Li Machado a primeira vez ainda na adolescência, e estreei justamente com o antológico Viagem aos Seios de Duília. O conto, de uma beleza indescritível, narra a história do funcionário público José Maria, que, sem nenhuma perspectiva depois da aposentadoria, começa a procurar no passado o estímulo pra continuar vivendo. E é nas memórias remexidas dos seus dezesseis anos que encontra os seios de Duília, símbolo dos desejos da juventude. Sem acreditar que ainda haja a possibilidade de futuro, José Maria empreende uma longa viagem ao interior à procura do menino que foi e da mulher cujos seios permaneceram vivos e rijos em suas lembranças.
Mesmo que não se tenha lido o conto, não é nada difícil imaginar o que o senhor desesperançado encontrou ao reencontrar o passado. Duília era dona Dudu, professora da zona rural, viúva, avó, desdentada e com os seios murchos. O passado procurado por José Maria só existia na sua imaginação, o mundo não parara quando ele deu os seus primeiros passos em direção ao futuro.
E a verdade é que o tempo não para nunca. Se ficamos presos nas lembranças do passado, somos prisioneiros solitários, porque os personagens da nossa história vivida continuam a caminhar, mudam de cidade, cortam os cabelos, tomam súbitas direções em suas vidas, casam-se, fazem filhos, criam netos, envelhecem e morrem.
Certa vez, andei a sonhar insistentemente com a cidadezinha do interior onde passei bons anos de minha infância. O terapeuta, junguiano, depois de me ajudar na análise dos meus conteúdos oníricos, aconselhou:
– Talvez você devesse voltar à sua cidade de infância e rever os lugares de onde emanam esses tantos símbolos que os sonhos lhe trazem...
Interrompi:
– Não, não, de jeito nenhum... lá eu só encontraria os seios murchos de Duília – retorqui com ênfase ao homem, que me olhou com um semblante interrogativo, uma vez que não conhecia o conto do Aníbal. Como faço inúmeras vezes, lá fui eu falar de José Maria e seu aprisionamento no passado, do colo murcho de Duília e, enfim, de tudo o que representaria voltar a um lugar que não existia mais, senão nas minhas lembranças, nos sonhos que às vezes sonhava, sabe-se lá por que.
É no futuro, de fato, e não no passado, que nos aguardam as mais gratas ou ingratas surpresas. Mas é lá que está o novo, o inusitado. O resto já o vivemos.
(T.C.)
Magnífica história dentro da história dos seios de Duília :) obrigada
ResponderExcluirSimplemente marvilhoso querida Tânia. Belíssimo seu Texto! E o final: Chave de Ouro: "É no futuro, de fato, e não no passado, que nos aguardam as mais gratas ou ingratas surpresas. Mas é lá que está o novo, o inusitado. O resto já o vivemos."
ResponderExcluirCom amor e carinho,
Sílvia
Também não costumo voltar aos lugares do passado ou para as pessoas do passado.
ResponderExcluirVou pensar o porquê.