África vincou-me a alma. Um vinco profundo daqueles que a gente não se livra em nenhum dia da vida.
Nesse vinco indelével, estão todas as savanas douradas com nuvens correndo baixas rente ao chão.
E as chuvas torrenciais, permanentemente prisioneiras entre as nuvens e os charcos. E o sol abrasador, endurecendo a pele para outros futuros.
E o mar, na sua enorme mansidão azul, traçando alinhavos na areia, na certeza de que traçou outros em areias tão semelhantes às minhas.
Dentro de mim, sempre esta matriz essencial que me move e me faz dirigir sempre na mesma direcção. Poesia, prosa, ou apenas um olhar pela vida, sempre pela janela desse grande sul, tão grande que não tem explicação.
Sempre a mesma imagem: girassóis, milhões deles nas suas danças lentas, enquanto tambores se ouvem ao longe.
E tchingandjes ensaiando danças mágicas em rituais que só os iniciados conhecem.
E o cacimbo, ah o cacimbo. Não é explicável, é apenas cacimbo escondendo parcialmente as florestas entre os seus farrapos no húmido ar da manhã, numa altura em que os pássaros ainda se aquietam nas ramagens.
E o silêncio total e absoluto como em nenhuma outra parte do mundo. Um silêncio acolhedor, quente, recheado de mil mistérios.
É, sempre mas sempre, dentro de mim faz sul.
segunda-feira, 31 de outubro de 2011
Entrevista festiva
Não, não há de indagar a ela o que ela acende no barro da criação. Não há de limitar a pulsão, a energia e o tempo ao que nos cabe nas mãos em desassossego. Há de ver o que está além da luz e se versa no mistério das matizes do seu universo. Há de pôr o olhar sobre o escorpião que ela caminha e sentir a ternura dos traços de seus rastros ondeantes. Há de perceber o gracejo com as faces de desconstruir disfarces e de revelar a florescência das formas que bordam a sua essência em evolução a nos inspirar. Há de sentir o vigor do seu roxo, o roxo-violeta, acolhedor como uma baía, como uma baía de todos os signos! Então, não, não há de indagar a ela quantas velas ela há de soprar sobre o festejo, nem quando ela há de estourar os balões bordados de indagações. Os balões não têm pressa, eles têm asas e corações a desejar à ela, Tânia Regina Contreiras, uma longa vida de estimas e emoções!
Cris de Souza & Lelena Camargo
Quando seu coração bate prosa e quando poesia?(Ediney Santana)
A Mulher de Roxo é uma lenda, como essas pessoas e imagens de uma Salvador Romântica vivem em você na contradição com Salvador de hoje em que a felicidade para a alegria virtual, sexo virtual, amizades virtuais e medo real?(Ediney Santana)
O Roxo-Violeta afirmou-se, inicialmente, como espaço de publicação de produções pessoais, com um cariz essencialmente poético. A partir de determinada altura, a sua matriz sofreu uma inflexão, passando tu a dedicar maior atenção à divulgação de autores-escritores da blogosfera. Por onde tem andado o teu eu-poético? Este apagamento é ocasional ou há uma efetiva mudança de orientação na gestão do Roxo Violeta?(Jorge Pimenta)
As tuas entrevistas fixaram, já, um território muito particular na blogosfera, mais marcadamente para um círculo (aberto) de seguidores-poetas-leitores que admiram o teu labor e que se associam a ti nesta iniciativa. Como surgiu a ideia destas entrevistas e que papel consideras poderem ter na construção de um espaço partilhado (a blogosfera) que quebra cânones e convenções na divulgação da produção poético-literária?(Jorge Pimenta)
A violeta é uma flor com pétalas assimétricas, na maioria dos casos em forma de coração. Que forma tem o coração [poético] da Tânia?(Jorge Pimenta)
O que te faz lembrar de ti mesma?(Lelena Camargo)
Que espécie de colibri desperta o roxo-violeta?(Cris de Souza)
Você vem fazendo uma série de entrevistas com escritores-blogueiros, gente que desenvolve um trabalho de primeira mas é praticamente desconhecida do público. A mim, me empolga constatar que a literatura no Brasil é muitíssimo mais rica do que sugere o catálogo das editoras, e mais ainda perceber que estão se criando alternativas de divulgação desses autores. Como você analisa esse quadro?(Tuca Zamagna)
Que gradação de importância têm para você a escritora Tânia Contreiras, a divulgadora dos escritores da blogosfera e a ativíssima participante do Facebook?(Wilden Barreiro)
Tânia, conheço o seu grande amor pela poesia, a sua simpatia e a sua capacidade de unir pessoas. Gostaria de conhecer um pouco mais do seu dia-a-dia: o que você faz, trabalha onde, vive com quem? Perguntas indiscretas, mas as respostas podem ser discretas (ou não, he he), à sua escolha. Abração.(Janaina Amado)
Tâninha, primeiro quero te dizer que tu é uma linda de alma macia e eu te gosto demais. A pergunta: como nasce a arte dentro de ti, como ela se move pelo teu corpo, pela tua alma? E a consequente fé na arteterapia? Falando em arteterapia, qual a tua experiência mais marcante com ela? Beijos.(Andrea Godoy)
Vamos lá: Segundo T.S. Eliot, "a poesia não é um modo de libertar a emoção, mas uma fuga da emoção; não é uma expressão da própria personalidade, mas uma fuga da personalidade."Você concorda com ele? Se sim, como você utiliza a poesia na arteterapia? Há como compatibilizá-lãs?(Celso Horikama)
Porque o nome Roxo-violeta, são as flores, a cor ou um estado de espírito?(Luiza Maciel Nogueira)
Tânia, hoje postei no mural do Facebook uma frase sobre a importância de entender os outros. Seja pra viver com paz, para ajudar a quem precisa, seja para evitar injustiças, enfim, há uma série de motivos que tornam importante não ser apenas superficial, quando se pensa nas pessoas à nossa volta. Acho você um dos exemplos desse tipo de comportamento. Isso te dá uma satisfação especial?(Dade Amorim)
Você publicou em seu mural que gostaria de indicações de poetas para ler... coisa rara! De onde vem a sua necessidade de ler poesia, de apreciar poesia, de degustar a poesia?(Eleonora Marino Duarte)
Sei de seu envolvimento com a filosofia, a poesia, a psicologia, a psicanálise... onde Tânia jamais se envolveria e qual o motivo?(Eleonora Marino Duarte)
Tânia, dizem que a arte pode provocar curvas na vida; já houve alguma mudança de rumo na sua vida após se defrontar com alguma obra de arte? Se houve, qual? (Bem, não vale dizer alguma estátua em monumento público).(Marcantonio)
Imperam em tuas palavras uma extrema sensibilidade e uma aguçada percepção do outro. Como se além das palavras pudesses entrar em contato com nossas almas. Como se formou em ti este gentil de apreensão da alteridade?(Assis Freitas)
Tânia, gostaria de conhecer-te pelas suas palavras, por isto que é Tânia Regina Contreiras?(Sandrio Cândido Pereira)
domingo, 30 de outubro de 2011
Adele-ouvindo muito, hoje
Cold Shoulder
You say it's all in my head
And the things I think
Just don't make sense
So where you been, then?
