segunda-feira, 29 de outubro de 2012

nenhum amor escapa impune



deixa-me perguntar se te 
pareço tão assustado assim. Não 
me sinto deslocado, talvez curioso, mas 
nem surpreso. algo em ti me puxa 
sempre ao sentimento, mesmo antes de 
te conhecer, lembras-te, uma propensão para 
te tratar bem, cuidar, vulnerabilizar os meus 
modos, recusar admitir que também eu sou 
capaz de crueldades quotidianas e 
impunes. queria conversar contigo 
sobre o nelson, que foi ver as coisas a 
arder fotografando a própria 
pele. queria falar-te da isabel e de como 
choramos juntos, muito maricas, quando 
nos correm mal estes amores ou, pior, a 
nossa amizade. esta noite sonhei contigo e 
achei graça dizer-te que cheirava mal 
na nossa cama. que me incomodou a luz a entrar 
pela persiana por fechar. que ouvi com dor o 
orgasmo da vizinha de baixo 

queria que soubesses que também eu 
poderia ter ardido para o nelson 
fotografar. queria que soubesses que 
também poderia parar de chorar pela 
isabel. queria que soubesses que o faria 
exclusivamente 
para arruinar o meu coração, se fosse a 
tua vontade e com isso te deixasse em 
paz. faria qualquer coisa, ainda que 
quisesse morrer a seguir, faria qualquer coisa que, 
por um instante, te pusesse 
a pensar em mim 

valter hugo mãe, in 'contabilidade'

3 comentários:

  1. Li primeiro a outra...mas a delícia de leitura veio novamente.
    Beijos,

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  2. Gosto de tudo que ele escreve, acho um escritor sensacional.
    O poema é delicioso.
    Beijo beijo.

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  3. Ontem, assisti uma palestra dele, gurias.
    É meigo, bem humorado, simples e super inteligente.
    beijoss

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