quarta-feira, 2 de maio de 2012

“Foi o Carl Sagan o meu primeiro mestre”





ENTREVISTA COM O POETA LEONARDO B.






Lendo o poeta das ausências, cujo pássaro invisível anseia por captação-sem-captura, teci este Corpo de Espera.



Corpo-de-Espera


Poucas vezes vi o corpo
procurar-se, como nesses dias.       
Se me chamasse o corpo pelo nome,
se me chamasse por qualquer outra
razão que fosse, mas não. O corpo
a si mesmo se chamava.

Inteiro procurava estar, em
dedos de chuva. Há tanta coisa 
à vista que o distrai de estar a
sós consigo.


Território à parte, sofre.
E desse sofrer, só ele mesmo
sabe, enquanto se descobre
corpo derrotado.


[Tantas as inundações].


Corpo de fogo, em sombra
se arremessa. Não se furta à
luz, ainda que furtado.


(Marcelo Novaes)









RV - A barca dos amantes, nome de um de seus blogs, é também o nome de uma parceria de Sérgio Godinho e Milton Nascimento. Alguma relação entre as duas coisas?(Roberto Lima)

LB - Precisamente, Roberto, tem uma ligação tanto de directa como acidental… mas sobretudo de valor emocional; à altura, lá para os idos de Setembro de 2009, quando retomei após um grande interregno o texto poético, (um retomar após dez ou mais anos sem escrever um verso que fosse) acidentalmente aconteceu de novo a escrita e com ela uma quase necessidade de procurar um espaço em branco, que mais que papel, mais que um muro ou mesmo mais que simplesmente um silêncio… aconteceu na forma de blog (que prefiro apelidar de esplanada, mas isso são apartes de somenos!…) e como estas coisas digitais nos exigem nomes para o esqueleto, quase instintivamente ainda pensei no titulo do primeiro poema editado, o Das Razões dos Simples, salvo o erro… mas não me soava, parecia-me tão estranho quanto pretensioso, um pouco altivo… e então, como na altura que tinha que me decidir o nome do blog antes de o submeter… e porque a música (vá lá entender-se…) está em todos os lados onde me encontro, estava a escutar a Barca dos Amantes, e ficou mesmo por ali, decidido e sem recurso a instâncias superiores que assim haveria de ficar… e ficou até hoje. Desde muito cedo, talvez desde que me lembre que a música entrou na minha casa, que o Milton Nascimento e o Sérgio Godinho que foram e são “presenças” tão assíduas que me sinto assim um pouco como irmão mais novo, um caçula acidental de que estes dois não fazem a mais pálida ideia de que existe, mas existe… e justamente por esse texto que cantam ambos por melodia e mundo tomar, em minha opinião, as formas de representação dessa Barca dos Amantes como uma grande metáfora da poesia, do que ela representa, metamorfose perfeita entre palavra, palavra e vida, declarando a poesia ela própria como o sitio «onde o que eu sei deixei de ser/onde ao que eu vou não ia dantes.»… então que melhor ponto de partida, que melhor ponto de apoio um pouco naquele sentido  de Arquimedes para o mundo (ainda que eu não, não o pretenda mover este que habitamos, até porque está muito bem onde está!) que esse singular encontro da palavra de Sérgio com a melodia de Milton, para tomar por referência o regresso, esse retornar ao meu pequeno mundo dos versos?

O que no entanto não me deixa de ser curioso e muitas vezes me interrogo, ao porquê de e precisamente A Barca dos Amantes manter esse nome, se ao longo de todo este tempo ainda não escrevi um poema que fosse, um daqueles convencionais poemas “de amor”, com todos os jeitos e trejeitos dum autêntico e bem calibrado verso de amor… não sei porquê: ou talvez se viva tão intensamente esse dito cujo ali na Barca, que nem é preciso cantá-lo… talvez, digo eu, vá, não sei…   

Mas contudo, nessa questão da Barca dos Amantes, ainda tenho uma enorme dívida por liquidar que não traz males ao mundo, mas tenho que cedo ou tarde tenho que cumprir: ler o romance do Antônio Barreto, esse romance talhado a partir  da paixão de Marília e Dirceu, que não consegui encontrar, até hoje, tê-lo entre mãos… mas amanhã, um dia destes, logo se verá se consigo ou não… 

RV - Fale-nos um pouco de Leonardo B. Quem é esse homem? (Roberto Lima)

LB - É tão simples essa questão e da forma como é colocada, que não tenho dúvidas de que é das mais difíceis questões a que alguma vez possa responder; de todas as possibilidades de resposta a que possa aludir “esse sujeito”, a esse tal de Leonardo B., todas elas têm o tanto de ilusório como das mais firme convicção que “este sou”, este é vivamente “aquele que sou”… mas tão pobremente saberei como falar desse pedaço quase excedente, quase “a mais” que trago no corpo.

Como é sabido por uma parte substancial dos que me conhecem (mas nem todos, naturalmente, até porque andar em bicos dos pés é doloroso e não traz benefícios para a saúde!), o sujeito Leonardo B. é pseudónimo que não responde pelo homem comum e mesquinhamente social que o criou, aquele que se olha ao espelho de quando em vez e procura mais “aquele que está para lá de” e se faz passar no mundo com Leonardo, que o que vê como “reflexo”. No reflexo desse espelho, o João, vê um homem comum, quotidiana e absurdamente comum, que faz a barba todos os dias, que raramente sorri quando acorda para o cumprimento dos seus deveres e obrigações (porque direitos, raros!), que sente apreensão e angustia na relação com o mundo, que duvida e desconfia dos males que vão por aí crescendo como cogumelos que haverão de envenenar os nossos filhos, muito mais ainda que a nós, um homem que também medita, olha e escuta o pulsar do dia. Nesse espelho, reflexo quotidiano, esse João erra tanto quanto possível, errou muito mais que o que estava na conta e haverá de errar ainda um pouco mais, permitam-me os anos, esse pequeno e raro direito… mas que pelo menos hajam vitórias de caminho para consolo. Nesse homem comum tenho de reserva doenças que trago de bagagem (uma ou outra que me limita até à medula!), razões para todos os gostos, tamanhos e medidas e sorrisos avulsos… que no livro dos deves e haveres da vida é o pouco que um homem comum, no interior dum país envelhecido e gasto, sem grandes esperanças (ah, a esperança, esse ópio dos tolos!…) ou ilusões, pode trazer; ainda assim, esse João está a salvo por ter por traves mestras um pequena mas imensa família, dois ou três amigos que fazem regenerar todos os dias o sangue… e pouco mais, mas o suficiente, mais que suficiente!

Já “aquele que está para lá” do espelho, o Leonardo B. que escreve e não precisa de rosto para coisa alguma, é um outro, o ponto intermédio de que falava Sá-Carneiro, a distância que todos os dias se procura tão exacta e concreta, como imprecisa e indefinida: e esse, esse tal de Leonardo, “sou”… enquanto o outro, aquele que me transporta, vai existindo o melhor que pode, o melhor que sabe, o melhor que permitem as circunstâncias... A esse tal de Leonardo, a esse e quando se fez ao caminho e por aí coleccionou momentos, pedras e atalhos com tanta convicção, caminha hoje como amanhã pode desistir se lhe faltar o prazer para prosseguir… esse Leonardo é uma questão de tempo, enquanto “ser”, essência, adorno; ao outro, ao que lhe dá corpo, já as obrigações são mais penosas: vive para e pelo tempo, e como qualquer um de nós, desiste ou continua…

E ainda assim, pelo menos para mim próprio, a questão contínua e continuará sem resposta: quem é esse tal de Leonardo, esse Breve Leonardo? Talvez que alguns dos que me rodeiam melhor o possam responder a essa questão, ainda que esses, como qualquer um dos que nos rodeiam, respondam com as mais firmes convicções de quem tem o coração entupido, tantas vezes filtrado pelas enormes dioptrias emocionais deste quotidiano que nos atropela…    


RV – Leonardo, o que a poesia do poeta Leonardo B. revela do homem? Qual a distância que existe entre um e outro, onde se assemelham, onde divergem? (Tânia Contreiras)

LB - Penso (ou pelo menos quero crer!) que “essa poesia” coincide comigo, enquanto “sou”, enquanto me urge a presença duma força vital, enquanto me procuro e me entrego como reflexo nos detalhes que me causam espanto no mundo, me animam e me fazem mover como acto continuado; uns chamam-lhe busca e criação, outros, como eu, chamam-lhe palidamente de corpo e alma de principiante; um pouco como num poema chinês que dizia que «Eu fui e voltei/ Não era nada de especial.»… e talvez “essa poesia” não mais que um estranho reflexo, uma estranha forma de ver detalhes tão mundanos quanto brevemente eternos, um estranho eu, um quase nada de especial… apenas o melhor leitor possível da minha própria natureza enquanto homem: até porque quero crer no que afirmava (penso que com grande acerto!) o Agostinho da Silva de que «lerás bem quando leres o que não existe entre uma página e outra da mesma folha».

Neste breve percurso que tenho por meu, não acredito que tenham sido muitas as vezes em que tenha revelado no poema, na escrita, por aquele lado mais confessional que tanto admiro em alguns poetas (sobretudo na “poesia em carne viva” da Sylvia Plath, da Anne Sexton!) mas na parte que me revela e cabe de todo em todo, e de alguma forma coloco de parte enquanto assumo o acto de criar o poema: raramente está lá, no poema, o estado de espírito, o “prato do dia” emocional que permite a leitura imediata, do boletim metereológico da emoção do poeta… isso apenas muito raramente, e quando acontece, faço-o “acontecer” de forma tão subtil que por vezes me consigo enganar a mim próprio. Esse papel de ilusionista diante do poema é-me essencial… ou melhor, procurar a arte do funambulista enquanto homem que escreve, é-me essencial: percorrer-me duma ponta à outra da corda imaginária do poema o mais habilmente possível, sem perder a noção de que sou mero veículo da palavra, do reflexo espontâneo do que recolho em cada lapso do meu tempo, com um simples olhar, o detalhe, um momento, um curto espaço do tempo que se revela e vai… é-me essencial! 