Don't go all coy
Don't turn it round on me
Like it's my faultSee I can see
That look in your eyesThe one that shoots me
Each and every time
You grace me
With your cold shoulder
Whenever you look at me
I wish I was her
You shower me with words
Made of knives
Whenever you look at meI wish I was her
These days, when I see you
You make it look
Like I'm sight-through
Do tell me why You waste our time
When your heartAin't in it
And you're not satisfiedYou know
I knowJust how you feel
I'm starting to find myself
Feeling that way too
You grace me
With your cold shoulder
Whenever you look at me
I wish I was her
You shower me with words
Made of knives
Whenever you look at meI wish I was her
Time and time again
I play the role of fool(Just for you)
Even in the daylight
When you came in(I don't see you)
Try to look for things
I hearBut our eyes never find'
Though I do know how you play
You grace me
With your cold shoulder
Whenever you look at me
I wish I was her
You shower me with words
Made of knives
Whenever you look at meI wish I was her
queria escrever um conto...
Confusa. Ambivalente. Angustiada.
Essas palavras poderiam me descrever. Mas eu não sei por que estaria assim. Talvez, exatamente, por não estar entendo muito bem tantos pensamentos, e sentimentos, que passam pela minha mente.
Talvez por desejar reverter algumas coisas que são irreversíveis. Por não ter dado passos que dei, ou dito coisas que disse. E que podem ter machucado pessoas, que claramente, não são aquilo que me pareceram em algum momento.
Explicar isso, ou entender, é o que não estaria, ainda, claro nem para mim... precisaria bem mais que um post. Precisaria de uma conto.
Essas palavras poderiam me descrever. Mas eu não sei por que estaria assim. Talvez, exatamente, por não estar entendo muito bem tantos pensamentos, e sentimentos, que passam pela minha mente.
Talvez por desejar reverter algumas coisas que são irreversíveis. Por não ter dado passos que dei, ou dito coisas que disse. E que podem ter machucado pessoas, que claramente, não são aquilo que me pareceram em algum momento.
Explicar isso, ou entender, é o que não estaria, ainda, claro nem para mim... precisaria bem mais que um post. Precisaria de uma conto.
Homenagem à Drummond - 100 anos
imagem Google
Poema sem verbo à la Drummond
Colinas de algodão
neve no chão
castelo de areia
sôfrega ilusão
Da folha aberta
de outro poeta
noite, céu de estrelas
Lua e as Três Marias
Vênus...uma estrela cadente
Natureza incandescente
No lar, a mesa
uma oração
a refeição
doze amigos
a partilha
além do pão
o vinho
fez-se novo caminho;
sábado, 29 de outubro de 2011
Cidade poema
vou ali na cidadezinha
naquela pequenininha
que parece colo de mãe
peito de ama
Vou ali sentar na praça
deitar na grama.
Sem querer fiz uma poesia, é porque a cidadezinha é poema vivo
naquela pequenininha
que parece colo de mãe
peito de ama
Vou ali sentar na praça
deitar na grama.
Sem querer fiz uma poesia, é porque a cidadezinha é poema vivo
Lar do "se", lar
de Bruno Soares
Há uma casa vazia, lá.
Vazia. Dá azia, a casa.
Casa, ex-casa, rasa,
Caça, escassa casa.
Há uma casa vadia, lá.
Vadia. Dá calma vazia.
Pouca brasa, ‘’tá’’ fria!
Louça gasta na pia.
Na rua,
cada casa com sua lida.
Cada alma côa sua vida.
Há uma casa vazia, tá?!
A casa, casinha caminha,
A casca da casa, ralinha...
Quer casa? Que seja na linha,
Quem casa quer qualquer casinha.
Há uma casa vazia,
e acaso,
essa casa não é a minha?
*o blog de Bruno Soares http://cronicasdeafeto.blogspot.com/
Vazia. Dá azia, a casa.
Casa, ex-casa, rasa,
Caça, escassa casa.
Há uma casa vadia, lá.
Vadia. Dá calma vazia.
Pouca brasa, ‘’tá’’ fria!
Louça gasta na pia.
Na rua,
cada casa com sua lida.
Cada alma côa sua vida.
Há uma casa vazia, tá?!
A casa, casinha caminha,
A casca da casa, ralinha...
Quer casa? Que seja na linha,
Quem casa quer qualquer casinha.
Há uma casa vazia,
e acaso,
essa casa não é a minha?
*o blog de Bruno Soares http://cronicasdeafeto.blogspot.com/
sexta-feira, 28 de outubro de 2011
AQUI
imagem google
Aqui,
onde havia mudas de lírios
Soam poemas em La sustenido
Sobrevoam ecos em delírios
Soam poemas em La sustenido
Sobrevoam ecos em delírios
Criados dos afáveis olores
Dos gemidos dos sons de amores
Entre pássaros, estrelas e flores
Há o aroma dos lírios sem cores
Dos gemidos dos sons de amores
Entre pássaros, estrelas e flores
Há o aroma dos lírios sem cores
Aqui,
no campo onde eles surgiam
Eu te esperava e tu fugias. Aqui.
