sábado, 24 de julho de 2010

Foi ao segundo copo de vinho. Tinto, aveludado, forte. “Já fui casado, a minha mulher morreu, sabias?”. Luzes. O brilho das unhas vermelhas pelos copos. Risos de mulheres. Sim, eu sabia, mas não lhe disse. Cravei os olhos nos dele. Parece ser o homem mais feliz daquela escola. O homem que mais me sorriu num ano de trabalho comum. “Em cinco anos, morreu o meu pai, tive um cancro e a minha mulher morreu.” Risos de homens, calor de um Verão que se cumpre. Jantar de final de ano. Não sabia de tanto, só sabia dela. “Quando vimos a carta para o médico e a lemos juntos, ela disse-me: sabes que isto vai ser uma guerra. Vamos ganhá-la”. Ele venceu. Um ano mais tarde ela sucumbiu. Madalena. Vi Deus, juro que vi, a sair da sala deles nesse dia. Um vulto a voltar-lhes as costas. Ficaram sozinhos e lutaram com todas as armas, as dos homens e as do coração. Só um pode vencer. Foi ele. “Tenho saudades dela, sabes que lhe havia prometido que não morreríamos sem irmos juntos a Paris. Fomos um mês antes dela saber que estava doente, morreu cinco meses depois, às vezes parece que é….”. Ia dizer Deus, mas não conseguiu. O terceiro copo de vinho. Os meus olhos, eram uma tempestade de água e sal. Tanto calor. Os olhos dele, um Pacífico. Como se consegue? O que vai lá dentro? O que vai lá dentro? Decotes e pernas longas a passarem por nós. A Madalena. Que saudades da Madalena. Tantas vezes repetido. Os meus olhos, barcos sem vela, inundados. O sorriso dele. O afago pelo meu braço nu. “Agora já consigo falar dela assim.”. O meu anuir.
Saímos mais tarde para dançar, uma noite num Verão que se cumpre para quem Deus, deixa cá estar. Madalena. 23 de um Julho cheio de estrelas no céu. Madalena.

Um comentário:

  1. Simone...
    As taças de vinho tinto...abriram o coração...
    e a saudade...se mostrou...a cada gole...
    mais presente...
    Beijos
    Leca

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