avó também haviam sido abandonadas pelos maridos. Deveriam ter contratado um bom pai de santo para quebrar a feitiçaria. Agora era tarde para reclamar. Mas ele também era um ser prático e determinado. Suas convicções e prioridades mudavam conforme suas necessidades. Cumpria com seus objetivos a qualquer preço. Para ele as férias eram sagradas. Todos os anos esperava ansiosamente o momento em que mudassem da casa da cidade para o apartamento praiano. Ele contava os dias para isso. A mãe de Eduardo era oposto. Não criticava ninguém, compreendia as diferenças e, embora de poucas amizades, mas boas, gostava de apreciar e de conviver com pessoas pouco ortodoxas. Tinha uma simpatia imensa pelas prostitutas, um carinho pelas mães solteiras, e de vez em quando recolhia famílias da rua e as levava para almoçar em casa. Na cozinha, panelões imensos eram aquecidos no fogão a lenha para os meninos que compareciam todos os dias para o almoço. Por outro lado, era extremamente comodista. Fora criada com todo o conforto possível e contava com um séquito de colaboradoras que trabalharam para ela até se aposentarem. Houve época em que eram 4 ou 5. A casa era grande e os filhos precisavam estar bem atendidos. Mas o verão estava chegando, e não conseguia ninguém para levar para a praia por dois meses. Suas fiéis escudeiras eram casadas e tinham filhos. O desespero foi batendo nos dois. Mais nele, porque sabia que a mulher, sem pelo menos duas serviçais, não daria um passo para fora de casa. Ele mesmo tratou de providenciar. Como era médico, perguntou a uma paciente do INPS se ela estava empregada. Ela disse que não, que era ótima cozinheira e que sua irmã lavava e passava muito bem. Ainda por cima ela tinha nome de santa, chamava-se “Benta”, e a xereca estava perfeita. Ele não titubeou. Mesmo sem conhecê-la direito ou checar referências contratou imediatamente seus serviços. Naquela época Eduardo tinha apenas 12 anos e ansiava por conhecer os fatos da vida. Saber os pormenores mais vulgares. Ele só pensava naquilo, mas ninguém tinha a decência de lhe explicar. Ao chegarem na praia, verificou-se que era verdade o informado pela Benta. Os anjos a enviaram, pelo menos para Eduardo. Elas cozinhavam divinamente e tinham uma disposição impressionante. Após o jantar, as irmãs limpavam tudo rapidamente e sumiam, deixando a família com total privacidade. Perfeito. Como nunca foi bobo, Eduardo começou a reparar que elas se arrumavam muito e que chegavam tarde. Um dia ouviu uma perguntando para a outra quanto havia ganhado na noite anterior. Ficou atento, passou a vigiar os passos e a ouvir as conversas. Elas gostavam do Eduardo, pediram segredo e abriram o jogo. Estavam faturando alto, muito mais do que como domésticas. Faziam de dois a três programas por noite. A mais novinha cobrava 100, a mais velha 80. Melhor do que isso. Tinham senso empresarial. Haviam colocado inclusive a empregada do desembargador para trabalhar com elas, e a terceira irmã em breve chegaria para se unir às santas do “São Bento”, por coincidência, nome do respeitável edifício. Foram extremamente generosas com ele. Lhe explicaram tudo o que faziam, e o valor diferente de cada ato. Beijavam inclusive, não tinham medo de se apaixonar por seus clientes. Salientaram o quanto uma língua faz por um relacionamento, e lhe descreveram como um homem deveria usar a sua se quisesse de verdade dar prazer à mulher. Lição essa que Eduardo guardou como uma das mais valiosas. Não demorou muito a vizinhança estava comentando, e o fato chegou aos ouvidos do Dr. Eduardo ficou com pena delas, sua mãe ficou apreensiva, pois gostava das mocinhas, e o bom Dr. com um problemão. O que fazer? Na sua casa duas rameiras a conviver com sua família. E o que é pior, uma das mocinhas era menor de idade. Isso era demais para seus rígidos princípios morais. Inadmissível. Uma mera conversa não resolveria. Ainda faltava um mês para terminar o verão e eles não poderiam ficar sem elas. Encontrou então a solução mágica. Deu-lhes uma palestra sobre moral, saúde sexual (era especialista nessa área), e recomendou-lhes o centro espírita mais próximo. Após dois ou três passes, elas poderiam ficar. Tudo estaria resolvido e, para que tivesse certeza que na sua casa imperava o respeito, fez questão de não tocar mais no assunto. Isso foi fofoca da vizinhança, inveja das outras patroas que não tinham serviçais tão prestativas e uma família tão bem constituída quanto a dele.

4 comentários:

  1. pois é, moral inflexível ao repreender os outros costuma exigir uma boa dose de cegeueira diante do próprio espelho.

    gostei do texto.

    um abraço

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  2. Muito obrigado. Nada mais flexível do que a moral.

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  3. Esse tipo de pai não costuma ser fácil.

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  4. Esse tipo de pai sofre tanto. A vida ensina que o que é importante é ser ético.

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