No entanto, e como quando contemplamos em dia ameno o mar aparentemente calmo à superfície, não devemos deixar de atentar ao que vai no seu interior, nas suas fortes correntes e movimentos… e assim como o deveríamos atentar nas coisas que tomam conta da nossa vida, e neste particular no poema, seria de grande utilidade uma atenção redobrada ao que se move na entrelinha do texto, na pausa do verso, no coração da palavra: aprender a ler para além da aparência, além da própria letra é um detalhe quase tanto ou mesmo tão importante quanto ao próprio poema; é nesse “instante” que se encontram as semelhanças e as divergências do poeta enquanto homem e do poeta enquanto poeta… que são necessariamente muitas, ainda que o vértice desse estranho ângulo esteja sempre apontado, inevitavelmente, para nós próprios enquanto nos insistimos em pensar apenas ponto intermédio.


RV – Qual ou quais poeta(s) brasileiro(s) que você conhece e gosta, Leonardo? (Tânia Contreiras)

LB - Para tão grande prazer meu, alguns estão bastante perto de mim, nesta conversa… e outros não estão, mas estarão… por certo! Mas contudo, de nada adiantaria citar nomes (até porque cada um e pessoalmente, sabe da estima que lhe tenho!) e só posso confessar que estar “no activo” ao mesmo tempo que alguns dos poetas que maior admiração nutro, no outro lado do atlântico, é uma sensação única de estar no caminho certo, no tempo certo do universo, apesar da distância irregular dum oceano… mas coisa de somenos, um detalhe apenas esse mar!

No entanto, ainda que tardia, a minha leitura de alguns poetas brasileiros, (poucos, até porque escasseiam as edições de poesia brasileira por aqui, neste lado do quintal!) não foi muito frutífera; não pela qualidade das sementes, mas antes pela minha inabilidade em apreciar, em atentar cuidadosamente essa delicada árvore. A cultura brasileira entrou-me em casa muito cedo através da música (sempre a música!), o que muito naturalmente limita um olhar mais abrangente sobre um todo muito mais vasto, e em particular à manifestação da poesia, dos escritores brasileiros; ainda assim, através dos meus irmãos mais velhos, cedo comecei a escutar as palavras e melodias do Chico Buarque, do João Gilberto, do Grande Tom, do Milton Nascimento e essa tornou-se, para o bem ou para o mal, a minha rudimentar escola onde aprendi os aromas da poesia brasileira; os outros, os graduados nas academias do poema, chegaram muito mais tarde e sobretudo através de antologias, o que naturalmente comprime o olhar e desvia-nos do essencial. No entanto, haja tempo e lá chegarei…

Agora e neste momento, são tantos os poetas brasileiros que ainda não sendo “nomes significativos” (e seja lá o que isso for, porque nem me soa a grande coisa!) são dum vigor, dum renovado trago de ar fresco tal, que por tempos ainda quis por nas cordas do sol o sonho de que tarde ou cedo poderia trazer para este lado do atlântico alguns dos “meus”, talvez montando as tendas de retalho na criação duma editora onde pudesse partilhar os trabalhos de ambos os braços do atlântico, ambos os rios de poesia que partilham esta língua comum… mas neste momento, ainda que não esteja completamente colocada de parte essa questão, será muito difícil de moldar essa questão… até porque ainda que seja tentador, e nesse sentido ainda tenha desenvolvido e mantêm-se em movimento mais lento, o Oficina.Casulo, muitos são os obstáculos que se impõem e o maior de todos eles, a noção de que nem sempre o poeta é o melhor editor… ou até pode ser, mas quem sabe? Fica para já o sonho, a pedra da nascente…          


RV - Até que ponto a poesia faz parte de sua vida ou com qual intensidade?  Você viveria sem ela? Bj (Adriana Godoy)

LB - É delicado falar da minha convivência quotidiana com a poesia, mas apostaria que é das poucas relações sinceras, saudáveis, que mantenho com plena consciência que ambos conhecemos um compromisso muito salutar: quando ela, a poesia, me quiser “abandonar”, que o faça… pois que eu procederei de igual modo; e vistas assim as coisas, o nosso vínculo torna-se bastamente proveitoso a ambos, ainda que muito mais a mim que à poesia propriamente dita, e assim sendo não vemos motivos comuns para separação de facto… (sublinhe-se este sorriso largo, por favor!)

E quando falo de “relação”, da forma como o faço, é com plena convicção, Adriana: respeitamo-nos mutuamente, exigimo-nos o compromisso da verdade, concordamos no mais das vezes o que é melhor para ambos… e por vezes cede a poesia, por vezes cedo eu… e fica tudo equilibrado: assim sendo, como é que poderia “viver sem ela”? Não, de todo! Ainda, em tempos, experimentei o romance (um tipo que nunca sabe o que quer, de facto!), o conto (o adolescente que não sabe nem quer saber se alguma vez vai ser adulto… um rebelde!), a pintura (essa coisa abstracta que teima ser “coisa concreta”!), e até a fotografia (como um namoro descomprometido, claro está…), mas nada: a poesia é o que me traz ao mundo como aprendiz de vagabundo, um idiota que pensa ser “o caminho” a sua própria nação, um sonhador não remunerado, mas feliz e contudo movendo-se… e devolvendo-me a alma, essa que cantava Milton, «Lapidar/ minha procura toda/ trama lapidar/ o que o coração/ com toda inspiração/ achou de nomear/  gritando: alma»… ela, a poesia!   


RV - Leonardo, que lembranças você tem da Poesia quando você era um menino?
E os seus avós como vivem em sua alma? Forte abraço.  (Domingos Barroso)

LB - Nenhuma, nada, Domingos: nada de nada! Como única recordação em forma de livro, que trago da infância, é tão-somente o meu livro do ensino primário. Em casa, na modesta casa onde cresci, os livros eram raros e quando começaram a fazer as primeiras aparições, eram “coisas” compradas a metro, no Circulo de Leitores; ficavam bem na estante, davam uma cor à casa, mas nada mais que isso.

O prazer dos livros chegou-me já na adolescência, nesse tempo que gratamente recordo, em que grande parte das mesadas e das prendas de aniversário ou de natal, quando em dinheiro, iam directamente para as livrarias barateiras ou para as feiras do livro… era uma festa quando a qualidade correspondia à quantidade de livros que conseguia comprar, quase sempre em segunda-mão… mas isso era o menos importante: importante era o sorriso que levava pela Rua Nova do Almada, até ao Cacilheiro, onde em pleno rio começava a desfolhar as primeiras páginas daqueles livros já manuseados mas não privados de alma, do aroma singular de livro, o livro… e como me sentia importante… o fedelho mais rico do mundo, com uns quantos livros só meus… eu, um garoto no mundo de adultos, com bens mais preciosos que os deles…

Já dos meus avós, não tive a sorte dos meus filhos: dos meus avós não me recordo, faleceram antes que pudesse deles algo por memória, e das minhas avós, pouco ou nada, tudo muito frio, tudo muito rígido e certo num mundo de gente certa e bem empedernida, pela “firme educação” a que me foram sendo moldados os primeiros laços familiares, absurdamente severos e firmes, da firmeza que não se interroga… conserva-se! De fora ficaram os afectos, as histórias, as memórias que nos fazem perpetuar um pouco no tempo…

RV - Leonardo, querido amigo, sou fascinada pelo teu espaço poético "A barca dos amantes", mas devo confessar: teu "Diário das ausências" me toma de um jeito único. Cada fotografia, em si, traz um poema, inúmeras possibilidades, e ainda assim as imagens sempre surgem acompanhadas de palavras belíssimas. Eu, que já calava admirada diante de cada poema teu, fico ainda mais silenciosa e preenchida de poesia quando passo por esse vasto mundo de imagens poéticas. Pergunto: uma imagem vale mais do que mil palavras (risos)? Beijo meu, Leo. (Dani Delias)


LB - Há muito tempo e num contexto diferente, escrevia numa crónica, em 2006, que «simbolicamente, a imagem tem uma estrutura, um peso de experiência que se armazenam lentamente na nossa constante mudança. Mas a palavra tem um poder semelhante, que associada à imagem, ao som, é motivo dinâmico do todo “o meu processo” como ser humano. Nem uma nem outra tem valor, em si, superior, ainda que ao mesmo tempo uma possa determinar um peso superior num contexto circunscrito. Nenhuma é mais, nenhuma é menos, ambas detêm um poder que vai para além da percepção do momento. A imagem e a palavra podem formar um contexto tão esplêndido, quanto impar, tal como o melhor poema sobre uma sublime composição musical. As imagens e as palavras, são para o bem e para o mal, como o melhor casamento, em que ambos os parceiros se amparam nos momentos de infelicidade e perturbação, nos tempos de prosperidade e abundância, mas nunca deixam de discutir entre si o melhor ângulo, a melhor solução, o principio e o fim, recorrendo entre si a todos argumentos confluentes.»

É aí que procuro, em cada momento (ainda que não pretenda mais que um valor documental bastante circunscrito, no Diário das Ausências!) captar “o momento”: uma imagem que tente suportar o peso de mil palavras, mas apenas as minhas… ainda que os valores e medidas não sejam comprováveis, nem mensuráveis… não entram na escala das valias, essas imagens ou palavras que pretendo remeter para a minha casa interior das emoções.

Já noutra esfera do possível, na vida da linguagem que é o fotojornalismo, por exemplo, acredito que pode fazer todo o sentido a expressão que o Robert Dilton deixou para a nossa efémera eternidade… e todos nós, de uma forma ou de outra, já testemunhámos que uma imagem em determinada circunstância, num determinado contexto do tempo “valeu” as milhares e milhares de palavras que nunca se alcançarão… por muito que se tente.


