sábado, 26 de maio de 2012

Como nossos dados pessoais enriquecem gigantes digitais

Facebook e Google se apoiam quase no mesmo modelo econômico: quanto mais se sabe sobre os gostos e inclinações dos usuários, mais dinheiro pode-se fazer com esses dados sem que o usuário tenha dado sua permissão para tanto. É neste contexto que a associação Internet sem Fronteiras propõe a criação de um e-sindicato para defender os direitos dos usuários do Facebook e de outros gigantes digitais que espiam cada um de nossos clics para convertê-los em ouro. O artigo é de Eduardo Febbro - Paris -

 Qual é o terceiro país do mundo em população e o que mais espia seus cidadãos? A resposta cabe em um território virtual: Facebook. Com seus 900 milhões de usuários registrados, se o Facebook fosse um país seria o terceiro do mundo, logo depois da China (1,34 bilhões) e da Índia (1.17 bilhões de habitantes). Esta demografia virtual faz do Facebook um território de participação voluntária no qual os usuários entregam sua intimidade com toda inocência sem ter plena consciência do quanto estão se expondo nem do gigantesco capital que os usuários estão aportando à empresa fundada por Marc Zuckerberg. Criado há apenas oito anos, o Facebook tem um valor estimado em Bolsa de 104 bilhões de dólares. É maior que a Amazon (98 bilhões), vale quase três vezes mais que a Ford Motors (38 bilhões de dólares), mas menos que o Google (203 bilhões) e a Apple (495 bilhões). Do mesmo modo que Google e outros gigantes da rede, Facebook deixou de ser a simpática “startup” criada no campus de Harvard. É um predador de dados, um aspirador universal de publicidade, um autêntico serviço de inteligência que se serve de cada informação deixada pelos usuários para fazer dinheiro com ela. Todas as cifras relacionadas ao Facebook são imperiais: com 169 milhões de usuários, os Estados Unidos contam com o maior número de membros. Em segundo lugar vem a Índia com 51 milhões, o Brasil com 45 milhões e o México com 20. Mais de 300 milhões de fotos são publicadas a cada dia no Facebook e cerca de 500 milhões de pessoas acessam a rede social utilizando dispositivos móveis. No entanto, o qualificativo de “rede social” está longe de coincidir com a realidade. Como observa Archippe Yepmou, presidente da associação Internet sem fronteiras (ISF) (www.internetsansfrontieres.com), o valor do Facebook na bolsa “repousa no abuso de nosso direito ao controle de nossos dados pessoais”. O peso do Facebook é proporcional ao grau de intimidade que revelamos com nossas conexões. Facebook e Google se apoiam quase no mesmo modelo econômico: quanto mais se sabe sobre os gostos e inclinações dos usuários, mais dinheiro pode-se fazer com esses dados sem que o usuário tenha dado sua permissão para tanto. É neste contexto que a associação Internet sem Fronteiras propõe a criação de um e-sindicato, com o objetivo de defender os direitos dos usuários do Facebook e de outros mastodontes digitais que espiam cada um de nossos clics para convertê-los em ouro. Antonin Moulart, membro da associação, diz que “a ideia de um sindicato eletrônico aponta para o estabelecimento de uma relação de força com a empresa do senhor Zuckerberg para que ele entenda que temos direito a decidir sobre nossas informações pessoais”. O paradoxo Facebook é imenso: tornou-se uma ferramenta de intercâmbio com alcance planetário, mas sua aparente inocência atrai adeptos que prestam voluntariamente a uma violação impensável de sua vida privada. Archippe Yepmou revela, por exemplo, que “nossas agendas são scaneadas pelo Facebooh através do nosso telefone celular e de nosso correio eletrônico. A empresa procede também a uma identificação biométrica que permite ao Facebook reconhecer logos e rostos das fotos sem que o contribuinte tenha dado sua autorização explícita para isso. A ideia do e-sindicato quer impor um mediador entre as pessoas e esse roubo da intimidade. A solução mais simples seria não se inscrever no Facebook, mas sua necessidade, real ou imaginária, já é um fato consumado. Neste sentido, a associação Internet sem Fronteiras reconhece que “a posição monopólica do Facebook fez da empresa um espaço de socialização obrigatório para toda ou uma parte da população”. Ingressamos neste espaço virtual-social como ovelhas pacíficas enquanto o lobo estava à espreita. Reparar o erro requer uma consciência universal do valor estratégico e comercial de nossos dados pessoais assim como de nosso direito de nos opor a que sejam comercializados. Mas essa consciência está longe, muito longe de ter sido formada. A capitalização dos dados pessoais está perfeitamente quantificada no valor do Facebook. Não são suas máquinas ou seu programa a fonte de sua riqueza, mas sim nossa intimidade. O ingresso do Facebook na bolsa inaugura outra fase perigosa: “o modelo econômico da empresa baseado na exploração comercial da vida privada vai empurrar o Facebook em outra direção ainda mais intrusiva e ameaçadora da liberdade”, diz a ISF. O Facebook é um autêntico estômago de dados cujo destino, em grande parte, desconhecemos. O contra-poder frente o Facebook e outros sugadores de dados planetários existe: é, por enquanto, tímido, mas real. Eletronic Frontier Foundation, Internet sem Fronteiras, a muito oficial CNIL (Comissão Nacional de Informática e Liberdades, da França), o Controlador Europeu de Proteção de Dados (CEPD), o Europa versus Facebook, são alguns dos organismos oficiais ou não governamentais que discutem a maneira de construir um muro legal entre os cidadãos e empresas como Facebook ou Google, que lucram com nossa vida. Serão necessários, porém, muitos anos para que os usuários passem à ação e tomem consciência dos níveis de exposição a que estão submetidos quando, sem nenhuma garantia de privacidade, sobem uma foto, manifestam um gosto musical ou a preferência por uma ou outra marca.

