segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Carlos Drummond de Andrade Vs Chico Buarque de Hollanda


Carlos Drummond de Andrade, nascido em 1902 em Minas Gerais é considerado um dos maiores poetas brasileiros.
Do livro " A Rosa do Povo ", publicado em 1945, o poema "A Flor e a Náusea", assim como o livro, trata de uma época sufocante, um período em que o mundo deglutia a Segunda Guerra Mundial; e no Brasil especificamente, a Ditadura de Getúlio Vargas.
Drummond foi capaz de captar todo sentimento, dor e agonia desta época, e mais importante, conseguiu transformar tudo isso em poesia.
Drummond começou escrevendo muito cedo, foi funcionário público e escreveu até a data de seu falecimento, ocorrida aos 85 anos de idade.

E minha proposta é que você, caro amigo, compare este poema com a obra de Chico Buarque, "Rosa dos Ventos".
No primeiro poema ( de Carlos Drummond ), A Rosa é a representação de um mundo novo, em que o poeta acredita e que está por surgir. No segundo poema ( de Chico Buarque ), a Rosa representa a sociedade que já pode olhar para este novo mundo idealizado. Este Mundo chegou, e é a própria sociedade quem desperta, ainda que tarde, para o despertar de um novo tempo, e a esperança que já havia sido perdida, renasce com força no coração do cidadão oprimido.
Seria injusto colocar dois poemas do Drummond, contra um do Chico, mas a idéia não é de oposição, e sim de complementação; portanto no final desta postagem, colocarei um segundo poema de Carlos Drummond de Andrade, em que os dois poemas já citados ( Chico Vs Drummond ), dialogam perfeitamente. Me refiro ao poema " Áporo ".

A Flor e a Náusea
Autor: Carlos Drummond de Andrade

Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio:
não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo ainda é de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.

Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma conta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres, mas levam jornais
e soletram o mundo sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns ache belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária do erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.

Por fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.

Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

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Rosa dos Ventos
Autor: Chico Buarque


E do amor gritou-se o escândalo
Do medo criou-se o trágico
No rosto pintou-se o pálido
E não rolou uma lágrima
Nem uma lástima para socorrer
E na gente deu o hábito
De caminhar pelas trevas
De murmurar entre as pregas
De tirar leite das pedras
De ver o tempo correr
Mas sob o sono dos séculos
Amanheceu o espetáculo
Como uma chuva de pétalas
Como se o céu vendo as penas
Morresse de pena
E chovesse o perdão
E a prudência dos sábios
Nem ousou conter nos lábios
O sorriso e a paixão
Pois transbordando de flores
A calma dos lagos zangou-se
A rosa-dos-ventos danou-se
O leito do rio fartou-se
E inundou de água doce
A amargura do mar
Numa enchente amazônica
Numa explosão atlântica
E a multidão vendo em pânico
E a multidão vendo atônita
Ainda que tarde
O seu despertar

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ÁPORO ( Publicado em A Rosa do Povo )
Autor: Carlos Drummond de Andrade

Um inseto cava
cava sem alarme
perfurando a terra
sem achar escape.
Que fazer, exausto,
em país bloqueado,
enlace de noite
raiz e minério?
Eis que o labirinto
(oh razão, mistério)
presto se desata:
em verde, sozinha,
antieuclidiana,
uma orquídea forma-se.

Neste último poema, Drummond discursa sobre um inseto ( o áporo ) que vai cavando sem achar saída, vai perfurando o poema até a sua transformação numa orquídea, que perfura o asfalto. O que é uma tradução de uma sociedade que depois de tanta luta, tanto sofrimento, desabrocha pra um novo mundo de esperanças.
Há ainda uma visão política no trecho:

Eis que o labirinto
( oh razão, mistério )
Presto se desata:
Possível alegoria a Luis Carlos Prestes, que acabara de ser libertado pelo Regime Militar. Pode ser interpretado como o Áporo buscando caminho na pátria sem saída, que se tornou o Brasil durante a Ditadura de Vargas.

Espero que não tenha sido cansativo pra você, leitor. Pois pra mim foi um imenso prazer, fazer esta comparação.
Esta é uma postagem que fiz no meu blog Cárcere do Ser, e achei interessante postar aqui também, já que nem todos amigos que aqui estão, partilha comigo no Cárcere do Ser.
Convido a todos a visitarem meu Cárcere.
Abraço,
Alexandre Pedro

10 comentários:

  1. Tua postagem está excelente! Alexandre.
    PARABÉNS!!!

    Bj

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  2. Oi Cirandeira, como vai?
    Eles são excelente!!!
    Drummond e Chico são meus pés no chão, à tudo que leio, escrevo e ouço.
    Faltou a Maria Bethânia cantando "Rosa dos Ventos", que acho magnífica.
    Super beijo, e obrigado pelo carinho.
    Alexandre Pedro

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  3. Oi Alexandre!

    Como poderia ser cansativo um texto inteligente e sensível como o seu? Jamais!

    Uma delícia. Aliás, uma relíquia pra se guardar.

    Beijo

    Carla

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  4. Alexandre, também gostei muito. Está incrível o post.
    beijo

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  5. Meninas, quanta satisfação em te-las por aqui contribuindo nesta postagem.
    Estão convidadas a conhecerem meu Blog " Cárcere do Ser ". Adoraria a companhia de vocês no Cárcere.
    Agradeço sinceramente pela força, e carinho.
    Bjs
    http://carceredoser.blogspot.com/
    Alexandre Pedro

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  6. Adorei o(s) post(s)! Adorei o blog!!!
    Estou te seguindo!
    bjs

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  7. Carlos Eduardo, e Stella,
    Que bom que gostaram, fico grato pela participação de vocês.
    Obrigado pelo carinho, e atenção.
    Abraços,
    Espero vocês no Cárcere do Ser, meu Blog.
    http://carceredoser.blogspot.com/
    Alexandre Pedro

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  8. Alee...
    Drummond...
    Chico...

    Muito suspeito seria esse meu comentário...

    do Aleee...tenho muitas palavras e sorrisos...
    garimpados e valorizados...e uma frase que me diz muito...
    "Mesmo que não dê em Nada...
    já deu em alguma coisa"

    do Drummond...tenho muitas lembranças...
    e muitas palavras...que ecoam por aí...
    "Ser feliz sem motivo...
    é a mais autêntica forma de felicidade"

    do Chico...tenho muita coisa...
    palavras...letras...músicas...olhares...
    e a frase que flui...dentro de mim...
    "Olhos nos olhos...quero ver o que você diz...
    Quero ver como suporta me ver tão feliz"

    é Aleeee...tal qual um áporo...
    cava...cava...sua mente...
    cava...cava...suas palavras...
    cava...cava...sua coragem...
    e mostra para o mundo...
    todo o labirinto que existe em em sua alma...

    beijos
    Leca...

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  9. Ah que delícia...quero publicar este comentário....tão lindo....dá pra postar ele? kkk
    Obrigado pelo carinho....estou me fortalecendo...acreditando em mim, e devo isso a você, que sempre me mostra pra mim mesmo.
    Super beijo...e vc é otima...rs
    bjs

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