RV – Percebo aqui e ali, mas bem espaçadamente, o humor em seus versos. Já na vida (ao menos na vida virtual) vejo um Leo com grande senso de humor. Seria a poesia mais séria que a vida? (Tuca Zamagna)

LB - São áreas diferentes duma mesma casa, têm formas e funções diferentes, ainda que sejam um todo, e sirvam os mesmos desígnios; como não me canso de sublinhar, digo e relembro-me, sempre e sempre, que raras são as coisas mais tristes que um poeta sem sentido de humor… é deprimente, no pior dos sentidos! – Mas com o mesmo cuidado que se unem, assim se separam as águas e logo se vê se “a coisa” dá certo… e isto, penso, já vinha nos manuais de escola dos tempos do Criador.

A poesia, a poesia que procuro, dessa forma que a consigo perscrutar, é o mais das vezes introspectiva e aborrecida (já olhou bem para “o tamanho” de alguns poemas meus?)… mas, é a que se deixa “levar pela minha cantiga”, é a que me admite na sua casa e como tal, devo-lhe esse respeito, não vá a relação dar para o torto; todavia aqueles que procuram a poesia duma forma mais extravagante, mais desinibida e a encontram em trajes menores, a esses tiraria o chapéu se o tivesse e fosse tempo deles… dessas cortesias. Admiro os que conseguem levar para dentro da poesia o erotismo, uma ou outra extravagância com sabedoria, o humor com elegância (um luxo raro, mas que existe, existe!), mas essa definitivamente não é a forma como a poesia me chega… e me desarruma a casa sem pedir licença: a minha, a que penso que possuo por minha, é séria e cheia de utopias (que por vezes parecem mais miopias, mas vá!…), mais de trazer por “universo” que de trazer por casa, mais adjectivo que verbo de encher… e é assim que gosto dela!  


RV – O que achas da poesia post mortem de autores como Clarice Lispector (que em vida nunca escreveu em versos!), Mário Quintana e outros que "continuam escrevendo" graças à psicointernetografia? (Não vale repetir a resposta dada lá no Facebook!) (Tuca Zamagna)

LB - (Nem a Mestre Tânia permitiria semelhante atrevimento, esse de fazer copy/paste!…)

Pois que dos mortos, porventura, poucos serão os que reclamam ou se acharão nesse direito, aos vivos tudo se lhes pensa ser permitido… e assim vai o mundo, em definho, mas bem intencionado!

Mas, conviria talvez distinguir entre os aforismos e citações (faço acrescento!) «e não os adorar a todos igualmente nem passar sobre todos a mesma condenação desdenhosa», advertia Agostinho da Silva, e muito bem, se houvesse respeito pela
”fonte”, que não é inesgotável e muito menos parva, ainda que já tenha passado desta barca para outra bem melhor (digo eu, vá, não sei!...).  

São insondáveis, esses mistérios mas e sobretudo, a quem servem, perguntamo-nos? São mistérios sem resolução à vista até porque esse “perpetuamento” não é “mais que uma questão de moda, ou não fosse a citação instantânea (sobretudo de famosos que já bateram a bota!) um renovado e bastante sofisticado “ópio para o povo”, mas com as propriedades da água destilada: é agradável à vista, é inodora, não afoga, nem mata e sobretudo, não serve para quase nada, ou nada, senão para encher mural no facebook; todavia, é elegante e assim como assim, renova higienicamente a obra que ficou por anotar por esse clube restrito de escritores que vão tendo uma obra em modo refresh, ainda que os ditos já tenham embarcado no Caronte, para o Hilton do Hades, há muito, muito tempo…”

(agora teve que ser um copy/paste; não havia volta a dar…)


RV – Aceitas o desafio de escrever, aqui, um poema, de seis a dez versos metrificados (decassílabos ou alexandrinos), que fale em horizonte(s), tesouro(s), farol(ois), astrolábio(s) e Camões (só assim, no plural...), mas não em mar nem em navio nem em quaisquer outras palavras diretamente relacionadas a águas e embarcações? (Tuca Zamagna)

LB - Esse é um desafio complicado, daqueles à antiga portuguesas, mesmo… daqueles só à altura do poeta que já está bem atado à garrafa de oxigénio, cheio de tubos à prende-lo ao mundo, mas posso tentar…


“Se a tanto me ajudar o engenho e arte”
Como mais um sol ilumina o sábio
Para lá da linha todo horizonte,
feito peito ninho astro, astrolábio
lá, Refeito nuvem, palha e tesouro
“Cantando espalharei por toda parte”
Refiz neste peito, farol maior
de mais valia que no mundo o ouro…

E ora que aí está a minha primeira e espero que última “aventura camoniana”!

RV - Nutro imensa afeição, carinho todo especial por este poeta, que a partir do primeiro instante que fez seu comentário, verdadeiro poema, no meu blog, não deixei mais de visitá-lo na Barca e assim num dia, em 2010, sem pensar muito, num arroubo, solicitei que fizesse um comentário como costumeiro, no livro que pretendia lançar no ano seguinte. E não somente concordou, como fez simplesmente, de maneira tão generosa, o prefácio. E esteve presente em todos os instantes que precederam e no momento “mágico” do lançamento do livro, que nunca vou esquecer. E tatuado assim, deu pra sentir que temos uma história, pautada em respeito, carinho mútuo, afeição, numa grande amizade. E o oceano fica ínfimo diante dela!

Lendo teus poemas, imagino que caminhas a olhar o céu, as nuvens, por vezes num olhar perdido no horizonte, noutras, interrompendo a caminhada para olhar um inseto, a folha que cai mais a frente... Num caminhar atento, inacabado, reticente, retomado... Sempre novo, a cada dia... Como é esse teu estar no poema (mesmo que seja único cada momento), fala um pouco da tua intimidade com as palavras, como se processa esse instante tão íntimo da criação. (Marlene Edir Severino)

LB - Com que gratidão, recolho a introdução, como sinal que prova esse “quase sacramento” que se manifesta por amizade, Marlene!
E assim é, uma boa parte do processo que antecede a escrita, os momentos que antecedem o acontecimento da “tinta que me revela”, para o bem ou para o mal, como caminho urgente e inacabado, por renovar; sinto-me grato por se pressentir na forma final, por poema, essa parte essencial, a minha primeira solidão voluntária com o mundo, ao percorrer parcela de caminhos, adentrando na essência das pequenas clareiras que frequento e ainda vão permanecendo mais ou menos intactas… e que pela minha passagem, mais intactas ficam: delas recolho apenas o estritamente necessário… não mais que um olhar, um detalhe, uma fragrância que não sei identificar e então invento mais um nome, mais um detalhe. E no mais, no entanto, não há qualquer ciência…

O mais comum, o mais frequente momento em que o poema “me acontece” é pela manhã, curiosamente… talvez porque seja um animal demasiado diurno para acontecer à noite; a luz é o meu ponto de apoio permanente, e simultaneamente o que penso ser o mais próximo do seu contraponto! Mas isto é o mais vulgar, o mais óbvio olhar do que depreendo do meu “processo” de escrita: um verso, uma imagem, um sinal de melodia resguardam-se, por vezes, dias e dias, como se fossem uma espécie de casulo… que quando têm que acontecer, deixo que me aconteçam, enquanto a mim, a mim cabe-me o mais singelo acontecer como veículo da palavra, como um pequeno reflexo apenas, do mundo que me serve por horizonte, enquanto essência, enquanto “momento”… e é estranho, mas é assim que funciona e não consigo encontrar ciência nesta forma de ser, enquanto “sou” e vivo, a palavra…. o mais singelamente possível, a palavra.


RV -Sinto-me conectada com o universo nos teus poemas, onde transparece o poeta como parte, fragmento do todo, do cosmos, do universo, num olhar amoroso e de respeito sobre todas as coisas que vê e sente intensamente. E sempre, sempre me emociona. Fala-me sobre isso. (Marlene Edir Severino)

LB -Já algumas vezes invoquei um pequeno texto que escrevi há muito, mas não retiro uma, uma linha que seja: «Gostava de ouvir o que está por detrás da brisa suave, tal como gostava de dizer as palavras sábias que em silêncio os sábios escutam... Esse, presumo, será o "Caminho em Si"... a longa distância a percorrer, pelos que olhando para trás sabem exactamente a pedra onde se irão sentar!...»

Não me canso de invocar essas palavras que me trazem como se fossem uma espécie de âncora ao longo do tempo, ao longo deste percurso, que até me parece breve, mas não… já tem algumas pegadas bem marcadas. O facto de habitar, hoje, numa aldeia encalhada no interior de Portugal, com todas as vantagens e desvantagens que esse “detalhe” pode trazer ao percurso no meu espaço e no meu tempo, faz-me sentir sublinhada uma introspecção, uma comunhão mais intensa com os elementos, com a terra, com os caminhos que teimam em ficar vincados, quase ao abandono, com uma grandeza sem interferências fixada no céu e nos seus detalhes, com as agruras dum meio inóspito que se fazem moldar na natureza humana por mais ásperas, mais rudes, mais desencantadas… e isso, tão naturalmente, faz-se reflectir num respeito mais acentuado no “pequeno pormenor”, no detalhe mais ínfimo como se fosse reflexo dum todo bem organizado e tão vasto como o nosso universo conhecido e uma boa parte do desconhecido… e é aqui que entram as minhas origens, o nascer e crescer perto do mar, das tardes junto ao atlântico, e que se refazem com mais intensidade na memória que tenho de anos e anos a escutar as melodias do mar, dos búzios que me segredavam ventos, do cada grão de areia que não me perpetuou ao passo… e tudo isso, todos esses olhares que se foram sedimentando por memória, até acontecerem projecto de «sede de infinito», dessa que evocava Pascoaes no seu imenso Semelhança, muito mais que o infinito que cantava Florbela Espanca aos poetas, e que é licita, essa sede, como herança a quem se procura, a quem se urge no poema, esses olhares sim, reconstroem-me a cada dia. Essa amálgama de olhares, esse olhar esquecido na construção do tempo, essa ínfima porção do passo do caminhante, o esboço do caminho resgatado ao cada instante, a pouco e pouco vai conquistando espaço… e palavra, esboço de palavra. E o mais? O mais, ao que escreve, basta escreviver, acontecendo… o mais intensamente possível, e naturalmente “ser”!