Eu te esperava e tu fugias. Aqui.
brindo em traje à rigor,de lis a flor
de todos os amores em Mi menor.
menor que os sem cores lírios
que levaste contigo. Planto depois
o eco dos sons de nós dois.
Aqui.
quinta-feira, 27 de outubro de 2011
Distâncias
Pássaro
encharcado de lágrimas
silencia as distâncias
entre os longes de seu voo
território náufrago
de vontades
rumo ao pranto das minhas
nuvens.
encharcado de lágrimas
silencia as distâncias
entre os longes de seu voo
território náufrago
de vontades
rumo ao pranto das minhas
nuvens.
Nicinha - Tudo Parado no Ar
Nota triste. Faleceu hoje Nicinha, irmã mais velha de Caetano,ela tinha 83 anos. Depoimento, no facebook, de nosso amigo Ediney Santana, morador de Santo Amaro, BA:"Nicinha foi a primeira professora de piano e canto de Caetano, tudo triste, tudo parado no ar".
Coisas do destino, Caetano faz hoje show na minha cidade Porto Alegre, com Maria Gadu.
Do Disco Qualquer Coisa - um album e tanto -- , a canção que Caetano fez para Nicinha:
Nicinha
Caetano Veloso
Se algum dia eu conseguir cantar bonito
Muito terá sido por causa de você, Nicinha
A vida tem uma dívida com a música perdida
No silêncio dos seus dedos
E no canto dos meus medos
No entanto você é a alegria da vida.
...dos delírios em sol sustenido
imagem google
Naquele dia, o sol apareceu mas não brilhou.
Em seu lugar, como representante
um girassol de negros pistilos.
Causou grande comoção.
poderia ser uma visão
não
Ele veio sombreado
por outros giras sóis,
havia um som
Sol sustenido
Em leve sopro
eles tremiam
na iluminura
do dia.
o gira SOL arrasou
o pastor se enganou
o pássaro não voou
O Mundo não acabou.
o pastor se enganou
o pássaro não voou
O Mundo não acabou.
Além do pistilo (órgão feminino) e estames (órgãos masculinos), o verticilo externo é feito de pétalas, enquanto as pequenas e delicadas folhas na base das pétalas são as sépalas. As sépalas são chamados coletivamente o cálice. Abaixo o cálice é a haste ou pedúnculo.
quarta-feira, 26 de outubro de 2011
E CORRER, PODE ?
A peça publicitária em que Gisele Bündchen aparecia em lingerie, tentando obter a compreensão do marido - parece mentira -, ocupou tanto espaço dos órgãos responsáveis por considerações reguladoras de um sistema pretensa e politicamente correto, se é que podemos dizer assim. Foi mais um ato da ineficiência dessas repartições que não têm mais nada o que fazer. Na prática, terminou por impedir a exposição de alguma coisa que ao menos faria bem aos olhos e à alma, muito mais que tantas obras de arte que andam por aí, e nem de perto comparáveis à obra-prima-viva que é a Gisele, ainda mais em lingerie. O ato faz parte dessas investidas da burocracia brasileira que, mergulhada num mundo de faz-de-conta, deixa de ver – e de fazer - o que realmente interessa. Em matéria de publicidade, pouco se fala sobre peças que contêm forte estímulo ao consumo de álcool, ao mesmo tempo em que de outro lado institutos e fundações procuram desesperadamente coibir os acidentes causados pela bebida. Indo por aí, deparamos com outro assunto afim, sobre o qual nada se fala: a publicidade de veículos, em geral grandes e potentes camionetes com seus donos que dirigem perigosamente e que por vezes falam no celular ao volante. Quem me chamou a atenção sobre isso foi meu irmão mais novo, que perdeu sua primeira filha num acidente de carro. Subliminarmente eu já concordava com a idéia, mas passando a observar melhor, percebi que na prática todas as peças publicitárias sobre veículos contêm imagens de camionetes que saltam montanhas e que transpõem obstáculos inimagináveis. Ou de automóveis que andam perigosamente a toda velocidade dentro da cidade. E de motoristas que fazem “pega” em subsolos de edifícios. E de outros que estacionam em alta velocidade dando um bem sucedido cavalo-de-pau. Tudo isso como nos filmes de ação a em que polícia corre atrás do bandido. Alguma imagem de um automóvel em baixa velocidade, passeando pelo campo, por exemplo, com um casal observando a natureza antes do piquenique que vai fazer, algo assim contemplativo como a Gisele Bündchen em lingerie, alguma coisa que realmente faça bem aos olhos e à alma, nem pensar. Acho que já é tempo de nos ocuparmos deste assunto, quando mais não seja para, a exemplo das peças publicitárias apregoando o charme do drink do final do expediente, pelo menos aplicarmos em correspondência alguns dizeres ao final da propaganda, como: “Se for dirigir, não corra”. Será mais uma hipocrisia, isso sabemos, mas pelo menos poderemos dizer, como no caso da bebida alcoólica, que houve tanta preocupação sobre este assunto quanto sobre o da Gisele em lingerie.
Para Quem Tem Filhos com 9,10,11,12....
Esse é um assunto, digamos assim, recorrente. É claro que existem exceções. Podemos chamar isso de "choque de gerações"? Na minha épóca eu gostava de jogar botão. A gurizada se reunia, fazia campeonato. Era muito legal. Depois do futebol de mesa corriamos para o campo bater bola. A gente se sujava, se embarrava, voltava um trapo para casa. Hoje, segundo minha visão míope, nada disso acontece. Sim, os tempos são outros. E que bom que são outros. Mas será que é só isso?
Uma dor no joelho
Há perguntas simples e difíceis a que não sei, se sei responder convenientemente ou, assertivamente, como diz a psicologia. A psicologia diz tão bem, coisas que eu sei tão mal. Adiante.
