sábado, 17 de julho de 2010

A EXONERAÇÃO DO PÁSSARO

Pássaro, pássaro
nunca mais te farei
voar
como metáfora;

nem te abrirei
os braços
do poema
como galhos
para pousares
em canto,

pois no meu poema
só há desencanto
que o silêncio
vai comprimindo.

Eu te espanto
de todos os meus
poemas,
                                                           pássaro!

Não te abrirei ali
janelas
com parapeitos
feitos de sol:

as aberturas do meu poema
voltam-se para a noite
arredia
e desenluarada.
A incidência do teu vôo
nesses céus
não seria contrastada.

Pássaro,
vai-te daqui
com todas as outras
                                                              asas!
E as de anjos,
de borboletas,
libélulas,
de cavalos alados.
Vai-te com todos os insetos
preclaros,
com todo o zunido do dia!

Vai pássaro,
eu te solto
                                                               ao largo
do poema,
essa gaiola sem vagas,
esse jardim de antúrios
frios.

Eu te demito
das tuas obrigações poéticas
por saber, enfim,
que a liberdade
também é bruta carga
para as tuas frágeis asas,
e não és Atlas itinerante!

Pois tu, pássaro,
assim como o poeta,
te encarceras nos limites do dia
que, mesmo aéreo,
não é senão
                         pouso
                                          forçado.


















Miró - Personagem Atirando uma Pedra em um Pássaro


Poema publicado originalmente AQUI

6 comentários:

  1. Que poema maravilhoso, lindo, é esse? Ganhei o dia!

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  2. Tenho tentado espantar os meus, mas eles sempre voltam... Lindíssimo, Marco.

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  3. Ganhei a noite. Ao som de Unicornio Azul...

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  4. Marcantonio, tão triste, tão triste, tão triste...

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  5. Aeronauta, Nydia, Dalva, muito obrigado!

    Bípede, fiquei impressionado com a sua reação ao poema. Talvez nem eu tenha ciência da tristeza que passei através dele.

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