RV - Imagino que assim como eu, os leitores de Leonardo, que amam sua poesia, gostariam de vê-las em “papel impresso,” (nada como o bom e velho livro), o cheiro do papel, aconchegado entre as mãos. E fico aqui, ansiosa aguardando a tua “Criança Inacabada”, o “filho” tão esperado. Quando será o lançamento? (Marlene Edir Severino)

LB - A ideia de livro atrai-me, diria… naturalmente, e até porque com o tempo também fui aprendendo a amar os meus poemas, como uma dádiva… ainda que se merecedor ou não, deixo as devidas reservas, as mais licitas reservas… 

Quanto ao livro, propriamente dito, ainda no início deste ano comecei a projectar a edição, a arrumar poemas em papel impresso e fazer a devida revisão, mas o processo não me correu tão bem como desejava; não me sinto totalmente satisfeito com essa recolha… e se a isso, somarmos alguns imprevistos, então temos inevitavelmente um adiamento… não sei se no ano que vem (que neste já creio ser improvável), se mais adiante, sei apenas que a “haver livro” terei que estar de corpo e alma nele (aliás o titulo provisório é Corpo Presente; a Criança Inacabada fica lá mais para a frente e não é mais que a reunião de parte dos poemas que completei entre 1986 e 1996… esse projecto vai ter que esperar um pouco mais, mesmo!).


RV- Irmão, quanto de tuas lágrimas são lágrimas de Portugal? Ou seja, o teu cantar é tão sentido e profundo também por seres português, um povo que tem no fado seu maior arquétipo, depois do Mar? (Eleonora Duarte)


LB - Esse cantar, essa condição de grandeza e vocação para o além da dimensão do possível é, creio, um equívoco nos nossos dias… pois que não me parece que tenham havido herdeiros legítimos, em Portugal, dessas lágrimas que se fizeram mar e que Pessoa fez acontecer no grande poema; Mais que fado, mais que saudade, o sentimento que hoje me domina enquanto português errando, errante, é o da sensação de bruma, de nevoeiro que me encerra e confina, enquanto que esse “Ser Português”, esse sentido de identidade e pertença a uma memória colectiva, apresenta-se mais como uma peça, uma pílula dourada vendida a retalho numa qualquer loja de velharias, que uma realidade: a noção que tenho por realidade é outra e apostaria que se fechou um ciclo, por muito que nos custe, por muito que me custe assumir. A herança maior, a que nos resta, é a língua comum e essa não se confina a um pouco de terra encostada na berma da Europa, que se tornou aos poucos o lugar derradeiro de Portugal; como nos avivava o José Gil, «só o presente pontual existe», nem passado, nem futuro, «o horizonte dos possíveis encolheu terrivelmente. Mas não se dá por isso, porque o próprio desejo de alargar desapareceu» e com essa vontade, esse desejo, a identidade como que evola-se: na urgência duma união com uma Europa distante, quase remota, o espaço de afirmação e presença assumiu a subtil forma de corpo de doença, de desunião no que nos restava de ideia de Portugal, desse Portugal para além do Fado Património da Humanidade, para além da tradição mediatizada até à exaustão, para além duma história em ruínas abandonadas quando acabam os espectáculos… o Portugal que nos sobra por herança é esse espaço que se desmorona na ansiedade de se mover sem “se inscrever” é o que temos e deixamos por ainda mais pesada herança, dívida por liquidar: «Toda a ideia de que Portugal pode desempenhar um grande papel no mundo, sem que seja plenamente restituído a si próprio, é uma ideia inteiramente absurda», escrevia Agostinho da Silva… fecha-se o ciclo e a partir daí, o lado mais remoto do que foi essa grandeza, é consolo, é o doce consolo da ilusão… e «valeu a pena? Tudo vale a pena/ se alma não é pequena”, ainda que a nossa tenha sido hipotecada a prazo, e se curto, se longo, não sei… sei que ficou a língua e dessa pode-se refazer uma pátria quando se entender por bem; os poetas estão cá para os trabalhos de reconstrução, como têm estado desde os tempos do Luís Vaz…      
 
Assim, Eleonora, as lágrimas possíveis são as invisíveis, as que se recolhem devagar e não podem acontecer por muito tempo… até porque ainda há muito nevoeiro pela frente!

RV - Na tua lida diária, onde fica o Leonardo B? Tu consegues preservá-lo da realidade? (Eleonora Duarte)

LB - Como num autêntico campo de batalha emocional… mas sempre campo de batalha: - É ridículo fazer uma afirmação destas… mas é o que se arranja, minha irmã!

Vivendo numa aldeia pequena e como as aldeias pequenas são iguais em todo o mundo, este “lugar concreto” onde tem crescido o Leonardo B. é um sítio onde as pessoas se acotovelam pelo lugar da frente no espectáculo das mesquinharias; poucos, dos que me rodeiam, sabem sequer da existência desse tal Leonardo… quanto mais respeito, o respeito que se agradece em qualquer um, em qualquer lugar do mundo e que nos conforta. Se tivesse obra no prelo e fama de autógrafo e diabos para vender a alma, seria o herói local; mas como penso que tomei o caminho mais longo e plenamente meu e de consciência… então, absurdamente, comporto-me no meu quotidiano como um refugiado (sem exageros, infelizmente!). Já me senti tentado, algumas vezes, a abandonar todo o trabalho que partilho pelos blogs, largando-o em definitivo para as gavetas lá de casa… mas a “conivência”, a “exigência” que a minha esposa me tem estimulado, de forma a não me abandonar a meio caminho, permitiram-me chegar a este ponto em que não abdico de percorrer esse tanto que tem que ser solitário, que vou definindo passo por passo, etapa a etapa… junto dos “meus”, que curiosamente estão quase todos nesse lado do atlântico, o que muito me apraz e gratifica… e me faz mover o tanto mais além que possa e saiba.

Preservar o Leonardo do quotidiano que me coube em sorte, não é tarefa fácil… mas se já chegou até aqui, porque não ir até um pouco mais adiante que seja? E bem vistas as coisas, há que ver o lado divertido de jogo “do gato e do rato”, sobretudo quando o gato não faz a menor ideia que o mais pequeno, o pequeno roedor disfarçado de poeta, está mesmo diante, mesmo à frente do seu nariz… falta de faro, digo eu!     



RV - Leonardo, gostaria que você me dissesse algo sobre "melancolia poética". O que seria isso, se mobiliza ou paralisa o fazer poético, e se estaria presente no seu texto, como motor ou resultado. (Marcelo Novaes)

LB - Nem sempre foi assim, mas há muito que parto dum princípio muito rígido para “trabalhar” um texto, um poema, um rascunho que seja: nada de melancolia, nada de tristeza… abstinência absoluta! Diante da folha em branco, apenas a serenidade… ou nada. O poema (e que seja perdoado, se exagero!) é como um acto sagrado, como o deveria ser cada acto de entrega incondicional; assim, não o consigo ver, nem entender que ao poema, à pintura, a qualquer manifestação artística se faça, se aconteça como lugar de confissão: o labor do poema é como a sagrada oficina na qual só entro e trabalho se estiver puro… ou assim me creia; ainda que reconheça no conjunto dos textos que tenho escrito até agora, pequenas tonalidades melancólicas ou pequenas e ténues sombras de tristeza, no meu processo de escrita quotidiano, no acto do poema, esses estados estão interditos… e se se “aproximam”, desisto de imediato… por instinto!    

E toda essa “inflexibilidade” por motivos bastante simples: as minhas propensões para a tristeza, para as margens da melancolia e da introspecção, são enormes no meu quotidiano, imensas… e quando assim é, creio ser mais honesto da minha parte procurar o confessionário ou o gabinete do psicólogo, do psiquiatra; a poesia como “gabinete asséptico”, nunca. Como pode ser, nesse sentido, Marcelo, pelo menos para o meu processo, essa “melancolia poética” é paralisante, e assemelha-se um pouco como ao álcool, então evito-a completamente: se o utilizamos para “descarregar” problemas, na esperança de os aliviar, tarde ou cedo torna-se esse álcool impuro um objecto contundente nas mãos, um autêntico problema… e o álcool não tem “culpa”, apenas deve arder para curar… e naturalmente, malgrado a pobre comparação, mas a que tenho mais por perto… E essa é uma “norma” de que exijo abster-me, das substâncias que podem transformar-se na própria dependência, como é o caso da melancolia… e o poema merece, merece sempre e sempre o nosso melhor, que é o que se dá a cada acto de criação…


RV - Leonardo, amigo querido, sempre digo que tuas palavras, teus rumos, tuas asas me conduzem à minha casa. Pois, então, gostaria de saber: o que há além, para lá do céu onde expandes as asas? E qual a morada que tua alma habita? (Andréa Godoy)

LB - Quero acreditar, Andréa, que a minha alma ou seja lá o que for dessa essência que me habita, tão invisível mas que sinto presente, é um misto de vagabundo e outro tanto de aprendiz, algo que não domino por completo e por isso me “deixa acontecer”, assim, sem nada de mais…

Ao longo deste percurso não me tenho detido muito sobre o porquê, o para quê, o como e quando da poesia que transcrevo do meu olhar; espero que esse balanço nunca me atormente! Se olho para trás, é tão-somente para me recordar do sítio de onde venho e a que alguma vez, porventura, tenha que regressar; não sei com exactidão as coordenadas que me têm guiado até aqui, a parte da equação que terei que inevitavelmente por resolver, mas também não medito muito no “para onde vou”, muito menos em projecto… assim, deixo a palavra fazer o seu trabalho, que eu faço o meu. Pela palavra, felizmente, não tenho morada em lado algum: estou o mais das vezes nesse lado do atlântico, outras ainda mais além e nos intervalos deixo qualquer coisa ao corpo que me reclama: a isso chamo tristeza, mas uma tristeza benigna e consciente. O que trago por alma e corpo não correspondem ao mesmo lugar neste meu tempo, neste que habito, mas pela palavra, pelo poema, tudo encaixa e sou devolvido ao meu próprio pedaço de universo… ainda que não me sinta errante, muito antes pelo contrário; vagabundo por convicção é como o Arquitecto sem-abrigo: não necessita de projecto para fazer uma casa… faz, porque faz o que tem que fazer, vive e deixa acontecer…

E se isso é o que me seduz na poesia?…  É e digo-o por convicção, tal li há algum tempo de alguém que escrevia que «o mundo acaba sempre por fazer o que sonharam os poetas»… e nisso acredito, nisso urge-me acreditar!