Mas há uma pergunta em especial que me deixa angustiada desde pequena. E como ficava angustiada, mentia. A minha mãe perguntava
- ainda te dói? E eu dizia. Não. Mas doía. Imenso. Talvez tenha sido assim que aprendi a suportar a dor. Fazia qualquer coisa para não ir ao médico. Ainda hoje. Menos. Mas a pergunta atravessou os tempos. E quando o Senhor Doutor me fixa e atira, solene
- E a dor? Como é a dor?
Cava-se um silêncio tamanho à minha volta, que não me sai nada. Explicar uma dor, é uma coisa tremenda. Dói-me sempre mais do que a dor. Sei que sofro de défice de objectividade. Nunca sei explicar cirurgicamente.
Expectante, o médico arremessa frases curtas, contra a minha incapacidade de balbuciar analogias. E eu, digo que sim ou que não, conforme. Quase sempre inconformada com as hipóteses que me dá. Até porque me distraem da minha dor.
- Assim, uma dor como se fosse uma lâmina?
E eu a pensar – sim - que eu não sou capaz de dizer nada, mas penso - uma lâmina de metal, uma lâmina de sílex? Lá fico eu enfiada entre minutos de pensamentos estapafúrdios que me ocorrem em ocasiões impróprias e sérias.
Enquanto não lhe respondo, o Senhor Doutor, vai falando: as pessoas têm maior ou menor capacidade para aguentar a dor. A dor é um sinal do corpo. Um alerta. Por ínfima que seja, devemos prestar-lhe atenção. Pode não ser nada. Mas também pode ser tudo. Há pessoas que não ligam aos sinais, ignoram-nos, não lhes dão a importância que de facto tem. Há pessoas que os minimizam. Fazem de conta que não sentem dor. Até que ela se vá embora. É uma estratégia como outra qualquer. Que resulta ou não.
E enquanto o médico fala a dor alivia. A tensão só regressa, quando insiste
- e a dor, explique-me?
E eu novamente sem saber o que me dói mais. Se o ombro, o braço, o pé, o estômago, o joelho – não interessa – ou se a alma. A pressentir aquela terrível pergunta objectiva como um termómetro. A minha ficha de paciente à sua frente. Tenho sempre a tentação de lhe pedir para me deixar ler as suas notas. Para ver o que é que, ao longo dos anos, ele foi apontando sobre as minhas dores. Nunca o fiz.
Olha-me, mais uma vez. Pousa a caneta, coloca as mãos unidas em cima da secretária, levanta a mão para ajeitar os óculos sob o nariz e está iniciada a mini coreografia que antecede a sua insistência.
- E a dor, como é a dor? Ora, tente.
E eu incapaz, sequer, de dizer ai! Uma aflição imensa. Como se não houvessem palavras no mundo.
- E então? É como se fosse uma agulha a picar ligeiramente? Assim mais picadelas espaçadas ou uma lâmina...
De um só fôlego, tomada pelo desespero de todas as vezes que não lhe respondi: é assim uma dor como se eu nunca tivesse feito um papagaio de papel; como se nunca tivesse beijado o sorriso mais quente e húmido da terra; como se nunca ninguém me tivesse contado uma história antes de dormir; como se me roubassem a minha única carta de amor; como se toda a vida eu tivesse de dançar sozinha; é como não terminar um puzzle porque se perdeu a última peça; mais concretamente é como se não houvesse literatura. Nem discos, nem quadros, nem cores. É uma dor como se a minha vida fosse de giz e me apagassem a memória.
É assim a minha dor no joelho, Senhor Doutor.
Mas há uma pergunta em especial que me deixa angustiada desde pequena. E como ficava angustiada, mentia. A minha mãe perguntava
- ainda te dói? E eu dizia. Não. Mas doía. Imenso. Talvez tenha sido assim que aprendi a suportar a dor. Fazia qualquer coisa para não ir ao médico. Ainda hoje. Menos. Mas a pergunta atravessou os tempos. E quando o Senhor Doutor me fixa e atira, solene
- E a dor? Como é a dor?
Cava-se um silêncio tamanho à minha volta, que não me sai nada. Explicar uma dor, é uma coisa tremenda. Dói-me sempre mais do que a dor. Sei que sofro de défice de objectividade. Nunca sei explicar cirurgicamente.
Expectante, o médico arremessa frases curtas, contra a minha incapacidade de balbuciar analogias. E eu, digo que sim ou que não, conforme. Quase sempre inconformada com as hipóteses que me dá. Até porque me distraem da minha dor.
- Assim, uma dor como se fosse uma lâmina?
E eu a pensar – sim - que eu não sou capaz de dizer nada, mas penso - uma lâmina de metal, uma lâmina de sílex? Lá fico eu enfiada entre minutos de pensamentos estapafúrdios que me ocorrem em ocasiões impróprias e sérias.
Enquanto não lhe respondo, o Senhor Doutor, vai falando: as pessoas têm maior ou menor capacidade para aguentar a dor. A dor é um sinal do corpo. Um alerta. Por ínfima que seja, devemos prestar-lhe atenção. Pode não ser nada. Mas também pode ser tudo. Há pessoas que não ligam aos sinais, ignoram-nos, não lhes dão a importância que de facto tem. Há pessoas que os minimizam. Fazem de conta que não sentem dor. Até que ela se vá embora. É uma estratégia como outra qualquer. Que resulta ou não.
E enquanto o médico fala a dor alivia. A tensão só regressa, quando insiste
- e a dor, explique-me?
E eu novamente sem saber o que me dói mais. Se o ombro, o braço, o pé, o estômago, o joelho – não interessa – ou se a alma. A pressentir aquela terrível pergunta objectiva como um termómetro. A minha ficha de paciente à sua frente. Tenho sempre a tentação de lhe pedir para me deixar ler as suas notas. Para ver o que é que, ao longo dos anos, ele foi apontando sobre as minhas dores. Nunca o fiz.
