sexta-feira, 27 de novembro de 2015

O CORVO

Vivia eu
Dia solitário
Dia triste
Cabeça vazia
Pensamento oco
Quando me chegou
Um corvo
(Não sei se lúgubre
Não sei se aziago
Não sei se ogro)
A pedir-me pouso

Explicou:
Vinha de um tempo
Já prescrito
Fora despejado
De uma cripta
Da qual
Tinha documentação
Legalizada
(Firma reconhecida)
Compreendi
(Sei o que é burocracia)
Aquiesci
(Precisava
Mesmo
De companhia)
E lá se foi a ave
Agradecida
Buscar esposa
Buscar concubina

Instalaram-se
Os três
Na minha referida
Caixa craniana
Criaram descendência
(Eu criei dependência)
Ali viveram
(Melhor dizendo:
Ali vivemos)
Até o momento
Em que o espaço
Ficou parco:
Bateram asas
Bateram em retirada

Levando apêndice



domingo, 1 de novembro de 2015

Ficções das pequenas incertezas I



      É bem provável que ela diga daqui pra frente narro a vida sem você. Diga quase levemente, assim como quem não quer nada, parecendo menina, deixando as palavras derreterem-se pelo corpo inteiro, de cima abaixo, maculando o vestido, a pele, os pés. É bem provável que ela prenda os cabelos em um coque e ajeite a pilha de livros sobre o criado-mudo, colorida como as fotografias tiradas no mercado de flores, antes de abrir as portas do armário e ordenar a ele que feche as da rotina. Ele, a sua bagagem de retorno e de ida, o seu silêncio de afagos e a sua metade agora mordida. 

Postado por Helena Terra (Bípede falante)