RV - Leo, seus poemas são riquíssimos em significados, com raras exceções, e ao contrário da maioria dos poetas, a complexidade deles se torna uma atração a mais. Minha pergunta a esse respeito é: a partir de que você pensa esses poemas de sentidos múltiplos? (Dade Amorim)

LB - Vida, vida, vida e nada mais que vida… dessa que não vem nos manuais!

Contudo, a complexidade talvez que venha por meu defeito; sinto que por vezes uma palavra, uma sombra, um sentido, deviam estar no poema e contudo estão a mais, dizem-me, por vezes… mas como a perfeição, o poema perfeito não é algo que almeje, então e se alguma vez lá chegar, nem darei por isso; o contrário sim! Dou conta muitas vezes de imperfeições (por vezes tão grandes e grosseiras!) que contudo não vou apressado a corrigi-las: o poema faz sentido por sentimento, não por prova de competição… e nem creio que a palavra esteja muito inclinada para a perfeição, o que não me impede de continuar a procurar o caminho onde essa mesmo se guarda… aonde é que ainda não descobri nem me seduz: conduz! 

No entanto, ao poema, mais que pensamento ou projecto, tomo-o ainda e mais e mais como entrega, entrega incondicional: e se no seu conjunto, os meus trabalhos, terão todo, algum ou nenhum valor, é algo que não perturba… retenho o poema (passe a pretensão) como um acto vital como é o de respirar: só expiramos o ar que inspiramos e dele guardamos de bagagem, algo… assim a poesia… olho, recolho do mundo, o que por bem recolho e tão-somente tenho que, de seguida, ao próprio devolver… e a isso chamo vida!

RV - Quais os poetas que o inspiram mais? (Dade Amorim)

RV - Nesse particular só posso causar desapontamentos: por muito que dê as voltas à questão chego a ponto de que parto; não encontro um único poeta que me tenha inspirado, particularmente. Noutros trabalhos do mundo sim… mas na poesia apenas encontro pessoas que pelo seu modo de vida, subtil forma de encarar mundos, me influenciaram no meu percurso, o que não penso que seja o mesmo que inspiração mais directa, no sentido mais comum da palavra…

Ainda assim, do mundo da língua portuguesa, trago gratas leituras do António Ramos Rosa, poeta maior, duma grandeza difícil de superar entre os poetas vivos, do Jorge de Sena, do Adolfo Casais Monteiro e duma forma tímida, do universo de Fernando Pessoa, tão denso e incompleto, tão estranho dessa estranheza quase mística e incompreensível. Doutros paralelos, a minha primeira experiência marcante aconteceu com Hölderlin, nos meus quinze, dezasseis anos, abrindo uma cicatriz que não sarou com o tempo… e aí, pela sua profundidade, pela magnitude de poemas como A Noite, ainda hoje sinto como que pequenas réplicas desse outro tempo que passou, mas não se ausentou por completo da memória.

Mais tarde tomei o gosto a outras leituras, a outros poetas, ainda que a minha leitura fosse muito rudimentar e muito pouco orientada, lendo os “suspeitos do costume”: um pouco de Eliot, outro tanto de Whitman, a descoberta muito tardia de Leonard Cohen, um pouco, muito pouco de Dickinson, de Dylan Thomas (o quanto me seduziu e seduz o Do not go gentle… nem imagina!) e pois claro, o “clarão” de Neruda… que um dia “devorarei” duma assentada, nem que para tanto me doam e possam doer os olhos! 

Mas têm sido essas leituras, tão poucas e aleatórias, que o mais que podia fazer seria tomar-me por erudito de contrafacção e “debitar” nomes e nomes de que ouvi falar… uns consagrados, outros não… e como todos eles e qualquer um merecem o meu respeito, calo-me por minha ignorância, tão grande ignorância…

RV - O que significam o mundo e a vida para você? Há alguma tendência religiosa em você? (Dade Amorim)

LB - Nasci num meio católico não praticante, que é como quem diz, católico para as estatísticas, mas aos vinte e poucos anos, por convicção própria, muito minha, fiz a minha primeira comunhão e um pouco depois tomei por sacramento o Crisma. Contudo, o momento mais elevado na minha caminhada como homem na fé, considero ainda hoje, foi o meu Baptismo no Rio Jordão, esse grande rio do mundo, e nessa mesma viagem (diria antes peregrinação!) a Israel, ter-me sido propiciado a minha primeira leitura, do Livro de Isaías, na Caverna dos Pastores… foi, naturalmente, um momento único e intensamente regenerador… que assim permaneceu e permanece até hoje! – Contudo, esse percurso não deu muitos frutos: seja por ter sido frágil a “construção” ou por outros motivos que sejam, afastei-me de toda e qualquer prática, ainda que permaneça bem viva essa “chama” ou tendência religiosa, mas que não faço manifestar num culto em particular: nutro um respeito muito rigoroso por todo o homem que procura Deus na sua religião, sinto a curiosidade natural por todas as religiões e pelos modos como entre si partilham essa folha em branco que é a “fé”, mas não pratico qualquer tipo de culto… ainda que tenha um especial carinho pelas comunidades ecuménicas, em geral e por Jesus Cristo, um amigo muito especial, demasiado especial…
  
Ao mundo, à vida, ao universo como um todo não tendo a pensá-lo numa perspectiva religiosa (ainda que algumas sejam sedutoras, quanto mais não fosse pela facilidade com que explicam os mistérios mais impenetráveis!), mas antes como trabalhos de casa para os filósofos (e como nesta era fazem falta alguns, com a fibra dos antigos!), para os artistas, para os homens da ciência e do mundo, do próprio mundo; à religião cabem outros assuntos, tão grandes ou maiores que o dito mundo que nos abriga… as “coisas” sensíveis, as “coisas” invisíveis como o coração que transportamos e por tão grande e tão carente de explicações, também tão desnorteado bate!… 

RV - A poesia te dói? Como nascem em ti esses caminhos, versos, que vagam por céus, rios, desertos, livros, raízes ancestrais? E o mundo, é concreto? (Andréa Godoy)

LB - Tão concreto, mas tão concreto como António Gedeão o definia e tão incondicionalmente subscrevo:

«Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer…»

E não, não me dói a poesia… e como podia doer um tão poderoso bálsamo, esta coisa que me salva e revolve, todos os dias?

E assim como quem se faz desentendido, vou fazer-te uma pequena confissão (que é como quem diz entregar uma chave para entrar um pouco mais nessa minha casa em construção!), partilhar um pequeno segredo: há pouco, a Dade questionou-me sobre os poetas que me tinham influenciado o meu percurso, enquanto poeta, enquanto homem, mas não sobre as pessoas, pessoas concretas que aqui e ali foram responsáveis não pela luz, mas pelo modo como vejo a espontaneidade fascinante da própria luz. Não que me fascinem muito as ciências (… e sejam exactas ou nem tanto!) mas existiram alguns homens de ciências onde encontrei tanta simplicidade que não posso negar deles, e entre eles alguns, como os melhores “guardadores” da chave do mundo e consequentemente, da poesia: entre uns quantos poucos, o Carl Sagan desde muito cedo foi, creio, a minha maior “influência”… muito, muito cedo: teria doze, treze anos, quando passava na televisão a série Cosmos, que me conseguia prender quase literalmente “à cadeira”, durante uma hora, mais ou menos. Não sei se aprendi muito ou pouco, ou até nada, mas da forma como o Carl Sagan falava dessas coisas misteriosas que são os astros, as formas de vidas, as galáxias ou as mais pequenas coisas da vida, com aquela intensidade de poeta sábio, com aquele sorriso de quem teve Deus por Mestre particular, aquela forma simples de chegar à mais profunda questão como se o próprio Carl estivesse ali mesmo, na sala de estar, paciente e sabiamente a explicar-me “as coisas do universo”… não sei, Andréa, mas penso que devo em demasia a ele para que lhe possa devolver algum dia, seja o que for… ainda que o mais que possa seja, será sempre noutro mundo. Foi o Carl Sagan, o meu primeiro mestre (poucos mais tive; tendo os melhores não são necessários muitos!) e muito provavelmente o meu primeiro professor de poesia, dessa poesia que nunca se aprenderá na escola… ou pelo menos nas escolas que conhecemos e frequentámos; e não que os mestres sejam maus… a média e a nota é que limitam os nossos professores, que por mais bem intencionados que sejam, serão sempre reféns do “programa”, do manual (e neste particular ocorre-me à memória o Clube dos Poetas Mortos, mas isso são outras histórias!…), desses objectos práticos que se traduzem por doentia obsessão pela “avaliação”… mas não a mestres como o Carl Sagan…

Ainda hoje, procuro nas estrelas não o seu nome ou categoria, mas a intensidade do seu brilho… no pôr-do-sol, não a composição das poeiras, as camadas onde cada raio de sol se transforma, o nome da partícula, mas antes a nota musical que essa manifestação da natureza produz em mim (tal como ao Hubert Reeves, salvo o erro, que falou mais ou menos nestes termos). O nome, a categoria, a identificação é salutar e permite arrumar o mundo e o que o rodeia, como se fosse à nossa casa… mas não é o que tenho por raiz mais sedutora ou sábia: não acredito que alguma vez, algum homem de ciências me saiba explicar o que motiva a minha emoção perante a onda que vejo rolar para a praia, uma singular onda que se me assemelha à imagem que tenho da asa dum anjo… todavia, para ele também serei um tolo, que vê coisas onde não existem, inventa nomes para o que desconhece… mas o que fazemos, senão isso, há alguns, ou mesmo há milhares de anos?

