quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Meu próprio sumo



Eu tinha medo de não compreender no fundo o que ele queria dizer. Verdade é que ele sempre me dizia algo estonteante, às vezes o absurdo que eu me recusava a acolher no meu ventre como semente, pra depois gerar um mundo inteiramente insólito, onde,  enfim, eu pudesse habitar.

Eu receava que a mensagem que ele tão cuidadosa ou elaboradamente quis passar não chegasse à minha alma tal qual foi concebida por ele. Isso foi até um dia, quando ele, por alguma razão, falou “árvore”, e lembrei da minha cabeleira indomável da infância, da minha letra enorme de recém-alfabetizada, garranchos que insistiam para que eu diminuísse  e alojasse, espremidos, entre duas linhas estreitas que nunca e nunca me caberiam. Ele falou de galhos estendendo-se ao vento e eu me lembrei das minhas primeiras expressões escritas, que queriam ser grandes como o céu, mas tornaram-se encolhidas, enquanto eu mesma diminuía de tamanho e arregalava os olhos para escutar o sentido daquele mundo ainda desconhecido.

Temia não poder traduzir a dor ou a alegria, talvez o anseio ou o espanto que ele transformou em versos – versos que eu amava, perguntando-me se era possível, mesmo, amar sem compreender...

Pois então, verdade é que acabou acontecendo de ele falar pau e eu entender pedra. De ele dizer “azul” e tudo, então, escurecer, sem vestígios de lua ou estrelas. Dei-me conta, finalmente, do quanto era importante eu extrair meu próprio sumo de quantas frutas ele me sugerisse provar. E eu nem precisava desculpar-me por me ver refletida, tal como podia, na imagem que ele me dava como retrato seu autografado, e já não me constrangia mais ver raios de sol inundando o chão e nem presenciar mulheres com torços brancos na cabeça, pele enrugada, a deitar latas velhas amarradas por cordas até o fundo do poço e de lá retirarem a luz que beberiam e matariam a sede naquele chão rachado pela seca.   

Um dia, então, ele escreveu: "Eu tenho sede...", era a fala de uma de suas personagens. E eu, confiante, completei:"...dai-me agora raios desse sol escaldante, porque essa luz e quentura haverão de aplacar a secura da minha alma"...


5 comentários:

  1. me quede reflexionando con tu post.

    Pd: Te invito a que visites mi blog de cine, también publico cuentos mios.

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  2. LINDO, Tânia!

    Um poema com uma desenvoltura gigante, como deve ser sua alma.

    Aplausos

    Beijos

    Mirze

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    1. Grata pelo comentário carinhoso, Mirze. Vindo da poeta que você é, enche-me de contentamento.
      Beijos,

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  3. E foi então que a poesia tornou-se prosa, fez-se árvore frondosa de cujos frutos sairão muito sumo poético!
    PARABÉNS, Tânia;

    beijosss

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