quarta-feira, 4 de abril de 2012

Manoel de Barros

MANOEL DE BARROS!


Gramática Expositiva do Chão




A nossa garça


Penso que tem nostalgia de mar essas garças pantaneiras. São viúvas de Xaraiés? Alguma coisa em azul e profundidade lhes foi arrancada. Há uma sombra de dor em seus voos. Assim, quando vão de regresso aos seus ninhos, enchem de entardecer os campos e os homens.

Sobre a dor dessa ave há uma outra versão que eu sei. É a de não ser ela uma ave canora. Pois que só grasna - como quem rasga uma palavra.


De cantos, portanto não é que se faz a beleza desses pássaros. Mas de cores e movimentos. Lembram Modigliani. Produzem no céu iluminuras. E propõem esculturas no ar.

A Elegância e o Branco devem muito às garças.

Chegam de onde a beleza nasceu?

Nos seus olhos nublados eu vejo a flora dos corixis. Insetos de camalotes florejam de suas rêmiges. E andam pregadas em suas carnes, larvas de sapos.

Aqui seu voo adquire raízes de brejo. Sua arte de ver caracóis nos escuros da lama é um dom de brancura;

À força de brancuras a garça se escora em versos com lodo?

(Acho que estou querendo ver coisas demais nestas garças. Insinuando contrastes (ou conciliações?) entre o puro e o impuro, etc etc...Não estarei impregnando de peste humana esses passarinhos? Que Deus os livre!)


4 comentários:

  1. Nada direi, pois que me envolvo. Grasnarei que dedico a Marcelo Novaes e a todos deste Máximo espaço.

    Beijos

    Mirze

    ResponderExcluir
  2. Mirze,


    Belíssimo texto, onde Manoel ironiza o próprio desdobrar do "dizer"/"ver" demais [Estarei eu poetizando demais a poesia? Estarei eu humanizando demais a natureza, esta "poesia intrínseca à garça"?].


    Este empreendimento de Manoel de "tirar o humano do caminho, deixando a natureza a si mesma dizer-se" já é sua utopia poética.




    Muito bom!

    ResponderExcluir
  3. Ah! Marcelo!

    Como eu queria ler sua análise. É isso mesmo.E é nisto que me prendo à ele. Mas quando leio, me envolvo tanto que grasno. junto com a garça.

    Obrigada pelo desvendar poético.

    Beijos

    Mirze

    ResponderExcluir
  4. De branco, de lodo, de cores e dores e de beleza é que é feita a vida, a Natureza e os homens!
    Belíssimo, Mirze, obrigada pela partilha

    um beijo

    ResponderExcluir