Basta-me que o mundo seja concreto, definido… que o sonho fica por minha conta, por nossa conta e risco…      


RV- Este ser no mundo que se busca, cercado de mitos, sonhos, teogonias. Este ser que se debate na frágil existência da carne e da palavra. Como esta lavra poética se põe no arado dos teus versos? (Assis Freitas)

LB - Numa luta constante, e aparentemente com a mesma relação ao mundo que a que tinha Dom Quixote e os seus gigantes… que afinal não passam de moinhos de vento; também são ofícios do poema, encontrar a forma de vida onde muitos não vêem mais que uma erva daninha…



RV -  Alguns autores portugueses - e destaco Fernando Pessoa - aproximam a poesia da filosofia, em especial da metafísica, outros da mística ( Daniel Faria e Maria Azenha). Fazem as perguntas que incomodam a existência do homem, na tua poesia Leonardo percebo estas perguntas. Acreditas que a poesia pode dar sentido à existência do Homem? Como você definiria o homem hoje? (Sandrio Cândido)

LB - Acima de tudo como um ser frágil, “andando pelo mundo” com um instinto de sobrevivência sublimado num pensamento débil assente numa ética débil, como sublinhava Lipovetsky, «um narcisista que viaja por viajar e daí negando ver, acabando por visitar duas vezes a mesma coisa», um individuo que não se detém sobre si como ponto de partida para o mundo, mas antes permeável ao sentido de “pertença frágil”, adepto ferrenho da cultura da indiferença (para não falar na indiferença pela cultura…), tudo permitindo, já que se foi privando a si próprio em nome de valores que já nem ele próprio recorda: regressámos à comodidade da caverna de Platão, à “inabitabilidade do homem em si”, no seu próprio corpo, na sua própria razão, na sua própria casa, optando pela ética do provisório, aquela que prescinde de «valor, princípio e norma, predispondo-se a depender da “situação”», ainda que o neguemos a pés juntos… eles, os outros, sim… mas eu não!

Este corpo, “este homem” necessita urgentemente, de descanso, dum descanso retemperador, mas não me parece que esteja à vista essa sensata decisão: o mundo não pode parar! – E porque não? O meu corpo não necessita de se alimentar, de respirar, mover e amar, tropeçar e viver intensamente… e depois descansar? Não me será mais sensato enquanto homem desfrutar o que obtive, o livro que comprei com dificuldade, o vinho que há tanto queria comprar, o filme que finalmente “encontrei”, desfrutando-o calmamente, não como motivo final “da minha compra”, mas como o meio da minha maior satisfação? Será que temos a noção da tralha que levamos para casa com a convicção de “que daremos uma vista de olhos, um destes dias”? Será que temos a noção de que o nosso esforço está mais vinculado à “necessidade” de trabalhar/comprar/trabalhar, uma montanha de “coisas” que nem valor têm nem terão, nem hoje nem tão pouco amanhã, na loja das velharias do mundo, que a de “descansar” e retirar um pouco de prazer que seja (esse que vai para além do efémera alegria de receber talão da loja com uma conta exorbitante a troco de algo de valor ridiculamente inferior!…), descansar, hesitando no caminho, uma vez que seja, e retomar o mundo apenas permitindo por si, o domínio da manhã seguinte? Será que por uma vez o caminho da viagem não pode ser nosso, sem “a rota” bem definida por uma qualquer agência de viagens, sem cama, nem lugar para tomar as refeições, bem delineadas por outrem, e o mais das vezes sem qualquer interesse senão o de acrescentar mais um país, um lugar, uma desnecessidade à nossa lista das vaidades? Se calhar até podíamos… mas temos, inevitavelmente, o medo de “nos perder”… isso seria o “desastre”, a nossa calamidade, a nossa catástrofe privada, ao vivo e em directo!  

Por outro lado, há uma luz em que quero acreditar, uma centelha, que tal como escrevia o Alfred Souza quando escrevia que «durante muito tempo, pareceu-me que a vida estava a começar – a vida real. Mas havia sempre algum obstáculo no caminho, uma coisa que devia conseguir primeiro, algum assunto inacabado, tempo ainda por passar, uma dívida a pagar. Depois a vida começaria. Por fim, compreendi que estes obstáculos eram a minha vida.», a nossa vida, para o bem ou para o mal. E dessa forma, creio, mais que um ponto de partida, um fim ou um sentido para a própria existência, a poesia manifesta-se mais como uma forma de vida que propriamente uma busca de significado ou explicações para ela própria; manifesta-se onde tem urgência, como acontece desde o princípio das coisas… e é, está e estará no homem, no seu compromisso com o mundo, por muito que nos afirmem que são tolice as nossas próprias convicções…


RV -Quais são os amantes da tua barca? (Sandrio Cândido)

LB - Muito concretamente e de forma precisa, não sei, Sandrio; espero apenas que ao entrarem nos espaços que mantenho, onde partilho o meu trabalho, todos e qualquer um que estejam e permaneçam, que se retirem da mesma forma que eu, quando pego num livro, ou entro num blog de alguém que estimo, no mínimo acto que seja, faça-o da forma o mais incondicional possível… o mais “pura” (se essa condição puder existir!) possível; senão, que melhor acto senão o de me afastar e não perturbar o trabalho de quem se deseja respeitado? Quero crer que tem que haver uma certa pureza, manter uma certa pureza na relação às manifestações “do outro”, sejam elas quais forem… e cabe-me a mim, em primeiro lugar, manter essa tentativa de pureza, respeitando cada lugar, cada manifestação “do outro”, com muito respeito… e isso começa onde eu próprio começo e aconteço.

Contudo e duma forma que nunca por nunca supus ser possível, manifestam-se e por vezes penso que são mais “os amantes” que os que mereço… mas aí, nesse ponto, já a minha opinião não conta; tento todos os dias, o melhor possível manifestar-me como ao vendedor de sonhos que o Milton Nascimento cantava: 
«Frases eu invento
elas voam sem rumo no vento
procurando lugar e momento
onde alguém também queira cantá-las

Vendo os meus sonhos
e em troca da fé ambulante
quero ter no final da viagem
um caminho de pedra feliz…»

E pouco ou nada mais que isso…
    
RV - O que significa escrever poesia em um mundo conturbado como o nosso? (Sandrio Cândido)

LB - Colocaria até a questão de outra forma, Sandrio: o que significa “ser” poesia neste mundo, nesta pedra de passagem? - Ao que responderia tão simplesmente: uma carga de trabalhos!

Ainda há muito pouco tempo, há coisa de duas semanas, pouco mais que isso, passou or aqui, no lugar que habito, uma caminhante, uma peregrina solitária de passagem para Santiago de Compostela; a minha surpresa foi tanta que ingenuamente pensei que todas “portas se abrissem” a essa figura rara nos nossos dias… “uma alma em peregrinação”, espanto meu… - O facto de ser Sul-coreana e ambos falarmos muito parcamente a língua inglesa não me impediu, nem a mim nem à minha esposa, de manifestar aquela alegria que têm os garotos numa loja de brinquedos. Tentámos o mais e melhor possível acolher aquela velha senhora (setenta e dois anos e quando nos chegou já ia com mais de quinhentos quilómetros nas pernas!...) mostrar os lugares “mágicos” para o peregrino desde há muito… ainda que agora abandonados, ou guardados a sete chaves e bem escondidos… e o mais estranho, foi chegar ao final desse dia com uma estranha sensação de que quando não existem dificuldades ao caminho, então inventam-se; ou dito de outra forma e talvez melhor… talvez que não seja o caminho a parte mais difícil para o caminhante (mesmo que pertença a essa rara e privilegiada espécie que são os peregrinos!), nas suas jornadas, mas os seres humanos que se colocam tão delicadamente, por obstáculo… é triste espectáculo para o mundo, mas é o que temos!  

O poeta, neste caso, anda ao mundo de forma muito semelhante, infelizmente… os obstáculos são muitos, o caminho do poeta é longo, quase interminável, é duro de roer, é pão que nem com chuva amolece… e para mais, o maior dos obstáculos é o “ser humano” que está por perto, mais perto de ti que o que imaginas: o teu vizinho, o teu familiar, o teu amigo… “o quê, desperdiçar tempo com poesia? Se ainda editasses um livro, fizesses dinheiro, fosses por aí nessa louca corrida da fama, fosses às escolas entreter as criancinhas…”

O mais difícil Sandrio, não é escrever poesia num mundo conturbado… talvez que seja ainda mais árdua tarefa, a de ser poeta entre pessoas perturbadas; esses trabalhos talvez que sejam um pouco como o ofício do cego num reino de videntes, essa coisa de ser poeta e não vender… e isso sim, é tramado... mas é a “mesa do mundo” que temos para trabalhar: está torta? – Consertamos!…



RV - Tanto e tanto. Imensa e sem limites. O que desejas atingir com tua poesia? (Celso Mendes)

LB - Curioso que nunca tinha colocado as “coisas” nessa perspectiva, e creio que nunca pensei muito se haveriam propósitos, cartas ou bússolas para esse caminho que tomei até agora e amanhã pode já aqui não estar…

