Os sapatos envelheceram depois de   usados 
Mas fui por mim mesmo aos mesmos   descampados 
E as borboletas pousavam nos dedos de   meus pés. 
As coisas estavam mortas, muito   mortas, 
Mas a vida tem outras portas, muitas   portas. 
Na terra, três ossos repousavam 
Mas há imagens que não podia   explicar: me ultrapassavam. 
As lágrimas correndo podiam   incomodar 
Mas ninguém sabe dizer por que deve   passar 
Como um afogado entre as correntes do   mar. 
Ninguém sabe dizer por que o eco   embrulha a voz 
Quando somos crianças e ele corre   atrás de nós. 
Fizeram muitas vezes minha   fotografia 
Mas meus pais não souberam   impedir 
Que o sorriso se mudasse em   zombaria 
Sempre foi assim: vejo um quarto   escuro 
Onde só existe a cal de um muro. 
Costumo ver nos guindastes do   porto 
O esqueleto funesto de outro mundo   morto 
Mas não sei ver coisas mais simples   como a água. 
Fugi e encontrei a cruz do   assassinado 
Mas quando voltei, como se não   houvesse voltado, 
Comecei a ler um livro e nunca mais   tive descanso. 
Meus pássaros caíam sem   sentidos. 
No olhar do gato passavam muitas   horas 
Mas não entendia o tempo àquele tempo   como agora. 
Não sabia que o tempo cava na   face 
Um caminho escuro, onde a formiga   passe 
Lutando com a folha. 
O tempo é meu disfarce.
Paulo Mendes Campos, Belo Horizonte, MG - 1922-1991.

 
Nossa, fim de tarde ganha, Ci...Ando ausente e eis que venho ao Mínimo e enconto o máximo.
ResponderExcluirBeijo grande,
Ganhamos nós, Tânia!
ResponderExcluirTenho sentido tua falta, viu?
beijoss
muito belo!
ResponderExcluirbeijos
Obrigada, Luíza, tua visita é sempre muito bem-vinda!!!
Excluirbeijos
Cirandeira,
ResponderExcluirHá o tempo onde o tempo nos travessa o plexo. Pode ficar mais leve depois disso, ou mais "adensado". O estômago pode se (des)contrair, na dependência do que se toma por tempo ganho, tempo gasto, tempo como chão ou gesso para o nosso mover. Mas não existe retorno à inocência em nenhum dos casos: o descobrir da primeira água, o primeiro passeio de insetos, as músicas cujas estrofes adiante seriam inimagináveis e passam a ser cantadas mentalmente, na antevisão de alguns compassos. Na arte [e só na grande arte isso é possível, jamais numa melodia de quatro acordes pré-desenhados] procuramos lampejos dessa descoberta inaugural, esse estar em estado de interjeição, tão imersos como se fôssemos a criança do primeiro sorriso. Ou da primeira lágrima.
Bonito texto do Paulo que já fez a travessia deste tempo, tal qual dimensionado desde cá embaixo.
Um beijo, amiga.
É verdade, Marcelo, não existe retorno a coisa alguma, pois tudo se renova ou se deteriora de vez; seguimos ou estacamos, a vida tem as suas próprias leis, e nós, por não compreendê-las ou por não aceitá-las tentamos nos ludibriar com alguns esboços de lampejos. Tudo passa...!
Excluirum beijo
"O tempo ouve-se e não se vê.
ResponderExcluirO tempo morre e renasce.
O tempo está-nos nos ossos.
Os nossos ossos são também a consciência de que ele existe, para mal do nosso tempo.
Ou então esperem...
Melhor!
Um dia vi: um mendigo de passagem deu uma maçã a outro mendigo sentado na beira da estrada.
O tempo parou de repente.
O som dissipou-se no ar.
Foi naquele gesto que renasci".
Bernardo Sassetti