Tradução: Katarina Peixoto
Extraído da Agência Carta Maior

4 comentários:

  1. Hello, João Menéres.

     Your heartwarming works fascinates my heart.

     Thank you for your kindness.
     And i pray for you and yours peace.

    Have a good new-week. From Japan, ruma ❃

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  2. Cirandeira,




    Não tarda o tempo de se descobrir a dimensão disso. Zuckerberg não conseguiu se explicar em programas televisivos onde e-mails dele foram interceptados: "Eles são muito ingênuos de confiar que o objetivo disso é só o de ampliar conexões e relacionamentos", era uma de suas chacotas para um confidente por e-mail. E suou em bicas ao tirar seu famosos agasalho, cujo símbolo na face interna mostra conexões interessantes do Face com várias organizações "co-irmãs". Quem quiser, há vasto material a pesquisar, além do processo de um usuário que descobriu que seu "dossiê", com cada detalhe de cada conversa "deletada por ele mesmo" [sic], permanecia intacto nas mãos do Face. O face é a contrafação de qualquer relacionamento. É uma uma planificação rasa do jeito de se dizer as coisas [o que vc está pensando agora?!], uma homogeneização de diálogo incutida aos poucos, o enaltecimento de slogans e exclamações [o "curtir" é uma exclamação icônica] como unidades mínimas de pré-pensamento, além de ser adictivo ["estímulo-resposta", "recompensa rápida", sem o trabalho de elaboração exigido pelo olho no olho, e pelo tempo-distância implicados do escrever uma carta para um amigo que mora longe, dessas que se posta no correio e, portanto, cujas palavras são ponderadas, porque não serão deletadas, por exemplo]. Dei uma entrevista a jornalistas recém-formados de Pouso Alegre, citei Paul Virilio como referência menos ufanista a suas aspirações de "confraternização global" [um contraponto a Pierre Levy, o autor da predileção deles], e nem editar a fala gravada [com testemunha, Carmen Santos] eles foram capazes. Geração acostumada a mensagens com poucos caractereres que planifica [achata mesmo] nuances de raciocínio e não expõe aquilo que contraria seus pressupostos. Nada melhor do que as gerações anteriores. Aliás, também mais preguiçosa quanto a pesquisa, textos mais longos, memória, vasculhar em bibliotecas, etc. Geração daqueles que sobem escadas pulando de três em três degraus, sem saber que terão de refazer passos saltados a título de atalho.



    Depois de seis meses sem Face, voltei só pra ver como estava e como me sentia. Pior do que pegar rotavírus.


    Há uma ambivalência mortífera: sensação de superfamiliaridade com impessoalidade [sim, uma vez que nada é tão pessoal assim, senão não se estaria compartilhando com todos]. Tudo que leva um trampo pra trabalhar olho no olho [desdealização, desdemonização do outro outrora visto segundo nossas pré-concepções -ideal/patético/provocador/arrogante, etc, etc, etc -, só pra ficar nesses exemplos], leva um trampo triplicado no Face, quando não é de todo improvável. Além do que, eu particularmente só acredito em conversas substanciais a dois, a três, a cinco. O mais é sarau, festa, celebração ou cumprimento de protocolo e exercício de personas socialmente esperadas [o mestre de cerimônias, o piadista, o "surpreendente", o bobo da corte, o estraga-prazeres, o "caladão", etc]. Junta muita gente e temos o intercâmbio de estereótipos, não de pessoas.