No entanto há uma imagem que me ocorre, ainda que possa parecer estranha e um pouco pretensiosa da minha parte, invocar: a de Abraão Zacuto, o rabino e astrónomo que aperfeiçoou o Astrolábio e as tábuas astronómicas que apoiaram definitivamente a orientação nas caravelas em alto mar, por alturas dos descobrimentos portugueses. Imagino o matemático enquanto homem, observando com grandeza os astros, todo um novo mundo guardado dentro dos elementos, traduzindo a sabedoria desse olhar para meras tábuas, tratados, desenhos e orientações… e no entanto, penso, o mesmo Zacuto não participou em nenhuma dessas “histórias felizes” que permitiram num primeiro momento, aos navegadores portugueses rumarem numa pioneira estrada que fazia caminho para as Índias, para o Brasil, para um mundo inteiro… resguardado na ignorância dos astros, tão simplesmente dos astros. E imagine-se a “loucura” de determinadas observações, de determinadas “intuições” dum conjunto de homens loucos que permitiram, apesar de tudo, conhecer o mundo mais ou menos redondo tal como hoje o conhecemos. A alguns poetas, quero crer, cabe o papel de Zacutos dementes, observadores de tudos e nadas que poucos querem ou podem entender, inventando mais um ou outro mundo ainda não catalogado… esse é o poeta, esses os poetas… de vozes um pouco roucas ou sumidas, mas não são poucos…

E retomando a questão, Celso, e passe a presunção, mas a esse lugar, o de “não querer atingir”, retomo que não quero encontrar mundos, ir ao seu encontro, mas antes perscrutar essa “noite escura do mundo”, aguardando pacientemente, aguardando a aparição duma luz, duma pequena centelha de luz ainda não vista, apenas uma luz… por muito pequena que seja, mas luz…

RV - Qual palavra que tua poesia escuta ou escutou? (Celso Mendes)

LB - Regresso… quase sempre, regresso!

É curioso que é esse o nome da pasta onde guardo todos os textos: regresso!  Não sei se de forma simbólica, se por um motivo obscuro qualquer, até porque existem palavras que muito poucas vezes trago para dentro do poema… e regresso é uma delas. E outras há que as resguardo ao máximo… já reparou, por exemplo, que nunca acolhi nos meus textos, enquanto palavra, somente palavra, por exemplo… amor, morte, mãe ou pai… entre algumas outras mais?

RV - O que andas a ler nos últimos dias? (Celso Mendes)

LB - Agostinho da Silva (que se nota pelas abundantes citações ao longo desta conversa) e Eugénio de Andrade… o mais possível. Há pouco tempo, passei “a fase” do Teixeira de Pascoaes, de quem li quase tudo o que havia na biblioteca, e de Vitorino Nemésio (que me chegou tarde, mas ainda a tempo!). Na “lista de espera” estão Séneca e um pouco mais de Kant… para baralhar um pouco as leituras… 


RV - Acredito que, para muitos, a poesia surge como tentativa de resolver ou abafar uma profunda angústia decorrente de uma contundente existência... O que o poeta barqueiro pensa sobre isto? (Joelma Bittencourt)

LB - Não creio que seja o “melhor lugar do mundo”, a poesia, para desempacotar esse difícil embrulho da existência, mas isso é uma opinião muito pessoal: se pego na palavra e tento embelezar um pouco mais, para dar mais cor “ao meu dia, ao meu mundo”, penso que estou no caminho certo, ainda que não saiba minimamente se “chego lá” ou não. De outra forma, se pego nela, se me sirvo da palavra, se procuro um refúgio, um cais para as “minhas minudências emocionais” (por muito grandes que sejam, por muito que magoem!) então, estou no “sítio” errado: o poema é o pior dos lugares possíveis…

No entanto, a arte, o poema de que aqui falamos, é “o mais fiel dos amigos” para aquele que procura a luz mais brilhante num imenso e interminável dia de chuva… essa forma de estar enquanto poesia é, estou certo, uma outra forma de terapia… lenta, mas eficaz, quero acreditar.

RV - Uma brincadeirinha para acalmar o clima de inquisição: Que imagem poética surge em sua mente ao ler cada palavra abaixo? (Joelma Bittencourt):


LB - a) Existência: pela manhã, o exercício de voar com os pássaros que rondam o meu quintal; pela tarde, aguardar a chegada da onda que vem desse lado do mar… e pela noite, procurar cada estrela a quem dei o nome dum amigo… é pouco científico, mas que se dane a ciência!

Todo o dia, a minha família, os “meus”, a minha mais profunda razão… de existir!

b) Serenidade: O meu meio de transporte favorito…


c) Leonardo B.: um tipo complicado como um raio, maçador… mas bom rapaz: há que estimar os sonhadores, os utópicos, os lunáticos… gente desse clube! - Nada tem de “imagem poética”, mas é o que me ocorre!


RV - Já lhe aconteceu a sensação de impotência em relação à poesia, o sentimento de que a fonte secou, de que nunca mais será possível escrever novos poemas? (Wilden Barreiro)

LB - Felizmente que não, nunca, Wilden! – Até hoje e ainda que tenha tido por vezes, aqui e ali, algum receio que essa “estranha ocorrência” me pudesse acontecer, não, nunca me bateu à porta esse sentimento. E quando a “fonte” secar, se tal acontecer, paciência… arrumo a bagagem, faço questão de anunciar aos “meus” que tal me aconteceu… e vou por aí. Se tal ocorrer… nada a fazer: mas até lá e se tal acontecer, deixo que a palavra me utilize da forma que a mão a sabe resgatar… o melhor que posso e sei.


RV - Você tem um fôlego poético impressionante, seus poemas são geralmente longos, quase uma raridade nesses tempos de poemas-suspiros. Isso vem de uma concepção planejada, de um enredo previamente vislumbrado ou é um caminho natural, como o de quem sai de casa para beber um chope no bar da esquina e acaba indo, por exemplo, a uma velha adega distante no espaço e no tempo? (Wilden Barreiro)

LB - Ah, Wilden… (que fique o largo riso registado!) acertou na mouche… que caramba, não esperava!...

É… a haver processo é pouco esse… ainda que prefira um vinho branco, no ponto preciso, na temperatura exacta… ou na melhor das hipóteses uma aguardente velha, ou mais ainda: se o bar estiver com a prateleira bem guarnecida, um Courvoisier num balão decente… senão, se assim não for, um café basta! – E vou, vou por aí, sem cartas, sem planos, sem nada de nada… jogo limpo e nada de truques… detesto o poema-batota!

RV -Na barca dos amantes o canto rema dor?(Cris de Souza)

LB - Creio que muito pouca, Cristina… ou pelo menos tento que assim seja! - No entanto, há a saudável dor que nos faz mover, que nos faz crescer, correr mundo… e essa suporta-se como se fosse o rumo para a melhor das curas. Há sempre uma dor pequena que se esquece mais tarde, mas no momento até se agradece… essas são bálsamos!


RV - Como se atravessa a maresia da poesia?(Cris de Souza)

LB - Com muita persistência, muita… mesmo! – A nossa determinação, a nosso mais breve denodo que seja para revolver essas marés adversas, esse grande movimento do mundo onde somos sempre pequenos é a única forma que conheço para atravessar o marulho da terra… e dos mares: no mais, é apenas intuição… a intuição que caiba tanto numa mão, como no universo inteiro.

RV - Leonardo, você se sente ambivalente em relação a sua escrita? Durante o seu processo há momentos em que você discorda de si mesmo e coloca em dúvida a qualidade do seu trabalho? (Lelena Camargo)

LB - Muito mais que uma constante, Lelena, uma tão grande invariável, essa dúvida… vincada, bem vincada, mas apenas dúvida, nunca temor: aos poucos tenho aprendido a lidar com a possibilidade de erro, de passo em falso, que não me atormenta, nem me tira o sono… Mas, e penso que naturalmente, não há texto que não hesite, não há um texto que não tenha sempre a sensação que podia e devia ir um pouco mais longe, amadurecer um pouco mais ainda… mas existe também o risco, e esse é a determinada altura um autêntico locomotor, apelo à serenidade de quem se pensa sincero diante da palavra, e então… nada a temer.

Ainda assim, existem muitos rascunhos, textos quase completos, ideias traçadas que vão directamente para a pasta de reciclagem, sem hesitação; o texto depende muito da “sinceridade” que assumo no acto da escrita, e se existem demasiadas dúvidas, então há que saber ler nesse sinal que algo não está bem, algo então, não é… e sem hesitar, abandono. Se alguma vez tiver que voltar esse sentimento, essa percepção em suspenso, então voltará…

E quanto ao conjunto dos poemas que partilhei até hoje… considero tantas vezes que a “benevolência” com que tantos se me dirigem é tal que duvido e duvido e duvido… e assim movo-me e vou continuando… mas aceito, tudo aceito!

RV - Leonardo, para quem você escreve? Você tem um público em mente? Você tem um leitor ideal para sua obra? (Lelena Camargo)

LB - Não, nunca tive público em mente, nem leitores ideais: escrevo e partilho… e é só isso, nada de mais. Sinto-me, contudo, um homem com uma imensa sorte por (apesar dos meus “altos e baixos”) ter tido leitores, amigos que de forma regular seguem o que escrevo, num meio algo complexo, sem papel pelo meio… apenas “rede” para trabalhar e muita entrega!

Escrevo porque escrevo e nada de mais: sou apenas eu e o que escrevo, eu e apenas os que têm por bem ler o que partilho sempre que posso: espero que chegue um dia o tempo do livro, a foz natural do poema, mas nada de pressas, nada de estratégias ou alvos… a poesia é muito mais que isso, muito mais…

RV - Que peso você dá para a crítica? (Lelena Camargo)

LB - Respeito a critica e o critico, na mesma medida, que o dito respeitar aquele que cria e aquele que vai ler. O crítico que procura na opinião o poder de construir ou destruir “a criação”, propriamente dita, não me merece grande consideração, até porque o “acto de julgar” não me seduz, nem me condiz… da mesma forma que não seduz e acho deprimente o bajulador. Já um outro (que deve ter um outro nome qualquer) que de forma desinteressada, simples e sinceramente, “ajuda” aquele que cria a atingir um outro patamar nessa escada, aquele que com objectividade nos “coloca” nas paralelas, no ponto do nosso próprio equilíbrio… a esse, devo-lhe todo o respeito!

