sexta-feira, 9 de julho de 2010

Neste Mundo

Neste mundo há muita gente estranha:
Com teia de aranha na cabeça opaca
e aranha ocultada por camuflagem no coração.
Neste mundo de tantas bocas famintas,
há outras bocas distintas
a deitar falação
com palavras retocadas,
neutra prosa sem razão.

Neste mundo, bandos de anjos ambíguos
velam mudos sonhos de mortandade
com apocalipses embutidos
na própria debilidade.

Neste mundo, alguma coisa me consola:
o enredo que o amor sustenta
na epifania de um corpo de mulher;
um livro que como enigma
extrapola o meu próprio enigma;
a coreografia da criança
a mover uma inocência que irá se desfazer;
a música que traduz os matizes
existentes entre o gelo e a chama;
a arte que sem analgesia me cura da verdade;
o silêncio de um jardim
transfigurando a esquizofrenia da cidade.
Só. Será pouco como esperança?

Quisera crer que neste mundo
existe uma harmonia soterrada sob o desconcerto,
como um pássaro exuberante
esgarçando as cores de suas asas
na atmosfera viscosa da penumbra.
Talvez o homicida recalque o santo simplificado
em que poderia se tornar;
o rasteiro extenuado se estenda
negando a si próprio a ousadia da altura.
Talvez aqueles que promovem a fome
ocultem a fome afetiva que a seus fartos estômagos aflige;
e a solidariedade tenha a face coerente subtraída
pela luta incessante de tudo o que vive feito presa.

Neste mundo se teme o amor como confissão de fraqueza.

7 comentários:

  1. Neste mundo, alguma coisa, algumas palavras e algumas pessoas definitivamente me consolam.
    Você e o seu talento estão entre elas.
    Lindíssimo e crítico poema de amor.
    bj.

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  2. Nesse mundo habitado pelo olhar do poeta, a fome e suas bocas foram traçadas com precisão cirúrgica. Belíssima produção!

    Abraços

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  3. neste mundo tem poemas assim, que enchem os olhos da beleza das coisas.

    abraços

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  4. Deus, que beleza... Um dos melhores poemas que li nestes últimos tempos. Um poema como este vai além do consolo. Nos torna mais fortes, mais gente. Abraço!

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  5. Marco, impressionante como na contrariedade do revirar as entranhas do mundo, em busca de algum entendimento, algum consolo que nos mostre cores, tua poesia se veste de arte - ou será que a arte se veste de poesia? - e se pronuncia com que primor!

    bah, chega de blábláblá...eu quero dizer que adorei, muito mesmo!

    um beijo!

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  6. Bípede, Lou, Cris, Nydia e Andrea, meu agradecimento sincero a todas.

    Abraços.

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  7. Este mundo é assim!

    Uma mãe pode morrer no parto do filho.


    Show este seu poema!!

    ##

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