quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Outubro

(Um poema do Marcelo que ofereço a mim mesma, que nasci em outubro...rs)




Muito mais escorregadia [e menos
azul] a baleia, após atravessar a mancha.
[Do fundo do mar, jorram barris há cem
dias].

Meus olhos, calcinados em vigília,
buscam [para si mesmos e para a
baleia] um lugar para ancorar:
limpa e gentil clareira d’água.

Aquele sou eu: a criança nascida
d’uma barriga suja. Aquele que chora
[e em seu choro eclipsa o galo e a
Aurora] sou eu: que, em diluído &
Enegrecido Azul, extertora,
acompanhando o pesar da
última estrela.

[O dorso da baleia é incapaz
de espelhá-la].


Jorram barris no mar. Meus
olhos, em vigília, contemplam
peixes cegos e algas em
tormento.

Quisera fosse a massa fóssil
fogo talvez, para arrefecer &
arremessar tudo, lavando o
Negro do meu dorso.

Porque também estou ali:
criança gemendo e alijada
do ventre sujo.

Eu nasci no Outubro mais
Entranhado no seio dos anos
todos. Outubro caudaloso e
amarelo-turvo, onde cantava
[desde o Início] o corvo.

Não sei porque preconceito
com certos pássaros. [Medo,
talvez]. No caminho para o
jardim, há cardos. Lindas
flores de cactus, luzes
por entre galhos,
agulhas solares.


Eu nasci azul-dependurado,
respirando pouco. Experimentei
o vir-ao-mundo como longa expulsão
contrátil: dezenove horas ao todo.

Memórias de gralhas no lugar
das vozes da enfermaria. Barcos
contra muros. Redes asfixiadas de
algas. A cidade imóvel, diante [ou
atrás] dos meus soluços.

Incubadora de outubro: marco
definitivo. Passo primeiro [sob
escombro & grito] para o aceno
do Alto. Pálida chuva me acolhia
desde o Porto.

E eu, encardido como a coruja,
encolhido e aninhado no escuro,
alheio aos rumores e remorsos de
fora: pai, mãe, médicos, tias, tios.

Alheio às nuvens
apinhadas de
pássaros.

Prodígios de verão e eu com frio,
respirando aos bocados. Afastado,
talvez, do céu em júbilo e da alegria
de outros pais.

No Outubro mais entranhado
[e eu entranhado no mais-outubro],
conheci o girar do tempo e as manhãs
esquecidas de luz solar. E não eram
elipses ou parábolas a contarem
datas, mas memórias de fórceps
& contorções & respiração
difícil.

Era o bosque coberto de arroxeados
soluços [& reflexos-de-sobressalto] no
corpo recém-nascido.

E eu me lembro de tudo [no
entranhado Outubro] como se
fosse Outro.

O primeiro e auspicioso
passo para o Mistério.

Nasci em entranhado Outubro,
em dia de aniversário. Nasci velho,
abrasando o tempo que viria, a
escalada da montanha, a
incorporação de meio
século na medula.

(Marcelo Novaes)

3 comentários:

  1. Outubros luminosos pra vc, Tânia!


    :)


    Um beijo!

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  2. Você nasceu em outubro, no nosso outubro, o mês que traz flores :)
    beijosss
    BF

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