Olha-me, mais uma vez. Pousa a caneta, coloca as mãos unidas em cima da secretária, levanta a mão para ajeitar os óculos sob o nariz e está iniciada a mini coreografia que antecede a sua insistência.
- E a dor, como é a dor? Ora, tente.
E eu incapaz, sequer, de dizer ai! Uma aflição imensa. Como se não houvessem palavras no mundo.
- E então? É como se fosse uma agulha a picar ligeiramente? Assim mais picadelas espaçadas ou uma lâmina...
De um só fôlego, tomada pelo desespero de todas as vezes que não lhe respondi: é assim uma dor como se eu nunca tivesse feito um papagaio de papel; como se nunca tivesse beijado o sorriso mais quente e húmido da terra; como se nunca ninguém me tivesse contado uma história antes de dormir; como se me roubassem a minha única carta de amor; como se toda a vida eu tivesse de dançar sozinha; é como não terminar um puzzle porque se perdeu a última peça; mais concretamente é como se não houvesse literatura. Nem discos, nem quadros, nem cores. É uma dor como se a minha vida fosse de giz e me apagassem a memória.
É assim a minha dor no joelho, Senhor Doutor.
Texto: marta vaz /Imagem: Alex Gozblam
terça-feira, 25 de outubro de 2011
Será?
Desabafo do alfaiate de Vila Longe, no livro O outro pé da sereia, de Mia Couto:
" Primeiro, desejamos uma mulher que nos faça sentir a vida.
Depois, queremos uma mulher que nos faça esquecer a vida.
Por fim, queremos apenas estar vivos."
Será??
Uma crônica de Clarice Lispector
"Nu azul" - Henri Matisse
O que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia?
Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos ser tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos, nem aos outros. Não temos nenhuma alegria que tenha sido catalogada. Temos construído catedrais e ficado do lado de fora, pois as catedrais que nós mesmos construímos tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e talvez sem consolo. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro que por amor diga: teu medo. Temos organizado associações de pavor sorridente, onde se serve a bebida com soda. Temos procurado salvar-nos, mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de amor e de ódio. Temos mantido em segredo a nossa morte. Temos feito arte por não sabermos como é a outra coisa. Temos disfarçado com amor nossa indiferença, disfarçado nossa indiferença com a angústia, disfarçando com o pequeno medo o grande medo maior. Não temos adorado, por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer “pelo menos não fui tolo”, e assim não chorarmos antes de apagar a luz. Temos tido a certeza de que eu também e vocês todos também, e por isso todos sem saber se amam. Temos sorrido em público do que não sorrimos quando ficamos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso temos considerado a vitória nossa de cada dia...
O que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia?
Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos ser tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos, nem aos outros. Não temos nenhuma alegria que tenha sido catalogada. Temos construído catedrais e ficado do lado de fora, pois as catedrais que nós mesmos construímos tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e talvez sem consolo. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro que por amor diga: teu medo. Temos organizado associações de pavor sorridente, onde se serve a bebida com soda. Temos procurado salvar-nos, mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de amor e de ódio. Temos mantido em segredo a nossa morte. Temos feito arte por não sabermos como é a outra coisa. Temos disfarçado com amor nossa indiferença, disfarçado nossa indiferença com a angústia, disfarçando com o pequeno medo o grande medo maior. Não temos adorado, por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer “pelo menos não fui tolo”, e assim não chorarmos antes de apagar a luz. Temos tido a certeza de que eu também e vocês todos também, e por isso todos sem saber se amam. Temos sorrido em público do que não sorrimos quando ficamos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso temos considerado a vitória nossa de cada dia...
segunda-feira, 24 de outubro de 2011
Saudade
Saudade dentro do peito
É qual fogo de monturo
Por fora tudo perfeito,
Por dentro fazendo furo.
Há dor que mata a pessoa
Sem dó e sem piedade,
Porém não há dor que doa
Como a dor de uma saudade.
Saudade é um aperreio
Pra quem na vida gozou,
É um grande saco cheio
Daquilo que já passou.
Saudade é canto magoado
No coração de quem sente
É como a voz do passado
Ecoando no presente.
A saudade é jardineira
Que planta em peito qualquer
Quando ela planta cegueira
No coração da mulher,
Fica tal qual a frieira
Quanto mais coça mais quer.
Patativa do Assaré (Antonio Gonçalves da Silva) - Assaré(CE)
É qual fogo de monturo
Por fora tudo perfeito,
Por dentro fazendo furo.
Há dor que mata a pessoa
Sem dó e sem piedade,
Porém não há dor que doa
Como a dor de uma saudade.
Saudade é um aperreio
Pra quem na vida gozou,
É um grande saco cheio
Daquilo que já passou.
Saudade é canto magoado
No coração de quem sente
É como a voz do passado
Ecoando no presente.
A saudade é jardineira
Que planta em peito qualquer
Quando ela planta cegueira
No coração da mulher,
Fica tal qual a frieira
Quanto mais coça mais quer.
Patativa do Assaré (Antonio Gonçalves da Silva) - Assaré(CE)
1909-2002
domingo, 23 de outubro de 2011
sábado, 22 de outubro de 2011
“Minha poesia não tem sexo, mas não abro mão das preliminares”
Entrevista com a poeta Cris de Souza
http://tremdalira.blogspot.com/
http://crisdesouzavalvuladeescape.blogspot.com/
http://tremdalira.blogspot.com/
http://crisdesouzavalvuladeescape.blogspot.com/
Cris de Souza é poeta que tem resposta pronta na ponta da língua e sopra versos em estado de ardência quando o branco do papel a desafia. A maquinista do Trem da Lira não gosta de seguir sempre a mesma direção, o que assegura, de antemão, aos seus leitores-passageiros prováveis desvios, com encontros surpreendentes, recheados de arroubos e peripécias.
