quinta-feira, 22 de julho de 2010

PERO VAZ DE CAMINHA

Regularmente compro livros num alfarrabista, mais precisamente na Livraria Fumaça, propriedade do senhor Fumaça.
Sempre que recebo uma das preciosidades que encomendei, assaltam-me vários tipos de sensação. Em primeiro lugar, vem o aspecto de amarelo velho das páginas, depois aquele cheiro levemente a mofo, que só as relíquias têm.
De seguida vem a perplexidade, por imaginar que há gente, que se desfaz de coisas tão intimas como os livros, por vezes de bibliotecas inteiras.
Antecipo o gozo que me vai dar, mandar encaderná-lo cuidadosamente, num encadernador amigo. Depois finalmente retorna às minhas mãos, com o aspecto que irá ter na minha prateleira.
Leio-o com todo o cuidado e depois arrumo-o. Um ritual antigo, que me dá uma enorme alegria.

Hoje chegou-me às mãos um exemplar da carta de Pêro Vaz de Caminha
Começa assim:

E assim seguimos nosso caminho, por este mar, de longo, até que terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram vinte e um dias de Abril, estando da dita ilha obra de 660 ou 670 léguas, segundo os pilotos diziam, topámos alguns sinais de terra, os quais eram muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chama botelho, assim como outras a que dão o nome de rabo de asno.
E, quarta-feira seguinte, pela manhã, topámos aves a que chamam fura-buchos.
Neste dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! Primeiramente de um grande monte, mui alto e redondo; e doutras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos; ao monte alto o capitão pôs nome – o MONTE PASCOAL e à terra – a TERRA DE VERA CRUZ.

GED



2 comentários:

  1. Acho que nem que eu tivesse mil vidas, conseguiria descobrir o que era estar na pele e na cabeça desses homens que se lançavam ao mar e ao céu à espera de um grito de terra à vista. E que, loucamente, dentro de uma aventura tão exigente e cruel, paravam para escrever a luz de velas e em qualquer local.

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  2. Que bom que tens A CARTA. Eu consegui, muitos anos atrás uma edição da Universidade de São Paulo em que em uma página está um Fac-simile e na outra algo mais legível (rsrs.

    Bípede: olha, realmente, ir de encontro ao desconhecido, como aqueles homens foram... creio que nem astronauta o faz. Não, não, nem astronauta.
    Para aqueles há que se tirar o chapéu e creio que todas as homenagens já feitas são poucas.

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