terça-feira, 30 de outubro de 2012

um poema de Ferreira Gullar

Calço sob os pés sórdidos o mito
que os céus segura - e sobre um caos me assento.
Piso a manhã caída no cimento .
como flor violentada. Anjo maldito,
(pretendi devassar o nascimento
da terrível magia) agora hesito,
e queimo - e tudo é o desmoronamento
do mistério que sofro e necessito.
Hesito, é certo, mas aguardo o assombro
com que verei descer dos céus remotos
o raio que me fenderá no ombro.
Vinda a paz, rosa-após dos terremotos,
eu mesmo juntarei a estrela ou a pedra
que de mim reste sob os meus escombros.

2 comentários:

  1. Ferreira Gullar tem poucos sonetos, gosto muito também deste outro que posto abaixo.

    Neste leito de ausência em que me esqueço
    desperta um longo rio solitário:
    se ele cresce de mim, se dele cresço,
    mal sabe o coração desnecessário.

    O rio corre e vai sem ter começo
    nem foz, e o curso, que é constante, é vário.
    Vai nas águas levando, involuntário,
    luas onde me acordo e me adormeço.

    Sobre o leito de sal, sou luz e gesso:
    duplo espelho - o precário no precário.
    Flore um lado de mim? No outro, ao contrário,
    de silêncio em silêncio me apodreço.

    Entre o que é rosa e lodo necessário,
    passa um rio sem foz e sem começo.

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  2. e tudo é o desmoronamento
    do mistério que sofro e necessito. Ele é TUDO! Amo.
    Beijos,

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