“Vario feito vinho” – avisa a poeta de Vila Velha, à porta de entrada de seus dois blogues, Trem da Lira e Válvula de Escape, enquanto nos olha, provocativa, pela metade, na foto de seu perfil. Mas essa inconstância confessa está longe de ser traduzida como fragilidade ou falta de firmeza – a poeta é ousada no verbo e revela estar sempre em busca de novos sentidos, numa inquietude que lhe assegura manter-se sempre em movimento.
Nessa entrevista informal, com blogueiros poetas e escritores, Cris de Souza revela um pouco de “sua outra metade” e explica que fugir do padrão faz parte de sua essência.
Com vocês, Cris de Souza...
(Tânia regina Contreiras)
RV - Crisântemo, quando a lua cheia invade teu coração e explode tua alma o que fazes? (Domingos Barroso)
CS - Uivo! De verso em verso, de bar em bar, de corpo e alma. A lua cheia faz bem pra pele mas não cobre o vão. Nessas noites costumo alimentar minhas feras nem que seja na jaula. Eis o eterno espanto!
Asterisco: Os bruxos também amam.
RV - Crisântemo, D. Quixote é um louco por vento ou na infância colecionava moinhos? (Domingos Barroso)
CS - Suspeito que Dom Quixote seja louco por epifanias... Quem não vive um romance de cavalaria? Mal sei do vento, mas reconheceria um moinho até debaixo de Sancho Pança...
Asterisco: Cervantes me lembra cerveja- sede não se coleciona.
RV - A minha primeira abordagem a um blogue centra-se no seu título. O Trem da Lira captou a minha atenção ao sugerir a convergência de duas formas de relação do indivíduo com o mundo, as coisas e si próprio: a viagem e a música. Que papéis representam uma e outra na tua escrita e, mais genericamente, na tua vida? (Jorge Pimenta)
CS - Sou uma viajante por natureza, trago na bagagem um mundaréu de sons. Mas diante da musa poesia o papel da música parece coadjuvante em qualquer terreno. Ainda que dividam o mesmo palco, com tamanha força. A viagem e a música são rimas de estrofes à deriva escritas nas palmas das minhas mãos.
Asterisco: Nem sempre escuto meus silêncios.
RV - A tua escrita tem uma fulgurância própria que a torna perfeitamente reconhecível entre todas as outras. Constroi-se, habitualmente, sobre um paralelismo fônico muito particular em que um segundo conjunto duplica a cadência do primeiro, assim projetando o dizer para outras dimensões interpretativas. Opção puramente estética, ou hermeneuticamente intencional? (Jorge Pimenta)
CS - Seja na vida ou na arte estou sempre em busca de novos sentidos pra manter-me em movimento. No paralelismo do trem há na lira um tanto de estética, outro tanto de intenção e toda a inquietação do mundo!
Asterisco: As paralelas parecem aquarelas na horizontal.
RV - Cris, conta um pouco de como começou a escrever e o que faz você expressar-se com tanta ousadia no verbo? (Luisa Maciel)
CS - Olhando pro meu próprio umbigo, ouso dizer que comecei a escrever no útero... Desde pequenina tenho essa necessidade de me expressar, comecei pelos famigerados diários e cresci com essa fome-de-lira, escrevendo em folhas, na areia da praia ou até mesmo no vento. Curiosamente meu primeiro poema intitulava-se ”sem inspiração”, pena que as traças o devoraram. Será isso profético?
Asterisco: Nasci em meio a um carnaval recitando “mamãe eu quero mamar.”
RV - Cris, teus poemas são encantadores e me "pegam" muito pela leveza, pelo ritmo e pela sonoridade que consegue imprimir a eles. Sua Lira tem marca registrada. Mas você divide-os entre dois blogues (O Trem da Lira e Válvula de Escape). Tenho minha opinião sobre isso, mas queria ouvir de você o porquê dessa divisão e qual a diferença do conteúdo desses blogues. Pode ser? Beijo grande, minha querida amiga! (Celso Mendes)
CS - Dividir pra somar! Digamos que no “trem da lira” eu leve a sério a viagem: brinco com a língua – marca registrada do que contrasto; e no “ válvula de escape” a viagem não me leve a sério: a língua brinca comigo- marca revirada do que constato.
Asterisco: É no vai-e-vem que se voa!
RV - Sua inspiração vem de sentimentos ou de idéias? É só quando eles (ou elas) a invadem que escreve – ou você também gosta de tropeçar na semente de um poema enquanto chuta chapinhas pela folha em branco? (Tuca)
CS - De ambos, meu chapa! Minhas ideias são sentimentais, meus sentimentos não sei se ideais... Tenho queda por inversões e desafio as folhas em branco. Quando o meio de campo se embola, um tropeço na semente pode virar um gol de letra – ou não!
Asterisco: Gosto dos que jogam nas onze- sem juízo.
RV - Que importância tem o sexo (o feito, o por fazer ou o apenas desejado) na sua poesia? (Tuca)
CS - Uma importância despudorada! Minha poesia não tem sexo - mas não abro mão das preliminares. No fundo é uma grande perdição.
Asterisco I: Um verso passado que parece provocado: “tropeço num contexto complexo, calçando meu latim sem nome, sem nexo, sem sexo.”
Asterisco II: Um canto russo que parece penetrado:“ sexo verbal não faz meu estilo, palavras são erros e erros são meus, não quero lembrar que eu minto também... “
RV - A leitura de poesia em blogs permite que se conheça o poeta de um modo bem diferente do convencional; o acompanhamos no dia-a-dia da criação, 'folheando' livros que ainda não foram editados. Em que medida essa, digamos, intimidade precoce (sexo antes do casamento?) te intimida ou estimula? (Wilden Barreiro)
CS - A intimidade com o leitor só me estimula, é meio caminho andado para o ponto g da criação. Caso contrário já tinha pulado o muro ou partido pra outra sem olhar pra trás.
Asterisco: Sexo antes, durante e depois da rima - pra não ter surpresa no verso h!