    Valeu a postagem.





    Um beijo, Cirandeira.

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  3. Obrigada Cirandeira pelo texto. Excelente, para degustar e pensar sobre... Vou fazê-lo. Apreciei a colocação de Marcelo Novaes acima:"sem o trabalho de elaboração exigido pelo olho no olho, e pelo tempo-distância implicados do escrever uma carta para um amigo que mora longe, dessas que se posta no correio e, portanto, cujas palavras são ponderadas, porque não serão deletadas, por exemplo]."

    Com carinho,
    Sílvia

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  4. Silvia,


    Quando li este texto e reli meu comentário a ele, muita coisa me passou em mente que não disse. Vi também meu erro de digitação: "pelo tempo-distância implicados no escrever uma carta [e não do escrever...]"... As palavras das tais cartas seriam ponderadas, porque não facilmente deletadas. O curioso é que as palavras que se pensam poder deletar na net, por sua aparente facilidade de "uso e retirada", também não o são. Já ouvi de um ex-colega de colegial, que revi via rede social [no meu tempo pré-ressaca disso tudo], o seguinte comentário: que ele achava ótimo esse processos de disse/não disse, ruídos e mal-entendidos reverberados pela web, porque isso era como um processo darwiniano de seleção natural, onde só os mais fortes, os mais "aptos" [ou cínicos, acrescentaria eu] sobreviveriam à enxurrada de mal-ditos, armadilhas, fofocas, etc e tal. Ele é advogado, talvez infenso a julgamentos morais, como Márcio Thomaz Bastos, que adora de$afio$ [sic]. A fala dele é bastante "didática", digo eu, sobre um certo cinismo vigente e glamourizado. O mesmo de Luiz Felipe Pondé, cínico assumido, que aponta a ausência de resistentes na França ocupada pelo Nazismo, onde intelectuais que vendiam seus quadros, comiam bem e tomavam seus vinhos pouco se lixavam com as vítimas [fato!], que ele também prioriza o vinho e o comer bem [fato!] e que todo cara que o estiver lendo deverá, forçosamente, ser assim como ele [= "defesa do cinismo como modo mais efetivo de vida", segundo a mesmíssima lógica darwiniana de meu antigo colega]. Uma conclusão eu tiro disso tudo: a esmagadora maioria se assusta com a coragem [e não falo de bravatas, mas coragem], como a de denunciar superiores num serviço público, abrir processo administrativo e sair, pedindo exoneração, por não querer fazer parte, mesmo que subordinada, dos desvios reinantes. Há quem nem creia que isso seja possível, ou factível, em nome da "segurança profissional" ou "instinto de sobrevivência". A web mostra muita coisa, inclusive essa: que a veemência que desafia estruturas e chama pra si a crítica [por ousar criticar a estrutura sob outras falas], é tão minoritária que atrai desdém ou tiros, como no caso do jornalista-blogueiro Décio Sá. No meu critério anti-Thomaz Bastos, e antidarwiniano [na visão de meu ex-colega - que se mantenha ex, aliás] os melhores são os proscritos e os assassinados, neste quadro-de-referências. Tudo depende "em nome do que" se faz a crítica e da assinatura individual nela impressa; em nada depende do apoio, compreensão, adesão ou aplauso do rebanho. A net evidencia quão "avis rara" será cada desafiador, como exceção de fato, e quanto o rebanho é previsível, até nos mínimos suspiros, exclamações, slogans [=unidades mínimas de pré-pensamento], críticas ao "dissonante" e que tais. O coro agora é globalizado, e cada vez mais monocórdico, no que diz respeito ao essencial.


    E se me perguntarem: "E a organização de passeatas?!". Isso é otimização do telefone. Pós-passeatas, as pessoas terão de debater programas olho no olho, em assembleias presenciais. O "sim" e o "não" são ditos presencialmente e individualmente, o que talvez surpreenda um Luiz Felipe Pondé até o fim de seus dias. "Há o indivíduo, de fato?!", parece ser a pergunta de fundo que transpira de sua perplexidade mal-dissimulada quanto a essa possibilidade. Natural, porque isso não é uma possibilidade para ele. A web deixou claro quão "implausível" é o indivíduo, no seu cerne aquém-além-dos-gostos, mas sim naquilo que melhor o define: as brigas que elege comprar. E por quais razões.






    Um beijo, Sílvia!

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