terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Continuando...(8)



Dormiu mal, muito mal. Levantou-se ainda o sol não tinha rasgado por completo o véu da noite.
Vestiu o fato de montar e desceu até às cozinhas onde deu de caras com o velho.
– Acordou cedo. Não dormiu bem?
Velhaco, pensou, estás a atirar-me corda, mas não julgues que me apanhas assim.
– Dormi maravilhosamente. O sono dos justos, sabe o que é? Vou montar. E não, não é necessário chamar ninguém, eu aparelho o meu cavalo.
Voltou-lhe costas e saiu para o ar fresco da manhã sem lhe ter dado tempo de resposta.
Adorava o cheiro dos cavalos e do feno limpo. O odor enjoativo do couro misturado com o calor doce dos animais acordava-lhe o gosto pela caça.
Desde pequena que caçava.
No inicio toda a gente comentava, à boca pequena, quando o General a levava nas caçadas.
Toda a gente comentava, mas ninguém se atrevia a dizer nada.
O General não era homem que gostasse ou permitisse sequer, ser questionado.
Foi ele que a ensinou a disparar e nisso, nunca ela o desiludiu. Atirava melhor que muitos homens. Aliás, havia poucos que disparassem tão certeiros.
Era nas caçadas que ela se sentia realmente próxima do General como se, montados em cavalos, nas corridas velozes ou nas emboscadas aos veados, envoltos na lama e no cheiro a pólvora, comunicassem verdadeiramente e houvesse uma ténua ligação entre eles.
Cresceu a desejar ser um rapaz. Se fosse um homem talvez percebesse melhor o General, talvez pudesse seguir as pisadas dele, tornar-se num militar de carreira, correr o mundo, sair dali…ser livre...
Cresceu a desejar ser um rapaz até àquela tarde em que ele foi recebido no salão para entregar uma mensagem urgente ao General. Naquele dia, quando o viu, percebeu o que era ser mulher…



(continua)

4 comentários:

  1. continuo embalada na tua prosa, Apple.

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  2. Apple, essa parte, o final dela, me arrepiou.
    Que forma mais linda de expressar essa descoberta do amor e feminilidade.
    Adorei que realmente aumentastes o conta gotas.
    Não para. Não para. Não para!!!!
    Marie

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  3. Nada como desejar alguém para a gente descobrir quem a gente é e do que a gente é capaz.

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  4. Muito bom. Deixou uma espácie de gancho... como nos romances de folhetim.

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