Li essa crônica do Arthur da Távola há tanto e tanto tempo e sabia do que ele falava, mais por intuir, uma vez que não entendia tanto das perdas dos encontros. Releio-a, hoje, sabendo exatamente dos encontros e desencontros. Eu já era eu antes, quando a li pela primeira vez, tanto quanto sou agora. Há coisas que não mudam.
Dedico ao Ariano Egípcio...
(Arthur da Távola)
Cada encontro
está carregado da perda, ou de perdas. Às vezes duas pessoas que se amam
(casados, solteiros, amantes, namorados) se encontram e são felizes. Ao fim da
felicidade um deles chora, ou fica triste, ou baixa os olhos, ou é invadido por
inexplicável melancolia. É a perda que está escondida no deslumbramento de cada
encontro. O encontro humano é tão raro que, quando surge, vem carregado de
todas as experiências de desencontros que a pessoa já teve e que a espécie já
sofreu. Quando você está perto de alguém e não consegue expressar tudo o que
está claro e simples na sua cabeça, você está tendo um desencontro. Aquela
pessoa que lhe dá um extremo cansaço de explicar as coisas é alguém com quem
você se desencontra. Aquele que só emite pouco lhe dando condições de
intercalar os seus pontos de vista, é outro com quem você se desencontra.
Aquele a quem você admira tanto, que lhe impede de falar, também é um agente de
desencontro, por mais encontros que você tenha com a arte dele. A pessoa que só
pensa naquilo em que vai falar e não naquilo que você está dizendo para ela, é
alguém com quem você se desencontra. A pessoa que já vem conversar com você,
com posições definidas e tomadas, é alguém com quem você se desencontrará.
Alguém que o ama ou o detesta, sem nunca ter sofrido ao seu lado, é alguém
desencontrado com você. Cada desencontro é perda, porque é a irrealização do
que teria sido uma possibilidade. É a experiência de tantos desencontros o que
marca os raros encontros que a vida permite. A própria vida é uma espécie de
ante-sala do grande Encontro (com o Todo, com o Nada?). Por isso talvez seja
uma provocação de desencontros preparatórios da penetração na essência do Ser.
Mas, por isso ou por aquilo, cada encontro está carregado de perda. A perda é
mais adivinhada do que sentida. E no ato de sentir-se feliz, intensamente
feliz, associa-se a idéias do passageiro que é tudo, do amanhã cheio de interrogações,
da exceção que aquilo significa. E uma tristeza muito particular se instala: a
tristeza feliz. A tristeza feliz, não a que deriva das grandes dores,
frustrações ou amarguras. É a que se associa ao momento bom, como a perda
inerente a cada encontro, como sentimento de certeza de que tudo aquilo
passará… Tristeza feliz é a que só surge depois dos encontros verdadeiros, tão
raros. Encontros verdadeiros são os que se dão de ‘self` (si mesmo) para
‘self`, e não de inteligência para inteligência, de concordância para
concordância, de interesse para interesse. Os encontros verdadeiros prescindem
de palavras. Prescindem até, do clássico ‘precisamos conversar’… Quem se alegra
demais se distancia da felicidade. Felicidade está mais próxima da paz que da alegria,
do silêncio que da festa, do encontro que do debate. A alegria é ‘um Dom
Divino, filha do alto Eliseu’, como diz Schiller, o poeta, no verso que abre a
‘Nona Sinfonia’ de Beethoven, mas ouso dizer que ela é divina na medida em que
é um Dom, uma graça, uma centelha doada aos homens, para enfrentar a vida.
Eu diria que a
alegria não é felicidade, e que a felicidade, muitas vezes, está mais perto da
tristeza do que da alegria. Felicidade está mais perto da tristeza, porque a
certeza da perda sempre se instala a cada vez em que estamos felizes. Cada
encontro está carregado de perda. Nesta vida. E até na outra, que se existe (e
permitirá o encontro redentor), precisou da perda desta vida. E esta certeza –
a da perda – a que provoca aquela lágrima ou aquela angústia, que a gente não
sabe porque às vezes se instala após os verdadeiros encontros. Há sempre uma
despedida em cada alegria. Há sempre um ‘e depois’, após cada felicidade. Há
sempre uma saudade na hora de cada encontro. Antecipada.
você trouxe com as conchas das mãos abertas
ResponderExcluiruma água pura, pura
...
beijo carinhoso,
Tânia, boa noite.
Tania,
ResponderExcluirAcredito piamente que a " felicidade está mais próxima da paz que da alegria, do silêncio que da festa, do encontro que do debate."
Vou reler o texto e pensar mais sobre ele.
Beijoss
Concordo com a Lelena, de fato é pra se reler pensar bastante. Bjo.
ResponderExcluirÉ isso, meninos...Também acredito que a felicidade traz serenidade. Deve ser, que eu não a conheço tão bem...
ResponderExcluirBeijos aos três.
"Alguém que o ama ou o detesta, sem nunca ter sofrido ao seu lado, é alguém desencontrado com você."... fiquei me perguntando como se pode amar alguem e nao sofrer ao seu lado?
ResponderExcluirEsse sentimento de que tudo passara, do provisorio, da perda... creio ser pela certeza da finitude que cada ser humano carrega em sua essencia... sabemos que de algum modo tudo acaba, pq retornaremos para um lugar que acreditamos existir segundo a nossa crença individual...
Esse texto no final de tudo, me fez pensar é que temos que aproveitar a felicidade por quanto tempo ela permanecer ao nosso lado...pq certamente um dia tudo muda...
Interessante texto...