segunda-feira, 21 de maio de 2012

Vertical e fundo




No ano passado, fui ao shopping Barra ver a exposição sobre o Titanic. 
O assunto é velho, eu sei. Mas eu sou, de certa forma, uma pessoa repetitiva e antiga. 
Muito.
E isso não é porque eu sou tipo assim uma criatura de outro milênio como afirma o meu pequeno bípede. Eu já era antes da virada.
Se houve alguma vida em mim antes da minha, provavelmente,  a vivi sob os 25 quilos medievais de uma armadura.
Tenho certa vocação para ser de aço. 
Quando eu era criança, passando-me por um ser fora de moda, quebrei o lustre de cristal que havia sobre a cama dos meus pais. Não resisti à haste de metal frio e a balancei de lá para cá, gritando homens ao mar. 
Na minha cabeça, naquele quarto havia uma inundação. 
E onde há inundação, há afogados.
Na exposição sobre o Titanic, cada ingresso valia um boarding pass. 
Já escrevi sobre isso aqui no bloguinho.
O meu dava direito a um beliche na terceira classe.
E o meu me fez de novo mulher. Não foi o Roger Vadim nem Deus, ainda que eu tenha vindo com nome de alma. Alma Cornelia  alguma coisa, uma sueca com um monte de filhos, viajando sem o marido e sem falar língua nenhuma além da do desamparo.
Essa fui eu.
Morri, é claro.
Morri também na semana passada.
Na semana passada, entrei em um sonho que se chamava Alice Entalada bem Debaixo do Ventilador de Teto .
No Alice entalada, havia naturalmente um buraco. Vertical e fundo como deve ser um buraco que se preze.
No meu buraco caí fugindo de um Tsunami. 
Antes de encontrar um telhado pra subir, eu tinha de encontrar o meu pequeno bípede, a figurinha que agora me data como quinquilharia do passado. 
Encontrei o Fifus. O Fifus é o neto do Bono, o melhor cão do mundo. Por dois dias, o Fifus se chamou Tchê. Como não demonstrou talento revolucionário nem espírito gaudério, enfifou.
E vai muito bem, obrigada. 
No Alice Entalada bem Debaixo do Ventilador de Teto, assim que recolhi o quadrúpede, pisei sobre umas tábuas e caímos até a metade. 
E foi só eu cair para o pequeno bípede mostrar os olhos de curumim lá em cima.
Vai embora, corre que a água está chegando, gritei.
Ele pareceu não entender. 
Então, surgiu outro rosto. Rosto que conheço como o meu, que mapeio como o meu.
Salve-o, pedi.
E quase, quase vi em seus olhos o desenho de um sim.

15 comentários:

  1. Lelena,



    Os reencontros são mesmo admiráveis, e parecem carecer de quedas-sem-fim e buracos-sem-fundo para ocorrer(em). Diga-me [mas, pleasus, diga-me com o Rosto que viste, assumindo-O durante a tentativa de resposta]: por que é assim?



    O texto tem a virtude de ser também vórtice.





    Um beijo, amiga.

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  2. Não sei dizer, não!!
    E se eu soubesse, não sei se iria me conformar.
    Você iria?
    Beijos

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    1. Lelena,


      Eu recebi umas xícaras de chá de camomila logo aí abaixo. Entonces, estou conformado já.


      :)


      Um beijo!

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    2. Sem chás e sem café sinto fome, sede, sono, preguiça, desamparo, dor de humor, dor de cabeça, dor de letras e mais um monte de outras coisas. Sinto.
      Beijoss e bom dia :)

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  3. Eu s'tava com uma saudade danada dessa tua prosa maravilhosa!
    Essa tua forma de narrar fatos do cotidiano com pitadas de humor crítico e comentários superpostos e subentendidos, é própria de quem já domina muito bem o ofício de escrever. Tens uma narrativa muito particular que flui e a mim me prende sobremaneira! PARABÉNS, mais uma vez!

    beijosss

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    1. Ci,
      Na vida como ela é sem riso ninguém aguenta.
      Rir às vezes é um choro do bem.
      Eu gosto, tou gostando, de escrever sobre o cotidiano.
      Beijoss :)

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  4. Et Dieu... créa la Bípede!
    E o buraco torna-se saída,exit, aventura...

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    1. Pisares,
      A vida não deixa de ser um buraco. Para alguns, mobiliado e confortável. Para outros, só um buraco.
      Beijoss :)

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  5. Passei, li, gostei desse meio aço e cristal. Mas igual a si!
    Abraço

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  6. Quanta coisa perdi por esses dias, com essa de chá de sumiço....
    Adoro usa escrita Lelena... viajo com você.
    Beijos

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  7. Te li no teu blogue, no Bípede, e comentei lá. Disse que estou adorando este teu novo momento, esta tua prosa e, é isso...rs ...Vc faz bem tudo o que faz, é o que acho.

    Beijos,

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