De outra forma, aquele que julga, aquele “crítico” que pensa conter em si próprio a força da razão que move a nossa galáxia, um pseudo-qualquer-coisa de trazer por casa, de uma erudição parasita, a esse, lamento, mas não lhe reconheço qualquer mérito…

Contudo, é terreno movediço, esse da crítica… mas se vier por bem, será sempre bem-vinda, naturalmente que por mim, enquanto poeta, enquanto homem que se busca poeta, vasculho, revolvo, acordo emoções, sobretudo em mim e hipoteticamente no leitor, que para o bem ou para o mal, também e inevitavelmente sente o ritmo cardíaco a alterar-se… e nesse acto, dessa forma, nesse lugar não há “espaço reservado” para o critico. É o sentimento, mesmo que rudimentar, é a emoção, é a dádiva… e então, à crítica e ao seu dono tomam-se por “coisas” deslocadas, quase absurdas, como o aluno que se pensa numa aula de filosofia e nem se apercebe que daqui a nada ouve-se o toque de saída… duma aula de matemática: É a crítica, é o crítico, esse ser singular que tem dificuldade em entender que a árvore, qualquer árvore, muito, mas muito frequentemente tem muito mais que um galho…   

RV - Leonardo, há uns dois anos li uma entrevista sua dada ao Marcelo Novaes. E na época me impressionou sua resposta sobre a edição em livro, sua visão sobre o mercado e o escritor. E você dizia não ter ansiedade a respeito, estando perfeitamente à vontade no meio digital. Você poderia falar novamente sobre isso? Ainda tem a mesma visão? E, finalmente, questão que me preocupa bastante, como você vê a atuação nas redes sociais? (Marcantonio)

LB - Mais palavra, menos palavra, Marcantonio, mantenho tudo o que disse então nessa entrevista… até as vírgulas. Insisto e continuarei a insistir que ao escritor só lhe cabe o papel da escrita; mais que um rosto, o escritor é uma mão, um corpo que age por impulso no resguardo da palavra, ainda que hajam momentos salutares em que o individuo da escrita se renda, venda por cinco minutos a alma aos diabos e pule para uma feira do livro, por exemplo, nem que seja para abraçar um leitor secreto, um amigo que também escreve e veio do outro lado do mundo para “estar”… aí, nesse particular e porque em todo o “principio também há um lugar para excepção”, acho, sublinho, vivamente salutar. Já o escritor-cobaia, refém da tabela de vendas (se isso é coisa que exista, verdadeiramente!), o desenhador de autógrafos, o fama-dependente compulsivo que por acaso até escreve?… esse não, e nem me convidem, porque nem há pachorra para aturar tanto a troco dum pobre Porto de Honra e meia dúzia de rissóis das vésperas.. e daí, ao que ao Marcelo respondi há tempos, nem pensar em retirar uma virgula ao que disse então… ainda que respeite aqueles sujeitos que a esses “trabalhos se sujeitam”. Por mim, estou muito bem aqui e como as famas são objectos de lixo que não me seduzem: Apoio-me na advertência que fazia o Agostinho da Silva «se alguma vez te tornares conhecido, arrepende-te e volta à obscuridade; nela serás irmão dos melhores» e eu prefiro os meus irmãos por perto, “os meus”, os melhores dos melhores, bem por perto… ainda que estejam quase todos eles no outro lado do atlântico, como se pode verificar nesta conversa que já vai longa, mas ainda há uma linha mais, na bagagem…

E finalmente e por forma a reforçar ao que vai pela alma, pelos vistos, temos uma preocupação em comum, essa do papel onde se vão desenhando as redes sociais, onde vamos deixando um ou outro traço… muito sobretudo o facebook, que aos poucos me tem deixado apreensivo e um pouco, como diria… relutante: o “meio onde se fazem amigos”, tem funcionado um pouco mais ao contrário que essa premissa para que foi criado… acontece do melhor e do pior, é um meio óptimo de divulgação, de partilha… mas como acontece em qualquer sitio onde o “sentimento humano à flor da pele” se infiltra, os contras somam-se todos os dias; e nem é pela quantidade de amigos ou pelo somatório de quezílias e minudências sem importância que assumem proporções colossais… não, até porque isso é o menos… a marcação de fotos, os pedidos de aplicações, essas chatices todas são o menos, até porque fazem parte do jogo e quem não sabe ou não quer jogar, não joga… tão simples quanto isso; o preocupante é a passividade com que se “tolera” a censura como sejam a “obstrução” perfis porque se ultrapassou o número de pedidos de amizade, sejam os “castigos”, como o que me aconteceu há tempos por pedir tão humildemente amizade a um fotógrafo, que mesmo enviando a “justificação” do meu pedido de amizade, fui marcado como spam e três dias “de molho”, e pior ainda, as censuras que se fazem a determinadas publicações, como a de por exemplo, nus artísticos, que já aconteceram a “amigos” meus (o ridículo chegou ao perfil bloqueado dum amigo que se “atreveu” a divulgar a Simone de Beauvoir de traseiro ao léu… e que por sinal até era bastante artístico!), como se um herdeiro qualquer do Torquemada se achasse no direito de impor a moral e os bons costumes a uma comunidade adulta… e neste caso, algum mal estar tem-me desapontado a minha permanência no facebook, quanto mais não seja por abominar todo e qualquer tipo de censura… não gostaria de ver os tempos recuados a esse tempo, e ainda mais numa rede social, na qual só me mantenho, por ora, por fidelidade a um grupo de amigos muito, muito “meus”… mas se abandonar, entenderão, por certo… e por acréscimo ainda me sobrará mais tempo para os blogs( para os meus e os dos “meus”!), que importam muito mais, ainda que um certo cansaço se apodere, não só de mim, mas de alguns que muito estimo, que os vejo a abandonar a pouco e pouco aos seus preciosos blogs (tantos que têm expirado, assim…), e sejam quais forem os motivos, espero que não seja assim tão vulgar a ideia que tenho de que alguns abandonam por se não sentirem estimados: não é de todo o número de seguidores ou a falta de comentários, ou razões semelhantes que deverão motivar a “saída”, quero crer. Todos nós, como bloggers, sentimos um pouco “as ausências”, a aparente falta deste ou daquele outro “que até costumava comentar”, etecetera… mas não é grande motivo: por mim falando, naturalmente, sinto-me, hoje, tão contente com o meu trabalho que não tem mais que meia dúzia de mensagens, como há meses que tinha na caixa trinta ou quarenta… a diferença é somente de número: o meu trabalho, o meu empenho continua igual ou maior que o que tinha há meses e não é mensurável pelo número de mensagens na caixa de comentários ou no número de seguidores. É natural que as pessoas se cansem, nós cansamo-nos e ninguém dos que conheço se assemelha ao rei Midas, nem mesmo o melhor dos bloggers… e nem mesmo artistas como Lloyd Cole ou o Leonard Cohen, por exemplo, que tantos como eu admiram, apesar dos seus altos e baixos nas suas carreiras nem sempre constantes, mas não deixam de impressionar pela sua persistência, a audácia de “continuar”… e parece-me que assim será até ao fim. São exemplos entre tantos que poderia aludir, mas estes os que tenho mais por perto para me referir àquela persistência que deveremos ter e apoia-se no mais fiel de todos os amigos que poderemos acolher no mundo: a nossa vontade e persistência, em convívio com a fortuna e os seus reveses, se necessário for… e mais tarde ou mais cedo, acontecerá o que não gostaríamos… mas vamos em frente, quero crer… vou em frente enquanto as palavras me quiserem usar, mas nunca abusar… pois que a tanto nem eu deixaria!     

(-)

E, por término, o que posso e deixo é um imenso abraço, muito em particular a quem chegou até esta linha sem ter adormecido, muito em particular aos que entendem que houve respostas mais longas, outras mais curtas, mas todas elas, sem excepção, incompletas… ou não fosse um homem comum, que faz uns poemas…. Uns quantos poemas que me fazem sentir mais vivo, e mais vivo,

E pronto… o mais que isto, como diria Pessoa

«É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...»

Com um imenso abraço,
Leonardo B.
(Abril 26/28, 2012)
 Participaram desta entrevista: Roberto Lima, Tânia Contreiras, Adriana Godoy, Domingos Barroso, Dani Delias, Tuca Zamagna, Marlene Edir Severino, Eleonora Duarte, Marcelo Novaes, Andrea Godoy, Dade Amorim, Assis Freitas, Sandrio Cândido, Celso Mendes, Joelma Bittencourt, Wilden Barreiro, Cris de Souza, Lelena Camargo, Marcantonio Costa

6 comentários:

  1. Léo, obrigada pelo presente. Li de cabo a rabo e me sinto presenteada pela entrevista sensível e verdadeira, que mostra mais um pouco do nosso tão queridíssimo poeta. Tuquinha, genial sempre...Meninos e meninas, valeu a participação de vocês!

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  2. Marcelinho Novaes, tua abertura deu o toque especial à entrevista. Sou muito grata pela tua participação sensível, pelo poeta que admiro tanto ter participado da entrevista. Beijão.

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  3. O poema de Marcelo Novaes traduz o poeta de forma sensível, amorosa;
    impecável a arte de Tuca.
    Leonardo B. verdadeiro, brilhante

    Linda, linda entrevista. Amei!

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  4. Tânia,


    Grato, amiga.


    Carl Sagan é um bom mestre, não é verdade?



    Abraços a todos os que participaram da entrevista e aos que leem este blog.

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  5. Gostei muito de participar :)
    A entrevista está bárbara!!
    Beijos pra todos!!

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  6. Bacana entrevista! Levei para o meu FB, saludos.

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