segunda-feira, 23 de abril de 2012

Cogito

Eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim

eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim

Agora não se fala mais
toda palavra guarda uma cilada
e qualquer gesto é o fim
do seu início;

Agora não se fala nada
e tudo é transparente em cada forma
qualquer palavra é um gesto
e em sua orla
os pássaros de sempre cantam
nos hospícios.

Você não tem que me dizer
o número de mundo deste mundo
não tem que me mostrar
a outra face
face ao fim de tudo:

só tem que me dizer
o nome da república do fundo
o sim do fim do fim de tudo
e o tem do tempo vivido;

não tem que me mostrar
a outra mesma face ao outro mundo
(não se fala. não é permitido:
mudar de ideia. é proibido.
não se permite nunca mais olhares
tensões de cismas e crises e outros tempos.
está vetado qualquer movimento

TORQUATO NETO

3 comentários:

  1. Belo poema no estilo "penso, logo protesto".





    Um beijo!

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  2. Grande Torquato Neto! Era mesmo um vidente tão à flor da pele, que prevendo o que aconteceria naqueles chamados "anos de chumbo", foi-se embora para sempre!

    beijos, Lê

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  3. Bem lembrado, Lelena. Torquato devia ser sempre lembrado, pela riqueza imponderável que nos deixou em sua vida intensa e frágil.

    Beijos

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