Deixo aqui um texto de Maria de Lourdes Pintasilgo*, publicado inicialmente no Boletim do Graal n.º 1, em 1978. Este é um dos escritos a que recorro frequentemente, pois vejo as suas palavras como uma bússola que, nas alturas mais difíceis, auxilia a minha orientação na grande selva que este mundo é. Mudar a Vida!
De todos os lados nos vem o convite à estabilidade, à segurança, ao já conhecido, aos terrenos firmes, ao ideal entrevisto. Por todos os meios nos atrai e nos paralisa o mito do eterno retorno. Transformações à nossa volta? Sem dúvida, desde que elas nos conduzam ao eu ideal que imaginamos, à imagem de nós próprios que, ao longo dos anos, cuidadosamente formamos.
Deixamos assim de longe a única via pela qual horizontes novos se podem rasgar: aquela em que escolhemos percorrer o próprio trilho da mudança. E quando digo que escolhemos percorrer esse trilho, não estou a imaginar um caminho linearmente percorrido sem perigos nem desvios. Pelo contrário, no caminho da mudança, seremos ossos encharcados debaixo da chuva, seremos gestos descontrolados nas areias movediças, seremos passos indecisos a contornar rochas de granito.
Quantas vezes falamos de mudança de estruturas e de instituições, opondo essa mudança, numa espécie de antinomia inevitável, à mudança de mentalidades que queríamos ter visto operar, pela obra mágica do nosso verbo e das nossas incitações, para concluirmos (pacificante conforto!) que nada se podia fazer sem que se mudassem as estruturas. Quando finalmente as estruturas nos vieram parar às mãos verificamos que não éramos senão aprendizes de feiticeiro: não as soubemos desmantelar porque não conhecíamos as engrenagens escondidas; não as pudemos reorganizar porque não tínhamos alternativa viável a opor à sua gigantesca irracionalidade; não as pudemos deixar cair como mero anacronismo da história, porque não tínhamos delineado o projecto das estruturas novas que as substituiriam, superando-as e anulando-as. E quando reconhecemos que o aparelho institucional se agitou, tremeu, mas permaneceu inalterável nos seus vícios, na sua burocracia e na sua inutilidade, dissemos então que o que importa é mudar as mentalidades!
Passageiras são as estruturas, plasmáveis as mentalidades. Por entre o feito mecanicista de umas nas outras (mentalidades obscurecidas por estruturas aniquilosadas; estruturas inoperantes por mentalidades embrutecidas) brota a esperança duma outra relação, que não é senão o dinamismo da própria vida.
Por isso, a grande empresa não é o plano pensado e repensado, a estrutura gigantesca que, com os seus tentáculos, tudo vai abafar, nem a mentalidade renovada, adaptada, ajustada, conformada. A grande empresa é mudar a vida!
* Maria de Lourdes Pintasilgo, entre muitas outras coisas, numa vida inteiramente dedicada à causa pública, chefiou o V Governo Constitucional de Portugal, entre 31 de Julho de 1979 e 3 de Janeiro de 1980. Para saber mais sobre esta mulher extraordinária e pioneira, nada como consultar o Arquivo Pintasilgo.
Deixamos assim de longe a única via pela qual horizontes novos se podem rasgar: aquela em que escolhemos percorrer o próprio trilho da mudança. E quando digo que escolhemos percorrer esse trilho, não estou a imaginar um caminho linearmente percorrido sem perigos nem desvios. Pelo contrário, no caminho da mudança, seremos ossos encharcados debaixo da chuva, seremos gestos descontrolados nas areias movediças, seremos passos indecisos a contornar rochas de granito.
Quantas vezes falamos de mudança de estruturas e de instituições, opondo essa mudança, numa espécie de antinomia inevitável, à mudança de mentalidades que queríamos ter visto operar, pela obra mágica do nosso verbo e das nossas incitações, para concluirmos (pacificante conforto!) que nada se podia fazer sem que se mudassem as estruturas. Quando finalmente as estruturas nos vieram parar às mãos verificamos que não éramos senão aprendizes de feiticeiro: não as soubemos desmantelar porque não conhecíamos as engrenagens escondidas; não as pudemos reorganizar porque não tínhamos alternativa viável a opor à sua gigantesca irracionalidade; não as pudemos deixar cair como mero anacronismo da história, porque não tínhamos delineado o projecto das estruturas novas que as substituiriam, superando-as e anulando-as. E quando reconhecemos que o aparelho institucional se agitou, tremeu, mas permaneceu inalterável nos seus vícios, na sua burocracia e na sua inutilidade, dissemos então que o que importa é mudar as mentalidades!
Passageiras são as estruturas, plasmáveis as mentalidades. Por entre o feito mecanicista de umas nas outras (mentalidades obscurecidas por estruturas aniquilosadas; estruturas inoperantes por mentalidades embrutecidas) brota a esperança duma outra relação, que não é senão o dinamismo da própria vida.
Por isso, a grande empresa não é o plano pensado e repensado, a estrutura gigantesca que, com os seus tentáculos, tudo vai abafar, nem a mentalidade renovada, adaptada, ajustada, conformada. A grande empresa é mudar a vida!
* Maria de Lourdes Pintasilgo, entre muitas outras coisas, numa vida inteiramente dedicada à causa pública, chefiou o V Governo Constitucional de Portugal, entre 31 de Julho de 1979 e 3 de Janeiro de 1980. Para saber mais sobre esta mulher extraordinária e pioneira, nada como consultar o Arquivo Pintasilgo.
Também acho que a vida tem de ser dinâmica!
ResponderExcluirE vivida com entusiasmo.
ResponderExcluirO entusiasmo, às vezes, falha, mas a gente se esforça para tê-lo :)
ResponderExcluirÉ isso tudo!
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