RV - Existe uma Cris de Souza cujo rosto (ou meio rosto...) está estampado no poema. Essa, nós aprendemos a reconhecer desde os primeiros poemas que lemos. Mas existe outra - ou outras -, que se revela(m) em poemas que fogem ao padrão. São frutos do desejo de experimentar, ou obras da meia-face oculta? (Wilden Barreiro)
CS - Não é oculto que vario feito vinho. Fugir ao padrão é fruto da minha essência. Preciso experimentar novos teores, texturas, tintas... Me buscar entre um verso e outro - pra desviar de mim. Se um dia eu me encontrar devo dar meia volta na poesia.
Asterisco: Às vezes as linhas me passam a régua!
RV - Cris, ao ler tua poesia percebo uma fluência que surge de um trabalho com as imagens. Intencional ou não, gostaria de saber como é o teu processo de criação? (Sandrio Cândido)
CS - Processo sem pé nem cabeça! A inspiração me pega pelos pêlos e me lança nas mãos da criação.
Asterisco: Imagens que voam dão menos trabalho que as de pé no chão.
RV – Por que a poesia é um gênero a ser usado por você, o que ela significa em teu cotidiano? (Sandrio Cândido)
CS - Seria muito clichê dizer que a poesia é o ar que eu respiro? Ao levantar da cama, já dou bom dia ao verso. A poesia é um gênero de gênio forte e de coração frágil. Necessita entrega e cuidados diários: toma conta do meu universo. À poesia me entrego de corpo e alma, porque sempre caio em tentação aos seus pés.
Asterisco: Meu cotidiano foge do plano.
RV - Sua poesia é muito feminina, no entanto não é uma poesia que se submete ao conceito mulher-que-ama-e-só, nos dá uma sensação de que existe uma mulher forte e muito poderosa por trás da escritora. é fato? (Eleonora Duarte)
CS - Não sou de cristal nem de pedra. O ser nem sempre se avalia atrás do verso ainda que a frente esteja a sua fortaleza.
Asterisco: É fato que sensação rima com subversão.
RV – Qual a sua hora criativa? Em que parte do dia você se sente em estado de escrita? (Eleonora Duarte)
CS - Fora de hora! Mas costumo escrever mais a noite, até porque o estado lunático me inspira e me aproxima das criações e constelações mais distantes.
Asterisco: Meus sonhos costumam ser matinais.
RV - Quem mais te feriu, se houve alguém que teve tanta coragem, recebeu o que eu chamo de extrema-unção literária? Ou seja, foi redimido antes da ‘morte’ em um verso seu? (Eleonora Duarte)
(Cris, obrigada, mais uma vez, por ter sido o anjo dos meus dias de janela e solidão. um beijo no seu imenso coração).
CS - Salve-se quem puder! Posso dizer que através da poesia pode-se “preparar a morte” do sujeito sem qualificação- nem sempre com requinte de crueldade. Quem mais me fere sou eu mesmo, mas sempre trato de ter coragem pra me redimir com meu próprio umbigo. Já com o meu “ eu lírico”, parece caso de vida ou morte! Ou talvez de extrema-unção... (Papo de anja: te quero bem)
Asterisco: Voz viva é que se vela!
RV - Cris, você tem olhos misteriosos de felina. Esses olhos gostam de animais, sentem-se íntimos deles? Se você tivesse de se transformar em um animal, que animal seria? (Lelena Camargo)
CS - Minha relação com os bichos é extremamente humana, tenho um vira-lata que late de barriga cheia e um bando de pombos esfomeados que comem na minha mão. Fora os beija-flores que ganhei no bico doce e o papagaio da vizinha que adotei pelo o assovio. Imagino que eu seria uma espécie de camaleão com asas. Ou qualquer bicho que mude de cor e possa voar...
Asterisco: Mosca na sopa é um prato cheio pra chamar Raul!
RV - Cris, quando eu era criança, uma das coisas que eu mais desejava era crescer. Você queria crescer ou queria que o tempo passasse devagar? De que você gostava de brincar? (Lelena Camargo)
CS - Embora uma criança precoce, tive uma infância de prata! Sou nascida e criada na beira do mar, sempre brinquei na praia: mergulhava, nadava, boiava, catava conhincha na areia, sururu na pedra e guruçá. Adorava puxar rede com os pescadores, era manjubinha pra tudo que é lado! Também brinquei muito em parquinho, de pique-esconde, de pega-pega, de cobra-cega, de cirandinha, amarelinha e salada mista- é claro! Mas na surdina me vestia de “mamãe” pra ouvir Elis Regina e já questionava “ deus-e-o-mundo” às claras.
Asterisco: Viva a velha infância!
RV - Qual é o livro da sua vida? E o filme? A música? O pintor? (Lelena Camargo)
CS - Um livro de Mário Quintana, um filme de Nelson Rodrigues, uma música de Chico Buarque de Hollanda e uma pintura de Salvador Dali.
Asterisco: Que momento!
RV - Cris, você acha que existe um sentido na vida ou que a gente vive simplesmente porque tem de ser assim? (Lelena Camargo)
CS - Suspeito que o sentido da vida deva ser o da perdição! Todo mundo há de se encontrar entre os jardim do éden e da babilônia...
Asterisco: Antes assim que assado.
RV – Cris, a primeira vez que te li foi num poema em parceria com o Jorge Pimenta. Depois tive a oportunidade de conhecer tua escrita, fiquei fã, mas sempre me intrigou o poema escrito a quatro mãos. Sempre tive curiosidade em saber: como é essa experiência, de que forma acontece, como funciona isso? (Tânia Contreiras)
CS - Acontece de forma inexplicável, mas o ponto de partida é o prazer. Duetos são um exercício e tanto, só escrevo com quem admiro. O Jorge Pimenta é meu grande parceiro, temos uma sintonia ímpar, então a poesia flui naturalmente, raramente acertamos uma vírgula dos nossos pares de letras.
Asterisco: São tantas as viagens de luz e sombras.
RV - A necessidade de escrever do poeta é sinônimo de salvação ou perdição (Adriana Araújo)
CS- Deu zebra! Perde-se é meio caminho andado para salvar-se ou vice-versa.
Asterisco: Qualquer redundância será mera coincidência?
RV - Acredito que o ritmo dos versos do poeta revela o ritmo de sua respiração, de sua fala, de seus desejos, da forma como ama... Como tu explicarias o ritmo da tua poesia? (Adriana Araújo)
CS - Há dias que o ritmo da minha poesia é mais acelerado que o de uma escola de samba prestes a ser despontuada, já noutros, não passa da lentidão dos relógios duma quarta feira de cinzas apurada.
Asterisco: Ai das rimas do calcanhar!
RV - A poesia é a válvula de escape ou o trem que delira? (Assis Freitas)
CS - Opa, pegadinha do poeta! Estão estranhamente ligadas: a poesia escapa pelo trem da válvula que delira.
Asterisco: Quem dorme no ponto é fantasma!
RV - A palavra bem cuidada é uma especialidade da tua poesia. Quais são os afagos necessários para o verbo florir? (Assis Freitas)
CS - Uma voz, um vinho, um vento; uma pena, uma pluma, uma pérola; uma lente, uma louça, um lenço; um sopro, um sussurro, um suspiro: tantos são os afagos que trago para a floração do verbo - cuidado!
Asterisco: Até susto faz verbo florir.
RV - Cris, eu vejo a poesia como uma grande meditação sobre o humano e também sobre tudo que o cerca. Sua poesia não foge à regra , pois é visível o seu lirismo quase cósmico. Creio que a poesia, de um modo geral , renova-se , cumpre ciclos e naturalmente ganha um novo marco com o advento de novos poetas. Diga-nos como você enxerga a poesia atual , fale um pouco sobre ela esse ela tem, na sua opinião , qualidade duradoura. (Moisés Poeta)
CS - Andei meditando sobre isso e cheguei a uma contemporânea conclusão: a poesia atual está na “blogosfera”- no duro! Basta olhar pro lado, aqui mesmo nessa sala, há realmente grandes poetas, que fazem poesia de qualidade pra durar por milênios no ar- os quais já consagro. Falando nisso, um brinde a todos os convivas!
Asterisco: Blogosfera> constelação de poetas.
RV - Cris, não é incomum as pessoas associarem estritamente os poemas às vivências reais do poeta. Se um poema fala da solidão, muitos supõem, por exemplo, que o poeta é um solitário. O que você acha disso? Afinal, escrever poesia é mais sentir ou imaginar sentir? (Marcantonio)
CS - Acho natural essa associação mesmo que não represente a real. Escrever poesia é um tanto de cada, sentimento e imaginação até parecem que caminham de mãos dadas. Sentir o que na pele se imagina. Imaginar o que na pele se sente. Imagino que sinto isso. Sinto que imagino aquilo. Sinto e imagino. Imagino e sinto. Sintamos. Imaginemos.
Asterisco: Quando me sinto em casa não é imaginação!
RV - Quem pergunta é o Mário Quintana: “Exalta o Remendão seu trabalho de esteta.../ Mestre Alfaiate gaba o seu corte ao freguês.../ Por que motivo só não pode o Poeta/ Elogiar o que fez?” – Que tipo de percepção, efeito ou reação ideal você gostaria que seus poemas provocassem no leitor? (Marcantonio)
CS - Algo parecido com o que sinto, quando leio o indevido, seria muita provocação? Provocar é um dos verbos mais instigantes da língua. Gostaria que meus poemas provocassem, ao menos, surpresa. Uma percepção que intrigasse, um efeito que espantasse, uma reação que não esperasse. Provoca-me o verso: o poema há de tocar o leitor feito faca ou flor!
Asterisco: Quem responde é o Mário Quintana:”A função do poeta não é explicar-se. A função do poeta é expressar-se. “
Participaram dessa entrevista: Domingos Barroso, Jorge Pimenta, Luisa Maciel, Celso Mendes, Tuca Zamagna, Wilden Barreiro, Sandrio Cândido, Eleonora Duarte, Lelena Camargo, Tânia regina Contreiras, Adriana Araújo, Assis Freitas, Moisés Poeta e Marcantonio Costa.
sexta-feira, 21 de outubro de 2011
quinta-feira, 20 de outubro de 2011
Primeira Chuva
O choro
nu
lê na água
a primeira chuva
de suas
palavras
e recolhe
da solidão
o pólen
derramado
sobre o silêncio
despedaçado.
Acrobata da Dor
De Cruz e Souza,
Acrobata da Dor
Gargalha, ri, num riso de tormenta,
como um palhaço, que desengonçado,
nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
de uma ironia e de uma dor violenta.
Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
agita os guizos, e convulsionado
salta, gavroche, salta clown, varado
pelo estertor dessa agonia lenta ...
Pedem-se bis e um bis não se despreza!
Vamos! retesa os músculos, retesa
nessas macabras piruetas d'aço...
E embora caias sobre o chão, fremente,
afogado em teu sangue estuoso e quente,
ri! Coração, tristíssimo palhaço.
quarta-feira, 19 de outubro de 2011
LIBERDADE
Pode-se ser livre em qualquer circunstância. Não há machado que corte a raíz ao pensamento. Pode-se criar o que se quiser, escrever sobre as nuvens, dançar com as palavras, fazer gotejar palavras dos beirais aflorando nevoeiros, pode-se descer as avenidas dançando ao som de um bolero imaginário.Pode-se até inventar um verbo novo e fazer dele o campo de batalha de uma vida inteira.Pode-se pisar terra firme, ainda que tudo o resto em volta sejam pantanos de areias movediças.Pode-se ser livre, ainda que enclausurado na mais bárbara das prisões.Mas para que isso aconteça, temos que ter todas as contas saldadas connosco próprios. Não se pode ser livre, devendo coisas à vida.
Bípedes continentais
No balanço, pesa o made in Brasil, um made de ditos populares e rebolados de bípedes continentais cheios de charme e energia capazes de levantar e de arrasar a poeira batucando sambas e poesias sem ter de se entregar às tolices dos sem ritmo no corpo e sem sol na alma.
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